O fotógrafo subaquático se vê como um intérprete de ciências
Ralph Pace frequentemente folheia suas fotos enquanto está sentado em uma cadeira Windsor feita em sua garagem reformada na Califórnia. Ao seu redor, entre montes de equipamento de mergulho e câmeras à prova d’água, estão as extensas coleções de suas viagens marítimas: bicos de peixe-espada e mapas de batimetria, conchas de abalone e ferros de abalone.
Pace chama isso de seu outro escritório, a enseada confortavelmente desordenada para a qual ele retorna após longas viagens e tarefas de reportagem. As imagens ganham vida aqui, muitas das quais estão penduradas nas paredes lotadas da garagem.
O que Pace considera ser o seu escritório principal é um lugar muito mais simples e tranquilo: o mar.
Em 2009, a carreira de Pace na grande liga de futebol da Austrália estava chegando ao fim. Sobrecarregado por lesões no campo, ele mudou de terreno e começou a mergulhar nos recifes de coral costeiros do país. Ele gostou tanto da experiência libertadora que viajou para a Indonésia e fez o mesmo.
Durante essas primeiras viagens, nunca lhe ocorreu pegar uma câmera. Mas quanto mais mergulhava, mais fascinado ficava pelos ecossistemas marinhos que observava.
Em 2012, Pace voltou à escola para estudar conservação marinha no Scripps Institution of Oceanography. Sua pesquisa se concentrou em locais onde o turismo e os ecossistemas naturais convergiam. Isso o levou a Puerto Escondido, Oaxaca, México, em abril de 2013, lar de uma rica biodiversidade aquática e de um dos pontos de surf mais famosos do mundo.
Lá, ele estudou uma proposta de projeto de marina que ameaçava destruir grande parte das lagoas de manguezais da costa de Oaxaca, habitats de crocodilos americanos, ecossistemas de aves aquáticas e praias de nidificação de tartarugas marinhas – tudo isso, potencialmente perdido para o desenvolvimento, calculou Pace, por US$ 8 milhões a US$ 10 milhões. por ano do turismo.
Com este número e a ajuda de ONGs, Pace reuniu-se com ativistas ambientais para ajudar a travar o desenvolvimento, que até hoje não foi construído. Foi também nessa época que Pace começou a mexer com uma câmera, um presente de seu irmão que veio acompanhado de um bilhete: “Prove”.
“Eu estava dizendo a todos que este lugar é lindo, este lugar é perfeito, mas estas são apenas palavras”, disse Pace. “Mostre-lhes algo! Então comecei a tirar algumas fotos.”
Não muito tempo depois, em outra viagem de pesquisa do Scripps à Costa Rica, Pace fotografou tartarugas marinhas recém-nascidas enquanto elas se afastavam das águas oceânicas em direção às luzes brilhantes dos edifícios próximos. Com suas fotos, Pace foi de porta em porta e ajudou a convencer os proprietários de prédios a diminuir as luzes para que os filhotes pudessem encontrar o caminho para o mar.
“Você rapidamente percebe que, ao mostrar fotos a alguém, você pode ter um impacto muito maior”, disse Pace.
Pace descreve-se como um “intérprete científico” e passa grande parte do seu tempo acompanhando cientistas em expedições de investigação, documentando, por exemplo, a distribuição geográfica dos grandes tubarões brancos ao largo da costa da Califórnia, ou a extinção de enormes estrelas do mar. Ele se orgulha de aprender as complexidades dos fenômenos naturais e depois comunicar isso através de suas imagens de uma forma que todos possam entender. Ele compara o processo a transformar um artigo científico complicado em uma tradução ultracoloquial.
“Posso entender o que o cara na cadeira alta está dizendo e agora preciso ser capaz de espalhar isso para as pessoas”, diz Pace. “As imagens permitem que as pessoas entrem em seus termos e, no final, você espera ter criado uma mensagem para que elas possam sair com um pouco de compreensão.”
Quase uma década depois de receber de presente sua primeira câmera, Pace não se sente mais tentado a tirar milhares de fotos ou capturar “qualquer coisa que se mova”.
“Às vezes saio em barcos com pescadores durante duas semanas e tiro duas ou três fotos”, diz ele. “Vou nadar e tirar quatro fotos, todas para iluminação.”
Pace dedica-se particularmente a documentar os impactos das alterações climáticas, como quando se aventura no sub-bosque sombrio dos sistemas de algas flutuantes – um habitat que chama de “florestas tropicais subaquáticas” – e fotografa os ouriços-do-mar famintos que proliferam num oceano em aquecimento.
Durante três meses por ano, Pace mora em Maui, onde estuda no que chama de “escola de baleias”, ministrado por Flip Nicklin, talvez o maior especialista do mundo em pesquisa de baleias jubarte. Com Nicklin, Pace mergulha quase diariamente para aprender e registrar o comportamento e as rotinas muitas vezes surpreendentes das baleias.
Num mergulho de primavera em 2018, uma mãe jubarte colocou o filhote no nariz e empurrou-o na direção de Pace, talvez vendo a presença do fotógrafo subaquático como uma oportunidade para uma lição de sociabilidade. O encontro permitiu que Pace visse de perto a mãe e o bebê amamentando. Em outro dia, Pace observou um par de homens e mulheres prendendo a respiração bem abaixo da superfície, lábios com lábios como se estivessem se beijando, antes de subirem juntos para respirar. Um aparente exercício de conservação de energia, Pace ainda gosta de pensar que passaram o dia “recitando poemas de amor telepáticos”.
E ainda em outros mergulhos, momentos mais simples chamam a atenção de Pace: a maneira como os raios de sol se espalham pelas bolhas debaixo d’água; duas baleias flutuando verticalmente, talvez participando de uma dança de cortejo; a efusão de nuvens nebulosas de leite das baleias mães para seus filhotes; o poder de uma jubarte rompendo a superfície.
Quando Pace testemunha momentos como estes e consegue apresentar ao mundo uma imagem que ilustra algo novo sobre as jubartes ou a vida marinha, ele sabe que está cumprindo o mandato original do seu irmão. “Quão legal é”, diz ele, “saber que o mundo é diferente do que todo mundo pensa que é?”