Meio ambiente

Desvendando a incompatibilidade científica: a surpreendente resposta da Amazônia à seca

Santiago Ferreira

Novas pesquisas revelam que diferentes regiões da Amazônia respondem à seca de maneira diferente devido a variações nos ambientes florestais locais e nas propriedades das árvores.

Uma equipe de pesquisa descobriu que a resposta da floresta amazônica à seca varia regionalmente, influenciada pelos ambientes locais e pelas características das árvores.

As árvores do sul da Amazônia com lençóis freáticos rasos prosperaram, enquanto aquelas com lençóis freáticos mais profundos tiveram dificuldades. As árvores do norte da Amazônia mostraram resiliência. Isto ajuda na conservação e destaca o papel climático global da Amazônia.

O mistério da resiliência da Amazônia

No final dos anos 2000, Scott Saleska notou algo estranho acontecendo na floresta amazônica.

Em 2005, uma seca enorme atingiu a região. Dois anos mais tarde, Saleska – professor da Universidade do Arizona no Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva – publicou uma investigação surpreendente que utilizou imagens de satélite para descobrir que a seca resultou num maior crescimento verde em grandes áreas da Amazónia. Por outro lado, os investigadores de campo viram plantas ficarem castanhas e algumas morrerem em resposta à seca.

Dossel da floresta tropical perto da estação de campo Wayqecha no Peru

Uma encosta perto da estação de campo Wayqecha, no Peru. A floresta amazônica abrange uma área duas vezes maior que a Índia e é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo. Crédito: Jake Bryant

Descobrindo a causa da incompatibilidade científica

Pesquisa publicada hoje (19 de junho) na revista Natureza revela o que causou o desencontro científico. Shuli Chen, doutoranda em ecologia e biologia evolutiva que trabalha com Saleska, é a autora principal.

Chen e Saleska se uniram a Antonio Nobre, um cientista da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, que estava usando satélites para detectar como a topografia da paisagem e os lençóis freáticos interagem com as florestas.

Árvores próximas ao lençol freático na Reserva Cuieiras, nos arredores de Manaus, Brasil

Este é um exemplo de árvores de floresta tropical próximas a um lençol freático tiradas no córrego de captação de um local de pesquisa na Reserva Cuieiras, nos arredores de Manaus, Brasil. Crédito: Jake Bryant

Mapeando as diversas respostas da Amazônia à seca

O trio e seus coautores do Brasil, dos EUA e do Reino Unido usaram 20 anos de dados – de 2000 a 2020, que incluem dados de seca de 2005, 2010 e uma seca mais generalizada em 2015 e 2016 – para descobrir como a seca impacta a floresta com maior biodiversidade da Terra, que abrange uma área duas vezes maior que a Índia, e é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo.

Eles descobriram que diferentes regiões da floresta amazônica respondem à seca de maneira diferente devido às diferenças nos ambientes florestais locais e às diferenças nas propriedades das próprias árvores. Este trabalho vai além dos fatores climáticos em larga escala e aborda como os ambientes locais impulsionam a resposta à seca, disse Chen. A equipe criou mapas para ilustrar suas descobertas.

Resiliência à seca na Amazônia

Na região sul da floresta amazônica, principalmente sobre formações rochosas que os geólogos chamam de Escudo Brasileiro – com solo relativamente fértil e florestas com árvores mais baixas – a resposta à seca foi controlada pelo acesso às águas subterrâneas. As árvores com acesso a lençóis freáticos rasos “ficaram verdes” durante a seca, descobriram os pesquisadores, enquanto as árvores em lençóis freáticos mais profundos sofreram mais escurecimento da folhagem e morte de árvores. Em contraste, o norte da Amazónia, dominado pelo que os geólogos chamam de Escudo das Guianas – lar de árvores altas com raízes profundas e solo menos fértil – era mais resistente à seca, independentemente da profundidade do lençol freático.

Esta nova compreensão das diferenças regionais fornece um quadro para decisões de conservação e melhores previsões das respostas das florestas às futuras alterações climáticas, de acordo com os investigadores. Alerta também que as florestas mais produtivas da Amazônia também correm maior risco.

“É como se tivéssemos colocado em foco uma imagem borrada”, disse Chen. “Quando falamos em risco para a Amazônia, falamos como se fosse tudo uma só coisa. Esta pesquisa mostra que a Amazônia é um mosaico rico em que algumas partes são mais vulneráveis ​​à mudança do que outras, e explica por quê. Esta é a chave para compreender o sistema e, em última análise, protegê-lo.”

Construindo o Mosaico

A equipe de pesquisa usou dados de satélite de sensoriamento remoto – que transmitiram a saúde do dossel florestal medindo o verde e a atividade fotossintética – para rastrear como as variações em fatores não climáticos, incluindo a profundidade do lençol freático, a fertilidade do solo e a altura geral da floresta, afetam a resiliência da floresta diante da seca. .

Para as árvores com acesso a lençóis freáticos rasos nos solos férteis do sul da Amazônia, as secas resultam em maior crescimento e copas mais saudáveis ​​por alguns motivos.

Primeiro, durante condições típicas, as suas raízes ficam submersas em água, o que limita o acesso ao oxigénio. Durante a seca, a água recua um pouco, mas não vai embora, expondo mais raízes e permitindo um aumento na absorção de oxigênio. Ao mesmo tempo, as árvores obtêm um impulso fotossintético com a luz solar adicional.

Vulnerabilidade das árvores que dependem da água da chuva

As árvores da mesma região que crescem sobre lençóis freáticos mais profundos, por outro lado, passaram a depender da água da chuva. Eles são mais vulneráveis ​​à seca.

As árvores de crescimento lento no norte da Amazónia – com as suas copas altas, raízes profundas e solo relativamente infértil – adaptaram-se às condições adversas, disse Chen, tornando-as resistentes face à seca.

Árvores altas e raízes profundas do Escudo das Guianas

O Escudo das Guianas, no norte da Amazônia, contém solos menos férteis e lençóis freáticos mais profundos do que o Escudo Brasileiro, no sul. Essas condições levaram a árvores altas de crescimento lento, com sistemas de raízes mais profundos, capazes de acessar a água, tornando-as mais resistentes diante da seca, disse Chen.

“Nossos resultados não são importantes apenas para a Amazônia, são importantes para o mundo inteiro, porque a floresta tropical possui um estoque significativo do nosso carbono. Se esse carbono for perdido – porque as árvores queimam ou são desmatadas, isso aumenta o dióxido de carbono na atmosfera, o que torna o aquecimento global ainda pior”, disse Saleska.

Além da Amazônia

A floresta amazônica também desempenha um papel de vital importância no ciclo hidrológico da Terra.

Embora o Rio Amazonas seja o maior da Terra – descarregando mais água no oceano do que os próximos sete maiores rios juntos – um “rio atmosférico” de vapor de água flui na direção oposta através do ar acima das florestas tropicais da Amazônia, transportando até o dobro água do que seu gêmeo terrestre.

A água evapora da superfície do Oceano Atlântico e o vento a transporta sobre a floresta amazônica oriental. Quando essa água cai como chuva, ela é absorvida pelas árvores, que a movem pelos caules, troncos e vinhas antes de emiti-la de volta ao ar como vapor d’água, como gêiseres em câmera lenta.

O Impacto do Desmatamento no Ciclo Hidrológico

Isto está a acontecer em grande escala, com cem mil milhões de árvores amazónicas a alimentar o rio atmosférico que transporta água de leste a oeste através da floresta tropical. As árvores na Amazônia ocidental recebem cerca de 50% de sua água das árvores contra o vento, disse Saleska.

“Se você imaginar cortar ou perder essas árvores, porque elas são vulneráveis, e você está tendo mais secas, isso não afeta apenas essas árvores, mas também as árvores a jusante do rio atmosférico”, disse o co-autor do estudo. -autor Nobre. “Você basicamente ameaça a integridade de todo o sistema.”

Esta capacidade de reciclagem de água também fornece água para a agricultura em outras partes da América do Sul, além da Amazônia, disse ele.

Saleska, que também atua no comitê diretor científico do Painel Científico para a Amazônia, uma iniciativa internacional de cientistas dedicados à Amazônia, disse que a nova pesquisa será inestimável para esse trabalho.

“Se nos preocupamos em preservar a biodiversidade, conservar ecossistemas valiosos, conservar florestas valiosas, conhecer este tipo de informação é realmente extremamente útil”, disse Saleska.

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

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