Meio ambiente

A dengue está se espalhando com as mudanças climáticas e a urbanização

Santiago Ferreira

A doença transmitida por mosquitos está aumentando mesmo em países sem histórico de epidemias de dengue

Na foto, uma mulher desmaiou. Seus olhos estão fechados e seu corpo flácido enquanto um homem e uma mulher a seguram em pé, tentando arrastá-la por um caminho de tijolos para buscar ajuda.

Atrás do trio há uma grande tenda verde-exército, arredondada no topo, com portas e janelas fechadas com zíper. É um dos muitos que foram criados pela Força Aérea Brasileira em Ceilândia, um subúrbio da capital Brasília, para fornecer assistência médica a até 600 moradores que suspeitam ter a doença. transmitido por mosquito doença viral dengue.

A fotopublicado no jornal nacional Folha de S.Paulo no mês passado, circulou online, uma representação visual chocante de quão terrível a situação se tornou no Brasil neste ano e no ano passado, à medida que números recordes de casos e mortes de dengue assolam o país.

E não está sozinho.

Agora, locais que nunca tiveram problemas com a doença, incluindo regiões quentes e húmidas dos EUA, da Europa e do Sudão, também registam números atipicamente elevados. Outros países tropicais habituados a lidar com a dengue, como o Peru, Bangladesh, Vietname e Sri Lanka, estão a ver epidemias graves devastar as suas populações de forma semelhante ao Brasil.

Os especialistas apontam as alterações climáticas como um dos principais factores para esta maior propagação. As temperaturas mais elevadas, as chuvas mais intensas e as inundações mais extensas criaram terrenos ideais para a reprodução do Aedes aegypti mosquito, responsável por transportar e disseminar o vírus da dengue. À medida que os insectos que vivem nas cidades se tornam mais comuns, aqueles que estudam a doença e a sua transmissão alertam que é altura de as autoridades estarem vigilantes na utilização da monitorização da doença. É um esforço de prevenção que pode ajudar os sistemas de saúde a prepararem-se para suportar o peso da dengue, que se torna cada vez mais presente e mais grave a nível mundial.

Antes de 1970, só tinham ocorrido epidemias graves da doença transmitida por mosquitos em sete países. Mas de acordo com o Organização Mundial de Saúdehouve um aumento de oito vezes nos casos anuais de dengue notificados nas últimas duas décadas, com cerca de metade da população mundial em risco de infecção e 100 a 400 milhões de casos registados em todo o mundo todos os anos.

Desde 2010, cientistas no Brasil identificaram todas as quatro variações distintas do vírus da dengue, ou sorotipos, causando ainda mais preocupação. Com a presença de um sorotipo, as pessoas contraem dengue apenas uma vez e geralmente com sintomas leves – febre, erupção cutânea, dores musculares e articulares. Mas ter outros sorotipos circulando significa que é possível uma segunda infecção, que muitas vezes leva à dengue hemorrágica e a sintomas mais perigosos, como vômitos persistentes, sangramento nas gengivas e nariz, dificuldade em respirar e morte.

A dengue é uma doença viral encontrada em climas tropicais e subtropicais. Mulher infectada Aedes aegypti os mosquitos transmitem o vírus aos humanos quando nos picam em busca do sangue rico em proteínas necessário para alimentar seus ovos. (Como a dengue não é contagiosa de pessoa para pessoa, o vírus só pode se espalhar para novas regiões com a migração dos mosquitos, e não quando os humanos viajam infectados, como acontece com a Covid.) Esses mesmos mosquitos também podem transmitir febre amarela, febre do Nilo Ocidental, chikungunya. e vírus Zika.

Os mosquitos põem ovos na superfície da água estagnada, onde as larvas se desenvolvem e se transformam em pupas antes de se tornarem mosquitos adultos maduros. Aedes aegypti evoluiu para preferir sangue humano porque onde vivemos, em áreas urbanas e semiurbanas densas, existem muitas dessas áreas de reprodução – em canteiros de obras, lojas de pneus, cemitérios, piscinas abandonadas e vasos de flores. Em qualquer lugar nos esquecemos da água.

As mudanças nos nossos comportamentos, como a migração e o aumento da urbanização, têm, portanto, impacto sobre o local onde este mosquito específico reside. Em última análise, porém, as mudanças climáticas nas temperaturas globais e no clima são os factores mais importantes por detrás do alcance cada vez maior destes mosquitos, bem como da facilidade com que podem transmitir o vírus que transportam.

“Devido ao aumento das chuvas, há mais criadouros”, diz Neelika Malavige, chefe do Programa Global da Dengue e Assuntos Científicos da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi). “E em temperaturas mais altas, a taxa de picadas de mosquitos aumenta, o que, claro, leva a mais infecções por dengue.” Malavige observa ainda que as altas temperaturas aceleram o ciclo de desenvolvimento do mosquito, aumentando a incidência de fêmeas adultas em busca de sangue. Mas sem o aumento da água, as temperaturas mais altas por si só não significam “que subitamente Montana e o Reino Unido terão problemas com a dengue”, diz Janey Messina, especialista em epidemiologia espacial da Universidade de Oxford, que estudos a distribuição da dengue e seus riscos para a população.

