Animais

Os dingos já foram considerados “quase humanos” na Austrália

Santiago Ferreira

A ideia de que “um cachorro é o melhor amigo do homem” assume um significado mais profundo quando se trata dos dingos selvagens da Austrália. Historicamente difamados e temidos na Austrália, os dingos podem ter ocupado um lugar de reverência, de acordo com um novo estudo da Universidade Nacional Australiana.

A pesquisa lança luz sobre um aspecto anteriormente pouco estudado da história pré-colonial australiana. Sugere que estes caninos selvagens não foram apenas tolerados, mas talvez até domesticados pelos povos das Primeiras Nações antes da chegada dos colonos europeus ao continente.

O estudo baseou-se numa análise aprofundada dos vestígios descobertos no sítio arqueológico de Curracurrang, situado ao sul de Sydney.

Foco do estudo

“O enterro do dingo é uma tradição que começou na época, ou cerca de 1.000 anos depois, da chegada do dingo à Austrália e parece ter sido uma prática cultural generalizada”, escreveram os autores do estudo.

“Tanto os registros históricos orais escritos quanto os indígenas indicam que a prática foi amplamente distribuída por toda a Austrália na época da invasão europeia.”

Enterros de dingo

Técnicas de datação por radiocarbono aplicadas aos ossos escavados de dingo indicam que esses animais foram enterrados ao lado de humanos há quase 2.000 anos.

Dr. Loukas Koungoulos, o pesquisador principal, enfatizou a importância deste enterro ritualístico.

“Nem todos os dingos do campo receberam ritos funerários, mas em todas as áreas em que os enterros são registados, o processo e os métodos de eliminação são idênticos ou quase idênticos aos associados aos ritos humanos na mesma área”, disse o Dr. “Isso reflete o vínculo estreito entre as pessoas e os dingos e seu status quase humano.”

Possíveis co-enterros

“Tanto homens quanto mulheres, e indivíduos de todas as idades, estão representados em sepulturas arqueológicas de dingo. Os enterros de Dingos ocorrem frequentemente ou mesmo principalmente em locais onde as pessoas também estão enterradas”, escreveram os pesquisadores.

“Os arranjos espaciais sugerem que alguns enterros de dingo do sudeste da Austrália poderiam ser co-enterros com pessoas específicas, mas possíveis casos ainda precisam ser verificados com datação por radiocarbono.”

Evidência crítica

Curiosamente, os enterros não foram a única evidência que apontava para a domesticação dos dingos. O local também revelou restos de dingo com dentes notavelmente desgastados, sugerindo uma dieta rica em ossos grandes.

Este padrão de desgaste característico é provavelmente resultado do consumo de sobras de refeições humanas pelos animais, sugerindo um relacionamento muito mais íntimo do que a mera coexistência.

Além disso, os restos mortais do dingo variam desde filhotes até aqueles com idade de seis a oito anos. Segundo os investigadores, isto mostra que os povos das Primeiras Nações não se preocuparam apenas com os jovens dingos antes de estes regressarem à natureza, mas que construíram relações muito mais substanciais.

Obrigações duradouras

“Essas descobertas marcam um desenvolvimento importante em nossa compreensão da relação entre os primeiros povos da Austrália e os dingos”, disse a co-autora Professora Susan O’Connor.

“Quando os europeus se estabeleceram na Austrália, o vínculo entre os dingoes e os povos indígenas estava consolidado. Isso é bem conhecido pelos povos indígenas e foi documentado por observadores.”

“O nosso trabalho mostra que eles tinham relações duradouras antes da colonização europeia, e não apenas as associações transitórias e temporárias registadas durante a era colonial.”

A pesquisa está publicada na revista PLOS Um.

Gostou do que leu? Assine nosso boletim informativo para artigos envolventes, conteúdo exclusivo e as atualizações mais recentes.

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago