Meio ambiente

Abundam as preocupações com a infraestrutura e a falta de representação indígena na COP30

Santiago Ferreira

A próxima Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas seguir-se-á às negociações estagnadas deste ano sobre o financiamento da adaptação global

Quando Belém do Brasil foi declarada sede da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) de 2025, pareceu uma escolha natural. O país sul-americano abriga quase 60% da floresta amazônica do continente—um sumidouro de carbono que desempenha um papel fundamental na remoção de dióxido de carbono da atmosfera e lar de 10% de todas as espécies de vida selvagem registradas na Terra—e Belém está no centro disso. A cidade de 1,3 milhões de habitantes servirá de janela para algumas das questões da agenda da conferência sobre o clima que também afectam diariamente os residentes florestais: preservação das florestas e da biodiversidade, adaptação às alterações climáticas, justiça climática, financiamento para países em desenvolvimento, redução dos gases com efeito de estufa. e a utilização de energias renováveis.

Mas se está à altura da tarefa é discutível.

O Brasil já sediou uma conferência da ONU com foco no meio ambiente. A Cimeira da Terra de 1992, onde foi estabelecida a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), teve lugar no Rio de Janeiro. Um marco importante nos debates climáticos mundiais, a UNFCCC levou mais tarde a dois tratados cruciais: o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.

As expectativas de um sucesso dessa magnitude em Belém são baixas após a negociações estagnadas na COP29assim como a esperança de que a cidade amazônica esteja preparada para receber um número tão grande de visitantes em apenas um ano.

Espera-se que cerca de 60 mil a 75 mil pessoas participem da COP30, e o governo federal anunciado um investimento de US$ 4,7 bilhões de reais (US$ 815 milhões) em transporte, hospedagem e locais no início deste mês, com a promessa de que Belém será capaz de “se transformar” para ser anfitriã. “Não há dúvida de que isso vai acontecer”, disse Wendell Andrade, especialista em políticas públicas do Instituto Talanoa, um think tank brasileiro independente dedicado à política climática. “Mas as condições que as pessoas verão durante essas duas semanas não serão as mesmas que seriam em uma cidade europeia, ou mesmo em São Paulo.”

Embora a capacidade hoteleira, a infraestrutura aeroportuária, a mobilidade urbana e a segurança dos chefes de estado façam parte de uma longa lista de preocupações relacionadas à preparação de Belém para a COP30, especialistas dizem que a falta de fornecimento de necessidades básicas para os moradores da capital do Pará e de outras cidades no estado do Norte é uma questão muito mais premente.

Belém ainda está entre as 10 melhores cidades do país com o piores índices de saneamento básicocarente de água potável, coleta e tratamento de esgoto, drenagem e manejo de águas pluviais, além de limpeza urbana, coleta e descarte de lixo. De acordo com o sem fins lucrativos Instituto Trata Brasilno Pará 91 por cento da população não tem coleta adequada de esgoto no local onde moram e apenas 2,38% do que é coletado é tratado. A cidade tem o terceiro maior taxa de abandono escolar de qualquer capital do Brasil e apesar da localização de Belém na Amazônia, Instituto Brasileiro de Estatística IBGE observa que possui uma das taxas mais baixas de árvores plantadas ao longo de vias públicas, conhecida como arborização.

“Infelizmente, a população local está, como sempre, ficando de fora”, diz Andrade.

Assim é o legado do Pará. O governo está ansioso para destacar a importância da rica biodiversidade e do lugar do estado na economia do Brasil – lidera a produção agrícola no norte do país e é o maior do Brasil maior produtor de açaí, cacau, abacaxi e mandioca. Mas sua história com as indústrias extrativas (foi sede de Serra Pelada, o a maior mina a céu aberto do mundode 1980 a 1992, e ainda é um dos estados mais devastados pela mineração ilegalcom quase 370.000 acres) e a longa história de ser o estado amazônico com o maior taxa de desmatamento estão sendo varridos para debaixo do tapete.

“O Pará tem um dos maiores índices de destruição ambiental, bem como um dos maiores índices de mortalidade de ambientalistas que tentam proteger as florestas”, disse Beto Marubo, líder indígena e membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, citando como exemplo a irmã Dorothy Stang. A freira americana foi morta no estado amazônico em 2005, após ameaças de morte de madeireiros e proprietários de terras que se opunham aos seus esforços declarados para proteger a floresta tropical e aqueles que nela vivem.

“Ainda mais importante do que os legados físicos e económicos (da COP) é ​​o legado do conceito de alterações climáticas e como devemos adaptar as nossas cidades a estas mudanças que não podemos mais evitar.”

Ativistas indígenas que se manifestam contra o desmatamento e atividades ilegais na Amazônia também estão sob constante ameaça, e muitos enfrentam o mesmo destino de Stang, incluindo Tymbektodem Araraque foi encontrado morto no ano passado, apenas duas semanas depois de dar o alarme sobre invasões ilegais à Terra Indígena Cachoeira Seca, no sul do Pará. Os especialistas consideraram o lugar dos povos indígenas na COP30 essencial, mas apesar resseguro da Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, que a conferência permitirá que os povos indígenas “estejam nas salas de negociação”, a fim de permitir que “líderes ajudem e subsidiem”. Causas indígenas, ativistas ambientais e os próprios povos indígenas têm dúvidas sobre a qualidade do participação que será permitida.

“É a diferença entre necessário e suficiente”, disse Andrade, lembrando que os organizadores da COP30 convidaram indígenas, ribeirinhos e quilombolas para discussões sobre os preparativos para o evento, mas não da forma que ele considera legítima. “Convocar um ou dois povos indígenas para participarem de quatro, cinco, seis reuniões não significa que você pode dizer ao mundo que as muitas e variadas populações indígenas estão sendo ouvidas.”

Ser ouvido não é algo que Marubo espera que aconteça na conferência.

“Temos consciência de que as decisões reais não dependerão do que dizemos ou do que protestamos. Isso caberá aos chefes de estado e aos representantes de cada país”, disse ele. “Mas esperamos que as discussões sejam, no mínimo, eficientes e transparentes”.

O foco do governo em deixar legados económicos à região, como os projectos de infra-estruturas anunciados, também deixou Andrade preocupado com o facto de o objectivo da conferência sobre o clima estar a ser ignorado.

“Ainda mais importante do que os legados físicos e económicos é o legado do conceito de alterações climáticas e como devemos adaptar as nossas cidades a estas mudanças que não podemos mais evitar”, disse ele. “É um tema central que deveria ser discutido em cidades de toda a Amazônia. E agora, este é o momento perfeito para destacar estas questões, para ensinar as crianças, para tomar melhores decisões em políticas públicas, para comunicar com a população e para educar os cidadãos em geral. Mas nada disso está acontecendo.”

O progresso na adaptação às alterações climáticas e a necessidade de financiamento para a adaptação também não são o foco principal da COP29o antecessor do próximo evento do Brasil. Os países em desenvolvimento e desenvolvidos ficaram em conflito na mesa de negociações e questões fundamentais – quanto financiamento é necessário, quem deverá pagar e de onde virá esse financiamento – ficaram sem resposta, outro ponto a ser abordado na COP30.

Os avanços para cumprir a promessa de quase 200 países na COP28 de abandonarem os combustíveis fósseis também não aconteceram, com a queima de carvão, petróleo e gás a atingir um máximo histórico este ano. O Brasil prometeu não “fugir” do assunto na COP30, apesar de ser o maior produtor de petróleo da América Latina, mas os ativistas climáticos denunciaram o blefe do país, dizendo que não fez o suficiente.

Olhando para a COP30, uma década após a conferência que uniu o mundo sob o Acordo de Paris, existe a preocupação de que o pouco que foi ganho com o acordo seja retrocedido. Os EUA são o segundo maior emissor de carbono do mundo, depois da China, mas o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, chamou o aquecimento global de “farsa”. Suas promessas de campanha incluem revogando as principais políticas climáticas passou durante a presidência de Joe Biden e voltando ao mesmo caminho que o levou a retirar o país poderoso do acordo climático internacional durante o seu primeiro mandato como chefe de estado.

“Na COP30 teremos um debate intenso sobre a implementação das metas climáticas que estamos apresentando agora”, disse Andrade. “Mas qualquer negociação em que os EUA… não estejam à mesa é uma negociação fadada a ser pouco ambiciosa.”

Santiago Ferreira é o diretor do portal Naturlink e um ardente defensor do ambiente e da conservação da natureza. Com formação académica na área das Ciências Ambientais, Santiago tem dedicado a maior parte da sua carreira profissional à pesquisa e educação ambiental. O seu profundo conhecimento e paixão pelo ambiente levaram-no a assumir a liderança do Naturlink, onde tem sido fundamental na direção da equipa de especialistas, na seleção do conteúdo apresentado e na construção de pontes entre a comunidade online e o mundo natural.

Santiago