Meio ambiente

Podemos produzir mais alimentos com menos terra?

Santiago Ferreira

Rattan Lal, um dos cientistas de solo mais renomados do mundo, diz que sim.

DES MOINES, Iowa – A Fundação do Prémio Mundial da Alimentação reuniu na semana passada centenas de cientistas, agricultores e inovadores da indústria agroalimentar para abordar uma questão premente: Como podemos alimentar melhor os famintos do mundo?

Rattan Lal, antigo laureado com o Prémio Mundial da Alimentação e um dos mais renomados cientistas do solo do mundo, ofereceu uma resposta inesperada: Faça-o com menos.

Os sistemas intensivos de produção alimentar têm utilizado demasiada terra, demasiada água, demasiados fertilizantes e demasiado carbono do solo, disse ele. Para inverter essa tendência, acrescentou, os objectivos da agricultura devem passar da maximização dos rendimentos para a restauração dos ecossistemas danificados e a preservação da natureza.

Lal é um ilustre professor universitário de ciências do solo na Ohio State University, onde dirige o Centro Rattan Lal de mesmo nome para Gestão e Sequestro de Carbono na Faculdade de Alimentos, Agricultura e Ciências Ambientais. Ele passou cerca de 20 anos na África e na Austrália e outros 40 em Ohio pesquisando abordagens agrícolas “centradas no solo” e regenerativas.

Em 2004, Lal foi o autor do primeiro artigo científico argumentando que a restauração da matéria orgânica no solo melhora a sua capacidade de reabsorver o excesso de emissões de dióxido de carbono, quase um quarto das quais provém da agricultura global.

Lal defende a agricultura regenerativa, um conjunto de práticas que inclui a agricultura de “plantação direta”, culturas de cobertura e rotações complexas de culturas que visam minimizar os impactos ambientais nocivos da produção de alimentos. O seu trabalho na segurança alimentar e na mitigação das alterações climáticas valeu-lhe reconhecimento, incluindo o Prémio Japão 2019, o Prémio Mundial da Alimentação 2020 e o Prémio Gulbenkian para a Humanidade 2024.

Antes de uma aparição no painel no Borlaug Dialogue do World Food Prize na semana passada, Naturlink conversou com Lal sobre a profunda pegada da agricultura e o que seria necessário para alimentar o mundo com menos. Esta entrevista foi editada para maior extensão e clareza.

ANIKA JANE BEAMER: Dra. Lal, estamos sentados em meio a uma paisagem que foi dramaticamente transformada pela produção intensiva de alimentos. Como você define agricultura “intensiva”?

RATTAN LAL: Bem, eu cresci em uma pequena fazenda, alguns hectares, em (Punjab/Haryana). Todos os anos, cultivávamos quatro culturas, pelo menos três. Cada acre de terra é irrigado, então você pode cultivar duas safras na estação seca e duas na estação chuvosa. Então, se você quer falar de intensivo, isso é intensivo. O que é diferente nesta parte do mundo é o tamanho das fazendas, especialmente em Iowa, Ohio e Indiana. Aqui, há uma abordagem mecânica em larga escala para a agricultura. O tamanho médio de uma fazenda no Centro-Oeste é de 200 acres. Conheço alguns agricultores com até 4.000 acres. Em outros países onde trabalhei (no Sul da Ásia e na África), 12 acres é uma grande fazenda.

BEAMER: Essa pegada é necessária?

LAL: Bem, a região central dos Estados Unidos tem alguns dos melhores solos do mundo. É um solo muito escuro, com alto teor de matéria orgânica. Esta região é muito fértil e muito plana. Mas, em todo o mundo, deveríamos incentivar os agricultores a retirarem terras de uso. Gosto de dizer: “Use o melhor e guarde o resto”. Globalmente, não há razão para derrubar a floresta amazônica. Não há razão para cortar savanas e pradarias. Temos bastante terreno.

BEAMER: Que tal atender ao crescimento populacional? É possível alimentar o mundo e ao mesmo tempo reduzir a agricultura?

Rattan Lal, ex-ganhador do Prêmio Mundial da Alimentação e um dos cientistas de solo mais renomados do mundo. Crédito: Cortesia de Rattan Lal
Rattan Lal, um dos cientistas de solo mais renomados do mundo. Crédito: Cortesia de Rattan Lal

LAL: Estou muito feliz que você tenha feito essa pergunta. Você ficaria surpreso com minha resposta. Já estamos produzindo alimentos mais do que suficientes. Estamos produzindo 3,2 bilhões de toneladas de grãos. Mas, infelizmente, 1,2 mil milhões de toneladas de grãos, 1,2 mil milhões de toneladas de 3,2, não chegam a nenhum estômago, humano ou animal. Eles são desperdiçados. Deveríamos proteger o que produzimos em vez de produzir mais.

Depois, há a questão do meio ambiente. Temos agora 12,5 mil milhões de acres de terra utilizados globalmente para a agricultura. Nós não precisamos disso. Usamos 3.200 quilômetros cúbicos de água para irrigação todos os anos. Usamos 200 milhões de toneladas de fertilizantes. É ridículo. Devemos aprender a produzir mais com menos. Menos terra, menos água, menos fertilizantes, menos pesticidas, menos herbicidas.

BEAMER: Como incentivamos essa mudança?

LAL: Espero que, pouco depois de 2050, os governos tenham uma política para pagar aos agricultores, devolvendo as terras à natureza. Não através de subsídios, mas pagando aos agricultores pelos serviços ecossistémicos. Se pouparmos água, se conservarmos carbono, se evitarmos a perda de biodiversidade, o governo deveria pagar-nos, mesmo que obtenhamos rendimentos mais baixos.

O pagamento não seria caridade, não é esmola, não é doação. É um serviço prestado pelo agricultor. E o governo assume a responsabilidade. Recomendo um pagamento de 50 dólares por tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente (sequestrado).

BEAMER: Gostaria de perguntar mais sobre fertilizantes, já que a fertilização excessiva é um grande problema para a qualidade da água aqui em Iowa.

“Nos EUA, 60% dos fertilizantes são desperdiçados. E por desperdício quero dizer que vazam para as águas subterrâneas ou são volatilizados na atmosfera.”

LAL: É um problema terrível.

BEAMER: Como podemos reduzir a nossa dependência, ou a nossa aparente dependência, dos fertilizantes?

LAL: Bem, o problema é que a eficiência do uso de fertilizantes, especialmente nitrogênio, é de 40% nos Estados Unidos. Noutros locais, como na China e na Índia, é de 25 por cento.

Assim, nos EUA, 60% dos fertilizantes são desperdiçados. E por desperdiçado, quero dizer que vazou para as águas subterrâneas ou foi volatilizado na atmosfera.

É a eficiência que é o problema. Acho que fertilizantes são necessários, definitivamente necessários. Aspirina é necessária, sabia? Eu tomo aspirina. Mas uma aspirina cura sua dor de cabeça. Cem aspirinas… você sabe o que isso faz? Não devemos usar fertilizantes como veneno. Deveríamos usar fertilizante como remédio. E a diferença entre o veneno e o remédio é a dose.

BEAMER: Mas se fertilizante extra significa um rendimento ligeiramente maior, por que um agricultor não usaria uma dose maior?

LAL: É aí que entra o pagamento pelos serviços ecossistêmicos, certo? Você diz aos agricultores: “Vocês não usarão mais (fertilizante) do que isso. Se houver uma perda de rendimento, o problema é nosso.”

Os agricultores devem ser pagos por produzirem menos e com melhor qualidade. Mais teor de proteínas, mais micronutrientes, ferro, zinco, molibdênio, ferro. E essa maior qualidade decorre de um solo mais saudável.

BEAMER: Existem outras ligações entre a saúde do solo e a saúde ambiental que você acha que merecem uma análise mais aprofundada?

LAL: Bem, 600 gigatoneladas de carbono equivalente vieram da terra desde o início da agricultura, desde que começámos a cortar a floresta e desde que começámos a drenar as zonas húmidas. De 1750 até hoje, as emissões totais provenientes de combustíveis fósseis ainda são de apenas cerca de 500 gigatoneladas.

Mas o que tiramos da terra você pode devolver. Podemos sequestrar mais carbono com melhores práticas agrícolas, com agricultura regenerativa. Isso significa produzir um rendimento aceitável e ao mesmo tempo restaurar o meio ambiente, sem danificar ainda mais o meio ambiente.

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Sobre
Santiago Ferreira

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

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