Animais

Ameaça emergente: vírus da raiva de saguis encontrado em morcegos brasileiros

Santiago Ferreira

Um estudo recente revelou uma ligação surpreendente entre variantes do vírus da raiva encontradas em morcegos e aquelas presentes em saguis de tufos brancos no Nordeste do Brasil.

Esta descoberta é significativa devido ao risco potencial de transmissão da raiva aos seres humanos, e é particularmente preocupante desde que um homem morreu em Maio após uma picada de sagui.

Emergência na vida selvagem

A raiva, uma doença mortal para os seres humanos, está sendo cada vez mais detectada em diversas espécies selvagens, incluindo saguis encontrados nas florestas e áreas urbanas brasileiras.

Os saguis, muitas vezes capturados como animais de estimação e posteriormente abandonados, têm sido implicados em casos de raiva humana. Esta emergência é uma preocupação premente de saúde pública.

Insights de estudo

O estudo foi conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP) e apoiado pela FAPESP. Os resultados destacam a semelhança entre as variantes da raiva em saguis e morcegos.

Foram encontrados morcegos frugívoros e comedores de insetos, que normalmente não estão associados à raiva, carregando o vírus, indicando uma dinâmica de transmissão complexa. Os morcegos que se alimentam de sangue são os hospedeiros mais prováveis.

Encontros mortais

“Sete saguis testaram recentemente positivo para raiva. A raiva é endêmica no Ceará, onde pessoas foram atacadas por saguis e morreram de raiva. Uma dessas mortes ocorreu em maio”, disse a principal autora do estudo, Larissa Leão Ferrer de Sousa.

Em Fevereiro, um trabalhador agrícola de 36 anos, perto de uma cidade chamada Cariús, foi mordido por um sagui raivoso. “O sagui caiu no quintal dele. Estava semiparalisado, que é um dos sintomas da raiva. O homem tentou ajudar e ele o mordeu”, disse Sousa.

“Os animais com raiva nem sempre são agressivos e não necessariamente espumam pela boca, sintoma que a maioria das pessoas associa à raiva. Às vezes não há sintomas aparentes.”

Aviso público

Sousa desaconselha tocar em animais selvagens, incluindo morcegos, e sugere contactar a vigilância sanitária animal local para animais selvagens mortos. Atenção médica imediata e vacinação são cruciais após o contato com animais, pois os sintomas da raiva geralmente sinalizam um resultado fatal.

“A raiva incuba em média 45 dias, por isso é extremamente importante que qualquer pessoa infectada receba imediatamente a profilaxia pós-exposição (soro e vacina). Quando os sintomas aparecem, normalmente já é tarde e o paciente vai a óbito”, disse Ricardo Durães-Carvalho, pesquisador da EPM-UNIFESP e principal pesquisador do estudo.

Sequenciamento genético

Os pesquisadores sequenciaram o RNA de 144 amostras de tecido cerebral de 15 espécies de morcegos. Estas amostras, recolhidas como parte de um programa nacional de vigilância, revelaram variantes do vírus da raiva em morcegos, estreitamente relacionadas com as dos saguis.

Em seguida, a equipe traçou a história evolutiva dos vírus encontrados usando ferramentas assistidas por computador.

O primeiro conjunto de sequências foi compatível com variantes do vírus da raiva encontradas em duas espécies de morcegos insetívoros do Sudeste do Brasil em 2010.

No entanto, outro grupo de variantes encontradas em duas espécies de morcegos insetívoras e uma frugívora foram evolutivamente relacionadas ao vírus detectado em saguis do Nordeste.

Implicações do estudo

“Os nossos resultados permitiram-nos inferir que as diferentes variantes do vírus da raiva intimamente relacionadas em termos evolutivos eram originárias do mesmo animal, revelando dinâmicas de transbordamento complexas e múltiplas transmissões virais entre hospedeiros”, disse Durães-Carvalho.

Embora os morcegos e os saguis desempenhem papéis fundamentais na transmissão da raiva, também são cruciais para o equilíbrio ecológico e estão ameaçados pela perda de habitat. Respeitar e proteger estes animais nos seus habitats naturais é essencial para manter a saúde dos ecossistemas.

A descoberta de variantes do vírus da raiva em morcegos ligados a saguis no Brasil serve como um lembrete das intrincadas relações entre a vida selvagem, os humanos e as doenças.

A conservação da vida selvagem e a vigilância da saúde pública são crucialmente importantes para prevenir futuros surtos.

Saguis de tufos brancos

Os saguis de tufos brancos, também conhecidos como saguis comuns ou saguis de tufos brancos, são macacos do Novo Mundo nativos da América do Sul. Eles foram originalmente encontrados ao longo da costa nordeste do Brasil, em vários estados, incluindo Piauí, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Bahia.

Em termos de aparência, esses saguis são bastante pequenos, com comprimento de corpo de aproximadamente 12 a 15 centímetros e comprimento de cauda variando de 29,5 a 35 centímetros. Eles se distinguem por seus tufos brancos nas orelhas e uma mancha branca na testa. O pelo da cabeça é geralmente marrom escuro, enquanto o pelo do dorso é marrom acinzentado com listras transversais claras.

O sagui de tufos brancos vive em famílias extensas estáveis, o que indica sua natureza social. Um aspecto interessante de seu comportamento são os hábitos alimentares. Eles se alimentam principalmente de gomas e seiva de árvores, usando seus incisivos inferiores para criar buracos nas árvores produtoras de goma. Essa ação induz um fluxo de goma das árvores, que serve como importante fonte de alimento para elas.

O estudo está publicado no Revista de Virologia Médica.

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Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago