Meio ambiente

Cientistas descobriram uma antiga ilha paradisíaca subaquática no Oceano Atlântico Sul

Santiago Ferreira

As amostras foram coletadas durante expedições realizadas em 2018 por pesquisadores afiliados à Universidade de São Paulo (Brasil) e à Universidade de Southampton (Reino Unido). Esta rocha cinza escura é um depósito de basalto vulcânico. Crédito: IO-USP

Esta secção do fundo marinho do Atlântico Sul alberga cobalto, níquel e lítio em abundância, juntamente com telúrio e vários elementos de terras raras cruciais para a transição energética. Os pesquisadores pretendem investigar mais detalhadamente seus processos naturais.

Pesquisa realizada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) no Brasil revelou que a Elevação do Rio Grande (RGR), um planalto basáltico submerso e uma série de montes submarinos no Oceano Atlântico Sul, a aproximadamente 1.200 km de distância da costa brasileira, foi outrora uma ilha tropical gigante. Esta ilha, repleta de minerais e vegetação exuberante, remonta a formações sedimentares entre 45 milhões e 40 milhões de anos atrás.

Artigo que descreve os resultados do estudo, que envolveu quase dez anos de pesquisa, é publicado na revista Relatórios Científicos com novas informações sobre a geologia da RGR, que tem aproximadamente a mesma área que Espanha.

Os pesquisadores analisaram amostras de sedimentos do fundo do mar dragados a uma profundidade de cerca de 650 m na região oeste da RGR e caracterizaram suas propriedades mineralógicas, geoquímicas e magnéticas. As amostras continham principalmente argila vermelha com diversos minerais típicos de alterações de rochas vulcânicas tropicais, como caulinita, magnetita, magnetita oxidada, hematita e goethita.

Em 2018, o grupo postulou que a RGR já foi uma ilha, com base em descobertas feitas por expedições científicas à região, onde coletaram a amostra descrita no artigo. Eles viajaram no Royal Research Ship (RRS) Descobertaoperado pelo Centro Nacional de Oceanografia (NOC) do Reino Unido, e pelo Alfa Crucis, navio de pesquisas oceanográficas da USP. As expedições fizeram parte de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP. Os pesquisadores eram do Instituto Oceanográfico (IO) da USP e da Universidade de Southampton, no Reino Unido.

“Nossas pesquisas e análises nos permitiram determinar que se tratava mesmo de uma ilha, e o que está em discussão agora é se a área pode ser incluída na plataforma continental legalmente reconhecida do Brasil. Geologicamente falando, descobrimos que a argila se formou após a última atividade vulcânica ocorrida há 45 milhões de anos. A formação, portanto, data entre 30 milhões e 40 milhões de anos atrás. E deve ter se formado em função dessas condições tropicais”, disse Luigi Jovane, último autor do artigo e professor do IO-USP, à Agência FAPESP.

Para Jovane, pesquisador principal de um projeto financiado pela FAPESP, a participação de uma equipe multidisciplinar na pesquisa contribuiu para os resultados. “Temos um grupo da mais alta qualidade que inclui especialistas em geologia, geoquímica, biologia, hidrodinâmica, avaliação de impacto ambiental, novas energias, psicologia e direito. Toda essa ciência acumulada pode ser utilizada para aprofundar o conhecimento da RGR e prospectar a região sem afetar as sinergias do sistema local. Para saber se os recursos podem ser extraídos de forma viável do fundo do mar, precisamos de analisar a sustentabilidade e os impactos desta extracção. Os serviços ecossistêmicos prestados pelo oceano não foram estudados detalhadamente, por exemplo. Quando se interfere numa área, é preciso saber como isso afetará os animais, fungos e corais, e compreender o impacto que terá nos processos cumulativos envolvidos”, disse Jovane.

Priyeshu Srivastava, primeiro autor do artigo e atualmente professor da Universidade de Mumbai, na Índia, também contou com apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/11364-0 e 22/02479-0).

Somente em 2023, Jovane liderou a produção de outros quatro artigos com resultados de estudos envolvendo amostras de rochas vulcânicas e crosta de ferromanganês da RGR. Os artigos são publicados em Fronteiras na Ciência Marinha, Jornal de pesquisa e tecnologia de materiais, Geoquímica e Geologia Marinha).

Descobertas do fundo do mar

Os cientistas se concentraram na porção oeste da RGR, que reconstruíram por meio de mapeamento batimétrico de alta resolução que mostrou planaltos cobertos de sedimentos e separados por uma fenda com profundidade de mais de 600 m. Eles usaram um veículo subaquático autônomo (AUV) e um veículo operado remotamente (ROV) do Descoberta para produzir mapas, vídeos e pesquisas de sonar.

O AUV é capaz de mergulhar até o fundo do mar e percorrer uma área pré-estabelecida por no máximo 12 horas. O ROV é conectado ao navio por um cabo enquanto ele se move enquanto produz imagens de alta resolução e coleta amostras de rochas e organismos com um braço robótico. “Ninguém no Brasil tem AUVs ou ROVs, então a parceria com nossos colegas britânicos do NOC foi fundamental, mas a pesquisa é 100% brasileira”, disse Jovane.

A existência de solo tropical entre os fluxos de lava vulcânica detectados pelos investigadores mostra que as rochas devem ter sido expostas ao intemperismo ao ar livre num clima quente e húmido numa região com vulcões activos há menos de 40 milhões de anos. O solo é semelhante à “terra vermelha” (terra roxa) encontrada em vários pontos do estado de São Paulo, segundo Jovane.

A medida de intemperismo das rochas mais utilizada, conhecida como índice químico de alteração (CIA), foi 93 para a argila vermelha. A maioria das rochas alcalinas tem um CIA inferior a 50. Este alto valor aponta para a sua origem no desgaste extremo de fluxos de lava e rochas vulcânicas durante o Eoceno (a segunda época do Período Paleógeno) entre 56 milhões e 34 milhões de anos atrás, quando as altas temperaturas favoreceram o desenvolvimento das florestas tropicais, antes das mudanças climáticas repentinas que ocorreram quando a Austrália se separou rapidamente da Antártida. A erosão ao ar livre foi seguida por subsidência térmica e submersão durante o final do Eoceno e início do Oligoceno, entre 35 milhões e 25 milhões de anos atrás.

A RGR tem sido intensamente estudada nos últimos anos devido ao seu potencial econômico. Está em águas internacionais e, portanto, é governado pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA). Em dezembro de 2018, o governo brasileiro solicitou a extensão de sua plataforma continental para incluir a RGR, que está muito além do limite de 200 milhas náuticas estabelecido para todas as nações pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).

Áreas ricas em cobalto, níquel e lítio, bem como telúrio e outras terras raras críticas para a transição dos combustíveis fósseis, um dos principais motores do aquecimento global, para as energias renováveis, foram detectadas na RGR.

“É importante compreender os serviços ecossistémicos e outros processos naturais em funcionamento na RGR”, disse Jovane. “Só este conhecimento pode permitir-nos realizar avaliações de impacto ambiental e calcular as medidas de mitigação e compensações necessárias para protegê-lo se o desenvolvimento económico for permitido.”

O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

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