Cientistas capturaram imagens de drones sobre comportamentos nunca antes vistos ao longo da costa do país sul-americano, ameaçado tanto pelas mudanças climáticas quanto pela poluição.
Em seis anos estudando orcas na costa do Chile, a bióloga marinha Ana García-Cegarra nunca tinha testemunhado nada parecido com o que viu em maio de 2023. Nas vastas águas do Pacífico perto de Antofagasta, uma baleia assassina lançou um pequeno golfinho escuro no ar antes de devorá-lo. Momentos depois, mais quatro orcas chegaram para participar da festa.
“Tal coisa nunca foi registrada em águas chilenas”, diz García-Cegarra.
García-Cegarra, pesquisador da Universidade de Antofagasta, vinha rastreando esse grupo, liderado por uma matriarca chamada Dakota, e mais quatro orcas. Até aquele momento, a sua equipa acreditava que esta família se alimentava exclusivamente de leões marinhos. O avistamento, relatado pelos autores na semana passada na Frontiers in Marine Science, remodelou a sua compreensão do comportamento do grupo.
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Agora, os cientistas acreditam que a descoberta oferece informações cruciais numa região fortemente afetada pelo aquecimento global e pela poluição.
As orcas são criaturas esquivas, conhecidas pela sua velocidade e raras aparições na superfície, o que as torna difíceis de rastrear. A equipe de García-Cegarra não monitorou sozinha a cápsula de Dakota. Desde 2018, colaboram com operadores turísticos e pescadores locais numa iniciativa de ciência cidadã. Ao longo dos anos, estes parceiros enviaram fotos e vídeos, ajudando os investigadores a documentar dois grupos de cinco orcas, a sua distribuição e padrões de alimentação.
A equipe já havia observado as orcas perseguindo golfinhos escuros, que são abundantes na área, mas nunca tinha testemunhado o comportamento predatório que capturaram através de imagens de drones.
As orcas habitam oceanos em todo o mundo e, embora exista apenas uma espécie, estão divididas em múltiplos ecótipos – grupos distintos caracterizados por características físicas e comportamentos partilhados, incluindo estratégias de caça e preferências de presas, explicou García-Cegarra. Existem cinco ecótipos no Hemisfério Norte e outros cinco no Hemisfério Sul. As orcas da Corrente de Humboldt, que vai da Antártida à América do Sul, ainda não foram classificadas num ecótipo, e os seus comportamentos documentados de caça aos golfinhos oferecem pistas não só sobre o seu agrupamento, mas também sobre as águas em que nadam.
“É uma descoberta fascinante”, disse Josh McInnes, biólogo marinho da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, que estudou orcas ao longo da costa da Califórnia e não fez parte do novo artigo. “Quanto mais sabemos sobre o comportamento deles e o que comem é importante porque eles estão em um lugar onde muitas coisas estão mudando.”
A Corrente de Humboldt, também chamada de Corrente do Pacífico Sul, é uma corrente oceânica fria que segue em direção ao norte ao longo da acidentada costa oeste da América do Sul. Suas águas geladas moldam o clima da região e sustentam um dos ecossistemas marinhos mais ricos da Terra.
O aumento da temperatura dos oceanos está a remodelar a distribuição e o comportamento das espécies, fazendo com que peixes importantes, como as anchovas e as sardinhas, migrem para águas mais frias. Esta mudança perturba as cadeias alimentares que sustentam os principais predadores, como as orcas, disse McInnes. Além disso, as águas mais quentes estão a alimentar a proliferação mais frequente de algas nocivas, que esgotam o oxigénio e criam zonas mortas, pondo em perigo a sobrevivência dos peixes e de outras formas de vida marinha.
“As orcas são os principais predadores dos ecossistemas marinhos. Mudanças nas suas dietas podem ser um indicador de uma mudança na distribuição das suas presas devido às alterações climáticas.”
— Carlos Olavarría, biólogo marinho
Embora os investigadores ainda não possam dizer com certeza se Dakota e o seu grupo alteraram a sua dieta em resposta a estas mudanças, a recolha de dados mais atuais sobre os seus hábitos alimentares abrirá caminho para futuros esforços de conservação. Esta informação também permite que os cientistas utilizem as orcas como indicadores vitais da saúde geral do ecossistema.
“As orcas são os principais predadores dos ecossistemas marinhos. As mudanças nas suas dietas podem ser um indicador de uma mudança na distribuição das suas presas devido às alterações climáticas”, disse Carlos Olavarría, biólogo marinho do Centro de Estudos Avançados em Zonas Áridas do Chile, que não participou no estudo.
O grupo, composto por dois machos, um jovem, um filhote e Dakota, navega em águas contaminadas pela poluição das mineradoras que extraem recursos do deserto do Atacama ao longo da costa. Antofagasta também possui alta concentração de poluição plástica.
A equipe de García-Cegarra também investigou a poluição em botos, as menores espécies de golfinhos que habitam as águas de Antofagasta. A sua investigação revelou concentrações alarmantes de cobre, arsénico e chumbo dentro destas criaturas. Esta seria uma ameaça significativa para Dakota e seu grupo se eles começassem a caçar esta espécie também. Os metais pesados se acumulam à medida que sobem na cadeia alimentar, um processo chamado biomagnificação.
Nas últimas décadas, algumas populações de baleias assassinas diminuíram até quase estarem à beira do perigo. Um exemplo comovente são as orcas transitórias do leste do Pacífico Norte, cujos números caíram de 22 para apenas sete desde o devastador derramamento de petróleo do Exxon Valdez em 1989.
Quando a sobrevivência está em jogo, dizem os cientistas, cada pequeno detalhe do comportamento das orcas é crucial para o desenvolvimento de estratégias de conservação. “Esses esforços de pesquisa são importantes”, disse McInnes.
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