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Ouvir os golfinhos do rio Amazonas pode nos ajudar a salvá-los

Santiago Ferreira

Duas espécies ameaçadas de golfinhos de água doce lutam silenciosamente pela sua sobrevivência nas partes remotas e muitas vezes inacessíveis da Bacia Amazónica. Em um novo estudo publicado na revista Relatórios Científicospesquisadores têm investigado o comportamento e o movimento dos botos do rio Amazonas por meio de monitoramento acústico passivo.

O boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e o tucuxi (Sotalia fluviatilis) são vítimas de atividades humanas cada vez mais hostis. Estas espécies, que já lutam contra números cada vez menores, estão ameaçadas por conflitos com os pescadores, bem como pela pressão cada vez maior da agricultura, mineração e construção de barragens.

Foco do estudo

Durante a estação chuvosa, de abril a agosto, os tucuxi e os botos cor-de-rosa aventuram-se nas florestas sazonais de várzea (várzea) em busca de alimento, principalmente peixes de água doce.

No entanto, a densa vegetação e as planícies aluviais representam desafios significativos para os investigadores que tentam pesquisar estes golfinhos utilizando métodos tradicionais como barcos ou drones.

Como o estudo foi conduzido

Os pesquisadores, liderados por Florence Erbs e Michel André, desenvolveram uma abordagem inovadora. A equipe implantou uma rede de cinco hidrofones, cada um submerso a profundidades entre três e cinco metros, cobrindo uma área de 800 quilômetros quadrados dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Brasil. Esta área marca a convergência dos rios Solimões e Japurá.

A equipe capturou dados sonoros em diversos habitats – canais de rios e baías de confluência, lagos de várzea e florestas inundadas. Esta recolha de dados foi realizada em intervalos diferentes durante as estações chuvosa e seca, que vão de Junho de 2019 a Setembro de 2020.

Os especialistas utilizaram algoritmos sofisticados de aprendizado profundo, conhecidos como Rede Neural Convolucional (CNN), para classificar os sons detectados. Os algoritmos, treinados em dados sonoros coletados manualmente em pesquisas de barcos, foram capazes de distinguir entre cliques de ecolocalização de golfinhos, ruídos de motores de barcos e o som da chuva, com taxas de precisão notáveis ​​de 95, 92 e 98 por cento, respectivamente.

O que os pesquisadores aprenderam

No decurso da sua investigação, a equipa descobriu um padrão fascinante: a presença de golfinhos nas áreas pesquisadas aumentou significativamente, de 10 por cento do dia para 70 por cento, à medida que os níveis da água subiam entre Novembro e Janeiro. Isto sugere que os golfinhos usavam estes cursos de água para se aventurarem na planície aluvial.

Observou-se ainda que os adolescentes boto e as fêmeas com filhotes tendem a passar mais tempo nas várzeas do que os machos, possivelmente devido à abundância de presas ou como abrigo contra o comportamento agressivo dos machos.

Implicações da pesquisa

Os pesquisadores estão defendendo uma adoção mais ampla desta metodologia, enfatizando seu potencial para melhorar significativamente a nossa compreensão das preferências e necessidades de habitat dos golfinhos do rio Amazonas.

“Este estudo demonstra a adequação do uso da classificação baseada em CNN para detectar automaticamente cliques de ecolocalização de golfinhos de rio na complexa paisagem sonora de habitats de água doce”, escreveram os autores do estudo.

“A eficiência e rapidez do método CNN permitem-nos analisar a totalidade dos dados recolhidos sem necessidade de subamostrar como normalmente se faz para análise manual, tornando possível detectar grandes movimentos de golfinhos na área de estudo, e passagens raras em habitats específicos ou estações.”

Estratégias de conservação

Os investigadores afirmaram que a monitorização acústica passiva nas florestas de várzea pode ajudar os especialistas a compreender as preferências e necessidades de habitat dos golfinhos de rio, especialmente as fêmeas e crias de boto.

Os especialistas também observaram que a previsão da resposta dos golfinhos à perda e degradação do habitat contribuirá para as estratégias de gestão da zona de transição aquático-terrestre, que é crítica para a manutenção da conectividade do habitat.

“Outra área de aplicação é o desenvolvimento e implementação de protocolos padronizados para monitorar as mudanças de distribuição em relação à recente amplificação dos eventos de seca e inundação na bacia amazônica”, escreveram os pesquisadores. “Como espécies sentinela dos sistemas aquáticos que habitam, os botos podem constituir um sistema de detecção precoce do desequilíbrio dos ecossistemas.”

Mais sobre os golfinhos do rio Amazonas

Os botos do rio Amazonas, também conhecidos como botos ou botos cor-de-rosa (Inia geoffrensis), são uma das poucas espécies de golfinhos de água doce do mundo. Como o próprio nome sugere, eles habitam o rio Amazonas e seus afluentes em vários países sul-americanos. Aqui estão mais algumas informações:

Características físicas

Os Botos são os maiores golfinhos de água doce, com os machos atingindo até 2,5 metros de comprimento. Eles são conhecidos por sua cor rosa distinta, que pode variar de um cinza fosco a um rosa vibrante, dependendo da idade, dieta e exposição à luz solar.

Comportamento e dieta

Estes golfinhos são geralmente solitários ou vivem em pequenos grupos. Eles são conhecidos por sua agilidade excepcional, o que lhes permite navegar pelo complexo sistema fluvial e pelas florestas inundadas da Amazônia. Os botos possuem uma dieta diversificada, consumindo mais de 40 espécies de peixes e, ocasionalmente, crustáceos.

Reprodução

Os golfinhos Boto têm um longo período de gestação de 11 a 15 meses e, normalmente, nasce apenas um filhote por vez. O jovem golfinho fica com a mãe por um longo período, aprendendo as habilidades necessárias para a sobrevivência.

Tucuxi

O tucuxi (Sotalia fluviatilis), outra espécie que habita a bacia amazônica, é menor e de cor cinza. Embora partilhem as mesmas ameaças que o boto, também enfrentam desafios adicionais decorrentes da caça para isco e do consumo humano.

Estão em curso esforços para compreender e conservar estas espécies únicas, e a utilização de tecnologias como a monitorização de hidrofones e a aprendizagem automática oferece novas formas promissoras de ajudar na sua conservação.

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

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