Animais

Babuínos mumificados no Egito: de onde vieram e como chegaram lá?

Santiago Ferreira

No panteão dos antigos deuses egípcios, Thoth, a divindade da sabedoria e do aprendizado, mantinha uma conexão única com o reino animal. A sua associação com o babuíno hamadryas não só sublinha a complexidade religiosa da época, mas também apresenta um enigma que há muito deixa perplexos historiadores e biólogos: a viagem dos babuínos ao Egito.

Pesquisadores recentemente desvendaram esse mistério, situado na interseção da biologia, da antropologia e da egiptologia. As descobertas lançam luz sobre a globalização inicial, as interações entre humanos e animais selvagens e o significado cultural destes animais sagrados.

Babuínos sagrados do Egito e Thoth

Os registros históricos documentam bem a veneração dos animais pelos antigos egípcios. Várias divindades retratam criaturas que eram, em muitos casos, estranhas ao Vale do Nilo. Thoth, reverenciado por seu conhecimento, muitas vezes aparecia na forma de um babuíno hamadryas, uma espécie não nativa do Egito.

Os antigos egípcios importavam, mumificavam e ofereciam esses babuínos como símbolos votivos. Eles serviram como um elo tangível entre a população e seus deuses. No entanto, as origens destes animais sagrados, como foram transportados para o Egito e as razões do seu estatuto divino têm sido temas de debate académico durante anos.

Rastreando as origens

A intrigante pesquisa da bióloga Gisela Kopp abordou essas questões enigmáticas. O estudo é emblemático da colaboração interdisciplinar. Reuniu biólogos, antropólogos e egiptólogos num esforço colectivo para traçar as origens geográficas dos babuínos mumificados encontrados no Egipto.

Empregando técnicas avançadas de análise genética, Kopp e sua equipe examinaram os genomas mitocondriais das múmias de babuínos. Ela os comparou com amostras contemporâneas de várias regiões da África. Esta extensa comparação, facilitada pela consistente variação genética entre as populações de babuínos ao longo do tempo, permitiu aos investigadores identificar o habitat original dos babuínos.

Desvendando rotas comerciais históricas

O antropólogo Nathaniel Dominy contribuiu com pesquisas anteriores usando isótopos estáveis ​​para traçar a geografia dos babuínos. Os insights combinados da análise genética e das assinaturas químicas levaram a equipe a uma descoberta surpreendente. Os babuínos eram nativos do Chifre da África, especificamente uma região da atual Eritreia.

Esta descoberta ressoa com relatos históricos do antigo porto de Adulis. Este destino popular ganhou reputação graças ao comércio florescente de bens de luxo e animais raros, incluindo babuínos. A revelação ganha significado tendo como pano de fundo Punt, uma terra lendária referenciada em textos egípcios antigos como fonte de mercadorias preciosas.

A localização precisa de Punt escapou aos historiadores. No entanto, a sua importância como possível eixo central nas primeiras redes de comércio marítimo global é incontestável.

A pesquisa de Gisela Kopp sugere de forma intrigante que Punt e Adulis poderiam representar a mesma localização geográfica. Era simplesmente conhecido por nomes diferentes ao longo das épocas. A convergência dos dados biológicos com a análise histórica forneceu a chave para ligar estes dois locais.

Babuínos, Egito e contexto cultural

A representação de babuínos na tradição egípcia, exclusiva da região, levanta questões culturais convincentes. Eles são considerados pragas nas sociedades onde ocorrem naturalmente devido ao seu comportamento prejudicial às colheitas. No antigo Egito, porém, esses animais eram reverenciados e simbolicamente ligados ao divino.

As razões por trás desta dicotomia cultural permanecem especulativas. No entanto, a prática de mumificação em massa de babuínos destaca a interação sofisticada entre os humanos e a vida selvagem durante esse período. Também aponta para uma coexistência complexa que se estendeu para além da domesticação.

O DNA antigo oferece novos caminhos

Notavelmente, a pesquisa de Kopp marca um empreendimento pioneiro no campo da biologia. Representa a primeira análise bem-sucedida de DNA antigo extraído de primatas não humanos mumificados. Esta conquista abre caminho para novos estudos sobre a dinâmica histórica do envolvimento humano-vida selvagem, da diversidade genética e dos padrões de transmissão de doenças.

As interações dos antigos egípcios com animais raros, evidenciadas através da mumificação, sublinham as intrincadas relações que os humanos partilharam com a natureza. Estas práticas, extraordinárias para a sua época, abrem uma janela para a compreensão dos aspectos ambientais, sociais e possivelmente até epidemiológicos da história humana.

Em resumo, a jornada dos babuínos no antigo Egito, de divindades sagradas a um enigma científico, atravessa várias facetas do conhecimento humano. À medida que desvendamos esses mistérios, ganhamos mais do que apenas uma visão histórica. Também revelamos camadas da nossa relação com a natureza, o comércio, a cultura e a tecnologia.

O estudo de Gisela Kopp constitui, portanto, um testemunho do poder da investigação interdisciplinar na reescrita da história, oferecendo novas perspectivas sobre o nosso passado partilhado e inspirando uma exploração mais profunda dos anais da civilização humana.

O estudo completo foi publicado na revista e-Vida.

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Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago