Animais

Sobrevivência do mais forte? Estudo sugere que é mais um jogo de azar

Santiago Ferreira

Num mundo onde a “sobrevivência do mais apto” é vista como a verdade absoluta, um estudo surpreendente desafia esta crença. O Dr. James Saulsbury, da Universidade do Kansas, descobriu segredos que mudam a forma como entendemos a evolução.

A pesquisa mostra uma história diferente. Não se trata apenas de adaptação, mas também de o acaso e a sorte desempenharem um grande papel em quem vive e quem morre.

Hipótese da Rainha Vermelha

Pense na famosa cena de “Através do Espelho”, de Lewis Carroll, em que Alice corre o mais rápido que pode e permanece no mesmo lugar. A hipótese da Rainha Vermelha na biologia usa essas imagens para explicar como as espécies evoluem.

Não se trata apenas de se tornar a espécie mais forte ou mais rápida, mas de ser o mais apto, acompanhando todos os outros.

A teoria sugere que os organismos não estão simplesmente competindo por recursos ou sendo mais espertos que os predadores; eles estão envolvidos em uma corrida contínua contra ameaças e desafios em constante evolução.

Cada adaptação, cada mudança de comportamento é uma tentativa desesperada de permanecer na mesma posição relativa.

Teoria neutra da biodiversidade

Em contraste, a teoria neutra da biodiversidade sugere que o “golpe de sorte” desempenha um papel muito maior do que a competição intensa ou a superioridade adaptativa.

A teoria propõe que a maioria das espécies são funcionalmente equivalentes na sua capacidade de sobreviver e reproduzir. A sua abundância e distribuição não são necessariamente determinadas por serem “melhores” ou “piores”, mas pelos caprichos de nascimentos, mortes, imigrações e extinções aleatórias.

Análise de animais antigos

A equipe do Dr. Saulsbury investigou o rico registro fóssil de criaturas marinhas microscópicas conhecidas como zooplâncton. Isso lhes permitiu rastrear a expectativa de vida das espécies ao longo de milhões de anos.

Ao analisar a idade dos fósseis no momento em que desapareceram, os investigadores puderam compará-los com outras espécies.

O objectivo do Dr. Saulsbury era ver se a extinção se assemelhava mais a uma lotaria aleatória, como previa a “teoria neutra”, ou a uma competição feroz onde apenas os mais adaptados sobreviviam, como sugere a hipótese da Rainha Vermelha.

O acaso e a luta pela sobrevivência

Surpreendentemente, os investigadores concluíram que as forças que moldam o destino das espécies podem ser uma mistura de acaso e de luta básica pela sobrevivência num mundo com recursos limitados.

No passado, as pessoas acreditavam que as espécies mais jovens tinham menos probabilidade de morrer do que as mais velhas porque tinham mais tempo para se adaptarem.

“Os cientistas continuaram a encontrar casos em que espécies jovens estão especialmente em risco de extinção. Portanto, tínhamos um vácuo teórico – um monte de observações anómalas e nenhuma forma unificada de as compreender”, explicou o Dr.

O estudo sugere que as espécies mais jovens podem, na verdade, ter maior probabilidade de serem extintas. Isso ocorre porque eles não tiveram tanto tempo para evoluir e lidar com as mudanças no ambiente. Esta descoberta apoia a ideia de que todas as espécies têm iguais hipóteses de sobrevivência, independentemente da sua idade.

Mais importante ainda, as descobertas não representam um destronamento completo da hipótese da Rainha Vermelha. Os pesquisadores ainda reconhecem a importância da adaptação contínua em alguns casos.

“A teoria da Rainha Vermelha tem sido uma ideia convincente e importante na comunidade biológica evolutiva, mas os dados do registo fóssil já não parecem apoiar essa teoria”, disse o Dr.

“Mas não creio que o nosso artigo refute realmente esta ideia porque, na verdade, a teoria da Rainha Vermelha e a teoria neutra são, no fundo, bastante semelhantes. Ambos apresentam um quadro de extinção como resultado da competição entre espécies por recursos e da constante rotatividade nas comunidades resultante de interações biológicas.”

O estudo sugere que, em vez de uma corrida linear, a vida prospera numa teia de interconectividade, impulsionada por diversas forças como cooperação, competição e adaptação.

A natureza é como uma loteria

O estudo apoia a ideia de que a natureza se parece mais com uma loteria do que com uma competição. A teoria neutra da biodiversidade, outrora considerada estranha, sugere que todos os seres vivos, desde o mais ínfimo insecto até à maior baleia, têm iguais hipóteses de desaparecer. Não se trata de quem é “melhor”, mas de sorte aleatória.

O trabalho do Dr. Saulsbury dá nova vida à ideia de que a sorte, não sendo apenas a mais forte ou a mais especializada, pode ajudar as espécies a sobreviver.

“O que torna uma espécie vulnerável à extinção? As pessoas estão interessadas em aprender com o registro fóssil se ele pode nos dizer alguma coisa para ajudar a conservar as espécies”, disse o Dr. Saulsbury.

“O lado pessimista do nosso estudo é que existem situações ecológicas em que não há muita previsibilidade no destino das espécies; há algum limite para o quanto podemos prever a extinção.”

“Até certo ponto, a extinção será decidida por forças aparentemente aleatórias – acidentes da história. Há algum apoio para isso em estudos paleobiológicos.”

Por exemplo, a extinção dos dinossauros, provavelmente devido ao impacto de um asteróide, abriu caminho para que os mamíferos ocupassem o centro das atenções. Isso não acontecia porque os mamíferos eram inerentemente “melhores”, mas porque simplesmente existiam quando os dinossauros não existiam.

Adaptabilidade e versatilidade

Outro exemplo são os animais que vivem em uma ilha isolada do continente. Menos predadores e concorrentes permitem-lhes evoluir de formas únicas. Esta “sorte” pode levar a adaptações surpreendentes, como as aves que não voam das Galápagos ou os lêmures gigantes de Madagascar. Tudo isso foi criado por eventos casuais, como erupções vulcânicas, que os separaram de seus ancestrais no continente.

Mas estar no lugar certo não é tudo. Algumas espécies possuem outra arma secreta: a adaptabilidade. Esses “generalistas” não são exigentes com o seu ambiente. Eles podem comer alimentos diferentes, viver em lugares diferentes e lidar melhor com as mudanças do que os especialistas. Pense em um guaxinim, feliz em uma lata de lixo da cidade ou em um riacho na floresta. Esta “sorte de versatilidade” ajuda-os a sobreviver à medida que o mundo à sua volta muda.

Implicações do estudo

O estudo explica que mesmo espécies fracas ou jovens podem sobreviver se tiverem recursos adequados. Isto significa proteger florestas, recifes e outras áreas naturais para que os animais tenham o espaço e os recursos de que necessitam.

As mudanças no ambiente, como as alterações climáticas e a poluição, são as que mais prejudicam as espécies jovens. Precisamos desacelerar essas mudanças para dar a todos os animais uma chance melhor. Isto significa reduzir a poluição, utilizar a energia com sabedoria e trabalhar em conjunto para proteger o planeta.

Aumentar a consciência pública e educar o público sobre as complexidades da extinção e da perda de biodiversidade também é essencial.

Utilizando o conhecimento do estudo, o público e os decisores políticos podem avaliar melhor a necessidade de estratégias de conservação abrangentes que abordem os desafios da preservação da biodiversidade.

A pesquisa está publicada na revista Anais da Academia Nacional de Ciências.

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Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago