O DNA ambiental em trilhas de neve pode ajudar os conservacionistas a encontrar e estudar carnívoros raros
As pegadas redondas de um animal desconhecido levaram a uma estrada coberta de neve na Floresta Nacional de Lolo, no oeste de Montana. Jessie Golding se abaixou para inspecionar os rastros e depois caminhou lentamente ao longo da trilha, deixando para trás pegadas de raquetes de neve do tamanho do Pé Grande. Era um dia excepcionalmente quente para o início de fevereiro; o sol desapareceu nas pegadas do animal até que tudo o que restou foram marcas circulares. Golding adivinhou sua origem: o lince canadense. Ela largou a mochila, calçou um novo par de luvas descartáveis e começou a retirar a neve dos trilhos para um saco plástico limpo. Na neve, havia uma migalha invisível que Golding usaria mais tarde para descobrir a identidade do animal: o DNA ambiental.
Golding é o líder do Programa de Monitoramento de Mesocarnívoros Multiespécies para o Centro Nacional de Genômica e Região Norte do Serviço Florestal dos EUA. Nos últimos cinco anos, ela vem desenvolvendo este novo método de uso de DNA ambiental, ou eDNA, encontrado em trilhas de neve para identificar espécies raras de carnívoros florestais, incluindo lince canadense, carcajus, pescadores, martas e raposas vermelhas montanas. Essas espécies vivem nas florestas do oeste de Montana e do norte de Idaho, mas são caracteristicamente esquivas.
A natureza secreta destes animais torna difícil para os investigadores monitorizarem a situação das suas populações. Mas Golding e os seus colegas podem usar o eDNA de rastos na neve para identificar a presença destas espécies, a fim de compreender melhor onde elas existem. “O primeiro passo para conservar uma espécie é saber onde ela está”, diz Golding. “E você ficaria surpreso com a frequência com que não sabemos disso.”
O eDNA vem das patas de um animal individual e pode estar na forma de células da pele ou secreções de glândulas odoríferas. Quando o animal pisa na neve, deixa para trás esse material genético. Enquanto procura por comida, um lince pode estabelecer mais de oito quilômetros de trilhas em um dia; um wolverine pode deitar ainda mais. O movimento constante desses animais no inverno significa que as trilhas são uma parte onipresente dessas paisagens nevadas.
O processo de monitoramento de carnívoros raros tem tradicionalmente baseado na identificação visual de rastros no campo e no seguimento dos rastros até um local onde o animal matou presas, se alimentou ou deixou fezes. Os locais de matança e fezes também contêm DNA que é usado para identificar as espécies de carnívoros. Outro método comum é montar “estações de iscas”, que atraem os animais com presas já mortas. Pequenas escovas de pêlo metálico serão colocadas perto da isca para prender os pêlos do animal, como outra forma de obter amostras de DNA. Mas estes métodos de monitorização podem ser trabalhosos e demorados.
A coleta de amostras de eDNA, entretanto, é rápida e fácil, diz Golding. A principal preocupação é garantir que cada amostra seja coletada sem qualquer contaminação. Isto é conseguido com luvas novas, sacos novos e equipamento esterilizado para cada amostra. Depois que ela retira um saco de neve de uma trilha, a amostra é mantida congelada até que esteja pronta para ser analisada no laboratório. Uma detecção positiva de uma espécie pode ser determinada a partir de rastros com semanas de idade, e uma única fita de DNA é tudo o que é necessário.
Identificar carnívoros raros a partir do eDNA em seus rastros inicialmente parecia um tiro no escuro para Golding. Ela aplicou o método pela primeira vez na Floresta Nacional de Beaverhead-Deerlodge, onde não se sabia que lince canadense era encontrado. Mas em 2018, um cidadão capturou uma fotografia com uma câmara de sensoriamento remoto, e a fotografia parecia curiosamente a de um lince. A imagem ambígua inspirou o primeiro teste para ver se o método eDNA poderia ajudar a confirmar o que a câmera não conseguiu.
Sem saber quanta neve seria necessária para encontrar o eDNA, Golding lembra-se de coletar muitos galões dele no local da armadilha fotográfica e arrastá-lo para fora da floresta. Para surpresa de Golding, em algum lugar naqueles litros de neve estava o eDNA de um lince. Foi uma virada de jogo.
O lince canadense está listado como ameaçado de extinção pela Lei de Espécies Ameaçadas. Isto significa que onde quer que sejam encontrados, os gestores de terras são obrigados a considerar como as decisões irão impactar as espécies, explica Scott Jackson, líder do Programa Nacional de Carnívoros do Serviço Florestal. Para poder caçar, reproduzir-se e sobreviver, os linces necessitam de diversas florestas com árvores jovens e velhas. Mas um bom habitat para o lince pode ser facilmente prejudicado por decisões mal informadas sobre a gestão florestal, tais como onde cortar ou realizar queimadas prescritas. “Quanto mais soubermos quais espécies podem viver neste pedaço de terreno, mais informadas serão as nossas decisões de gestão”, diz Jackson.
Apesar da importância destes dados fundamentais, muitas vezes faltam para estas espécies nas suas cadeias de Montanhas Rochosas. Mas, à medida que as alterações climáticas continuam a alterar o habitat de que dependem estas espécies raras, será imperativo saber o máximo possível sobre o seu paradeiro e quão saudáveis são as suas populações.
O DNA ambiental pode tornar a coleta dessas informações um processo mais eficiente, diz Betsy Herrmann, responsável pela equipe de planejamento e recursos da Floresta Nacional de Beaverhead-Deerlodge. Como coletar trilhas de neve é tão simples, Herrmann envolveu pessoas de seu departamento, além de pesquisadores, para ajudar nos esforços. Agora, quando os responsáveis pela aplicação da lei e os especialistas em recreação do Serviço Florestal se deparam com supostos rastos de carnívoros raros, são treinados para recolher o ADN. Mais pessoas envolvidas no processo de monitoramento significaram uma cobertura maior, diz Herrmann.
Golding gostaria de ver este método de monitoramento da vida selvagem algum dia expandido para um esforço de ciência cidadã. Identificar visualmente rastros na neve pode ser difícil ou impossível, explica Golding. Mas o eDNA é uma ferramenta poderosa para identificar onde as espécies mais misteriosas das montanhas têm caminhado. “Sempre digo à minha equipe: ‘Se você tiver alguma dúvida, basta retirar a neve’”, diz Golding.