No Paquistão, um aumento de casos de dengue em 2022 veio depois que o país viu inundações catastróficas causado por aumento da temperatura do mar e uma estação de monções sem precedentes. O Peru viu seu pior surto de sempre em 2023, após chuvas torrenciais. No Nepal, a dengue tem sido relatada com mais frequência em altitudes mais elevadas, agora que as temperaturas são altas o suficiente para os mosquitos sobreviverem lá. As transmissões de dengue costumavam estar ligadas aos padrões sazonais de monções no Sri Lanka, mas agora ocorrem durante todo o ano devido a intensificação das chuvas. Mesmo alguns países subtropicais anteriormente não afectados, como o Níger, relataram a sua primeiros casos de dengue.

Nos EUA, cerca de 1.000 unidades de controlo de mosquitos, na sua maioria geridas por governos municipais e estaduais, trabalham para controlar doenças transmitidas por mosquitos através da investigação e vigilância das populações de mosquitos. Eles rastreiam quais espécies de mosquitos existem em sua região, onde estão e sua abundância, além de atender às reclamações dos moradores e responder aos casos de doenças. No ano passado, Texas, Flórida e Califórnia registraram uma série de casos inesperados de dengue.

Na Divisão de Controle de Mosquitos do Condado de Miami-Dade, os especialistas também monitoram a resistência aos inseticidas e os padrões de atividade dos mosquitos para direcionar de forma mais eficaz o que eles pulverizam e quando. No ano passado, o município registrou 14 infecções de dengue transmitidas localmente e, até agora, neste ano, pelo menos um caso está sob investigação para determinar onde foi adquirido.

De acordo com John-Paul Mutebi, diretor da Divisão de Controle de Mosquitos do Condado de Miami-Dade e ex-entomologista pesquisador da Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, a situação no condado está sob controle. Mas isso não significa que ele e sua equipe de 50 pessoas não permaneçam vigilantes e procurem fazer tudo o que puderem para evitar uma maior propagação do vírus.

“Estamos interessados ​​na proporção de mosquitos infectados com um patógeno, porque é assim que estimamos o risco”, diz ele. “Existe um índice de taxa de infecção que informa quando as pessoas começarão a ficar doentes.”

Na França e em outros países semelhantes, essas dicas podem ser úteis. Considerada nem tropical nem subtropical, a nação europeia não teve casos de transmissão local antes de 2010. Mas em meados de outubro de 2022, 65 desses casos havia sido relatado naquele ano.

“Os sistemas de saúde precisam estar devidamente preparados para lidar com isso”, afirma André Siqueira, especialista em doenças infecciosas da Fundação Oswaldo Cruz do Brasil. “Os profissionais de saúde precisam ser treinados para identificar os sinais de alerta da dengue e os sinais de que ela está piorando.”

Os sinais, reitera ele, nem sempre são fáceis de detectar devido às semelhanças com os sintomas de outras doenças transmitidas pelos mosquitos, como a chikungunya e o zika. O tratamento precisa de ser iniciado rapidamente, especialmente para evitar a desidratação, que pode causar choque, mas não existem medicamentos antivirais disponíveis que combatam especificamente a dengue, cabendo aos profissionais de saúde tratar os sintomas dos pacientes em vez da doença viral.

Em última análise, o combate à dengue requer múltiplas estratégias, tanto cuidados pós-infecção quanto prevenção total. O Brasil começou a vacinar contra a dengue através do seu sistema público de saúde pela primeira vez em fevereiro, oferecendo Qdenga, uma vacina desenvolvida no Japão. Também está disponível através de planos privados em vários países da Europa, Reino Unido, Indonésia e Tailândia e em sistemas de saúde públicos e privados na Argentina. A vacina de duas doses mostrou 80% de eficácia um ano após os pacientes terem recebido a segunda dose. O centro de pesquisas biológicas do Instituto Butantan, localizado em São Paulo, deverá ter sua própria vacina de dose única pronta para uso no próximo ano. Nos seus ensaios clínicos mais recentes, a vacina mostrou 79,6 por cento de eficácia durante um período de dois anos.

Como muitos outros países, o Brasil também realiza nebulizações regulares contra mosquitos, pulverizando finas gotas de inseticidas de baixa concentração misturados com água para matar os insetos. As campanhas educativas também são uma parte crucial do programa de prevenção da dengue. Estas palestras em escolas, centros comunitários e outros espaços públicos centram-se na forma como a dengue é transmitida, na importância de eliminar qualquer possibilidade de água estagnada da sua casa e no que fazer se tiver sintomas.

“Você não vai encontrar (Aedes aegypti) na floresta ou na mata; eles estarão próximos dos humanos”, diz Mutebi. “Eles têm nos seguido por todo o mundo e são muito bons no que fazem, por isso levamos isso muito a sério.”

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago