Animais

“Filho dos Monarcas” presta homenagem à beleza da migração

Santiago Ferreira

Um filme surreal explora a psique de um biólogo imigrante

Para alguns, um filme sobre a transformação espiritual de um cientista mexicano em borboleta pode parecer estranho. Mas para Alexis Gambis, é pessoal. Filho de pintor e cineasta, Gambis rebelou-se contra a carreira artística. Mas depois de concluir um doutoramento em biologia molecular e genética, procurou formas de unir a sua investigação académica à narrativa visual. “Fiquei realmente atraído pela biologia do ponto de vista estético e narrativo”, disse Gambis Serra.

O resultado é Filho dos Monarcas, escrito e dirigido por Gambis. Recebeu o Prêmio Alfred P. Sloan, concedido a um longa-metragem focado em ciência e tecnologia, e estreou recentemente no Festival de Cinema de Sundance de 2021.

O filme segue Mendel (interpretado por Tenoch Huerta), um biólogo evolucionista que deixa o México e vai para Nova York para estudar como a ferramenta de engenharia genética CRISPR pode alterar as características físicas das borboletas. Depois de descobrir que sua avó faleceu, Mendel viaja para o México para assistir ao funeral dela em Michoacán, onde fica a Reserva da Biosfera da Borboleta Monarca. O que deveria ser uma visita de dois dias o reconecta com velhos amigos e familiares, bem como com o trauma que o afastou do lugar que antes chamava de lar.

Grande parte do filme se desenrola através de flashbacks, confundindo os limites entre a infância de Mendel em Michoacán e sua vida em Nova York. Filho dos Monarcas explora a transformação psíquica de Mendel à medida que ele reconcilia a perda de seus pais, a perda de sua cultura e, em última análise, a perda de si mesmo.



Mendel quando criança, interpretado por Kaarlo Isaacs. | Foto cortesia do Instituto Sundance/Alexis Gambis

Embora Filho dos Monarcas explora uma série de ideias, Gambis as entrelaça com precisão sutil. O filme é repleto de observações nítidas sobre ciência, espiritualidade, meio ambiente e migração. As migrações de borboletas da infância de Mendel são diminuídas pela desflorestação e pela mineração, mesmo quando as crianças das escolas locais memorizam e reencenam a passagem dos monarcas da América do Norte para o México e representam as alterações climáticas através da dança folclórica (a reconstituição das crianças é baseada numa performance real que Gambis viu enquanto estiver no México). “Como diretor, não quero tomar uma posição e dizer: ‘Parem de destruir a floresta de borboletas!'”, disse Gambis. “Não quero pregar, porque sinto que essas conversas são muito complicadas.”

No filme, ciência e espiritualidade não se justapõem, mas conversam entre si. Quando Mendel abraça o seu espírito animal durante uma cerimónia ancestral ou olha para o seu microscópio para extrair pigmento de borboleta, o objectivo de compreender o mundo é o mesmo.

O filme transmite a mundanidade do trabalho de laboratório sem subestimar sua maravilha. “Muitas vezes, a busca e a pesquisa científica são separadas do aspecto espiritual”, disse Gambis. “Mas sinto que eles estão muito conectados. A ideia de estar num laboratório e tentar compreender os blocos de construção da vida e como as coisas funcionam é o tipo máximo de processo espiritual.”

Filho dos Monarcas evita a dramatização da perturbação planetária que é comum no gênero de ficção científica (pense Snowpiercer, Aniquilaçãoe O marciano). “Existe uma obsessão em sensacionalizar a ciência, levando você a esses mundos distópicos”, disse Gambis. “Adoro esses filmes, mas sinto que é preciso haver espaço para outros tipos de filmes onde a ciência seja o pano de fundo… Não quero que o personagem diga de repente: 'Oh, fiz uma descoberta!' Prefiro vê-lo trabalhar no laboratório em silêncio. Faz parte de quem ele é. Ele não precisa falar sobre isso.”

Tal como a ciência é inata a Mendel, também o é a sua identidade híbrida como imigrante latino que vive entre culturas. O filme amplia a definição do que significa ser um imigrante, desviando-se dos tropos redutores da migração latino-americana, como o imigrante sacrificial que arrisca tudo por uma vida melhor. “O que você vê em filmes sobre latinos e mexicanos é muito estereotipado”, disse Gambis. “Geralmente trata-se de cruzar a fronteira. E aqui trata-se de cientistas mexicanos que realmente retornam ao México e vivem entre mundos.”




Duas figuras embrulhadas em roupas de inverno num telhado, recortadas contra o céu.

Mendel fala sobre borboletas com sua namorada (interpretada por Alexia Rasmussen) na cidade de Nova York. | Foto cortesia do Instituto Sundance/Alexis Gambis

“Se você for a um laboratório de pesquisa hoje, verá que ele está cheio de pessoas de todo o mundo que vêm e migram por motivos de trabalho”, disse Gambis. “É um tipo diferente de migração que acontece nos EUA.” A história de Mendel é um olhar íntimo sobre as consequências emocionais que seguem uma escolha soberana, e é a sua negociação entre identidade e pertencimento que torna este filme tão visceral.

Gambis espera que os espectadores se afastem Filho dos Monarcas com uma apreciação mais profunda de como somos todos animais, não apenas dentro de um ecossistema específico, mas também como criaturas que são tão dependentes da migração como outras espécies. Como um imigrante residente em Brooklyn que luta com o paradoxo da pertença cultural – dividido entre as suas identidades francesa, venezuelana e americana – ele incentiva o público a pensar criticamente sobre quem são e de onde vêm.

“Espero que as pessoas entendam que a migração é fluida”, disse Gambis. “Você pode sair e voltar…. Talvez não saibamos onde Mendel vai parar, mas ele flutua como uma borboleta. Ele está no México, está em Nova York – não há permanência. É tudo cíclico. Claro que é um certo tipo de migração, porque há alguns (migrantes) que não podem voltar para casa. Mas quero enfatizar que, no mundo animal, a migração é cíclica e espero que as pessoas se identifiquem com isso e aceitem que a migração é linda.”

Um homem sentado em um trem MTA atravessando uma paisagem aquosa, olhando para um frasco laranja.

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago