Meio ambiente

Sobrepesca no Mediterrâneo egípcio: um novo estudo pede ação urgente para salvar a pesca

Santiago Ferreira

O Mar Mediterrâneo é um dos ecossistemas marinhos mais diversos e produtivos do mundo, abrigando mais de 17.000 espécies de peixes e invertebrados

No entanto, esta rica biodiversidade está ameaçada pela sobrepesca, poluição, degradação de habitats, alterações climáticas e espécies invasoras.

Entre os países ribeirinhos do Mar Mediterrâneo, o Egipto tem uma longa história e tradição de pesca, que remonta aos tempos antigos. A pesca mediterrânica do Egipto contribui para a segurança alimentar, a subsistência e a economia de milhões de pessoas, especialmente nas zonas costeiras.

No entanto, um novo estudo realizado por investigadores da iniciativa Sea Around Us da Universidade da Colúmbia Britânica e da Academia Árabe de Ciência, Tecnologia e Transporte Marítimo revelou que as pescarias egípcias no Mediterrâneo necessitam urgentemente de uma melhor gestão para garantir a sua sustentabilidade e resiliência.

Um século de sobreexploração e choques externos

O estudo, publicado na revista Ocean and Coastal Management, reconstruiu as capturas de pesca marinha do Egito no Mediterrâneo de 1920 a 2019, usando uma variedade de fontes e métodos

Os resultados mostraram que 3,8 milhões de toneladas de peixes e invertebrados foram retirados das águas mediterrânicas do Egipto durante este período, com grandes picos e declínios causados ​​por vários factores.

O estudo identificou quatro fases principais do desenvolvimento das pescas no Mediterrâneo no Egito:

A fase inicial de desenvolvimento (1920-1949)

Caracterizada por baixas capturas e esforço de pesca, principalmente por arrastões que visam espécies demersais (peixes que vivem perto do fundo do mar) como pescada, tainha e linguado.

A fase de expansão (1950-1969)

Marcado por um rápido aumento das capturas e do esforço de pesca, impulsionado pelo desenvolvimento de novas artes de pesca (como redes de cerco e palangres) e mercados, bem como pela introdução de barcos motorizados.

Esta fase também assistiu a uma mudança nas espécies-alvo de espécies demersais para pelágicas (peixes que vivem perto da superfície do mar), como a sardinha, a anchova e a cavala.

A fase de declínio (1970-1989),

Caracterizada por uma diminuição acentuada das capturas e do esforço de pesca, principalmente devido à construção da Barragem Alta de Assuão, em 1964, que bloqueou o fluxo de nutrientes do Nilo para o mar, afetando a produtividade e a distribuição das populações piscícolas.

Esta fase também testemunhou um declínio na qualidade e quantidade dos locais de desembarque de pescado, bem como instabilidade política e económica5

A fase de flutuação (1990-2019),

Marcado por uma recuperação e estabilização das capturas e do esforço de pesca na década de 1990, seguida de outro declínio nas décadas de 2000 e 2010, devido à sobreexploração, à degradação ambiental, às alterações climáticas e às espécies invasoras.

Esta fase assistiu também a uma diversificação do sector das pescas, com o surgimento da aquicultura, da pesca recreativa e do ecoturismo.

O estudo também encontrou evidências de pesca na cadeia alimentar, um fenómeno que ocorre quando os pescadores visam espécies maiores e mais valiosas em níveis tróficos mais elevados (posições na cadeia alimentar), esgotando os seus stocks e depois mudando para espécies mais pequenas e menos valiosas em níveis mais baixos. níveis tróficos

Os pesquisadores calcularam um indicador denominado Índice Trófico Marinho (MTI), que mede o nível trófico médio da captura.

Eles descobriram que o MTI diminuiu de 3,6 em 1920 para 2,8 em 2019, indicando uma perda de biodiversidade e de saúde do ecossistema

Um apelo a uma melhor gestão

Os investigadores concluíram que a pesca mediterrânica egípcia enfrenta múltiplos desafios que exigem uma ação urgente tanto dos pescadores como dos gestores.

Recomendaram uma série de medidas para melhorar a gestão destas pescarias, tais como:

  • Adotar uma abordagem ecossistémica à gestão das pescas (EAFM), que considera não só as espécies-alvo, mas também as suas interações com outras espécies e habitats, bem como os aspetos sociais e económicos das comunidades piscatórias
  • Implementar limites de captura e quotas com base científica para cada pescaria, com base em avaliações e monitorização regulares dos stocks.
  • Fazer cumprir os regulamentos existentes sobre artes de pesca, malhagem, tamanho mínimo de desembarque, zonas e períodos de defeso, bem como combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).
  • Promover acordos de cogestão entre pescadores e gestores, envolvendo processos de tomada de decisão participativos e responsabilidades partilhadas.
  • Melhorar os sistemas de recolha de dados e de comunicação de informações para a pesca comercial e recreativa, utilizando tecnologias modernas, como diários de bordo eletrónicos, sistemas de monitorização de navios (VMS) e deteção remota.
  • Desenvolver meios de subsistência alternativos e fontes de rendimento para os pescadores, como a aquicultura, o ecoturismo e o processamento de valor acrescentado.
  • Sensibilizar e educar os pescadores e consumidores sobre a importância das práticas de pesca sustentáveis ​​e do consumo responsável de produtos do mar.

Os investigadores destacaram também a necessidade de cooperação regional e internacional entre os países mediterrânicos, bem como com organizações relevantes, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo (CGPM) e a Comissão Científica do Mediterrâneo (CIESM).

Salientaram que o Egipto tem um papel fundamental a desempenhar na conservação e gestão dos recursos marinhos do Mar Mediterrâneo, uma vez que tem a costa mais longa e a maior população entre os países mediterrânicos.

O estudo faz parte de uma iniciativa global do Sea Around Us para reconstruir as capturas pesqueiras de todos os países e territórios marítimos de 1950 a 2010, e atualizá-las até 2019.

O objetivo é fornecer dados mais precisos e abrangentes sobre a pesca global, que possam informar melhores políticas e práticas para a gestão sustentável da pesca.

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Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

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