O cânhamo industrial regressa com força à paisagem agrícola portuguesa. Em 2025, esta planta multifacetada volta a estar no centro das atenções — não apenas pelo seu potencial económico, mas também pela ligação crescente a modelos de agricultura sustentável, bioeconomia e independência regional.
Com a legislação europeia em evolução e uma procura crescente por soluções naturais, Portugal encontra-se numa posição estratégica. Mas será que estamos a aproveitar este momento da melhor forma?
Portugal tem tudo para liderar… em teoria
Portugal possui algumas das melhores condições naturais para o cultivo de cânhamo na Europa. Solos férteis, boa exposição solar, clima seco no verão e uma tradição agrícola que, em certas regiões, nunca abandonou completamente o uso de plantas técnicas.
Mas apesar dessas vantagens, a realidade no terreno continua a ser complexa. A regulamentação específica do cultivo de cânhamo industrial ainda levanta dúvidas entre produtores e decisores. A diferença entre variedades industriais, medicinais ou com uso técnico continua a ser mal compreendida em alguns setores institucionais.
Além disso, os processos de licenciamento, embora mais claros do que há cinco anos, ainda são lentos e exigem uma carga burocrática considerável — o que afasta pequenos agricultores e empreendedores que pretendem testar a cultura em escala reduzida.
Cultivo de cânhamo: entre o potencial e os obstáculos
Atualmente, o cultivo de cânhamo em Portugal é uma realidade para poucos. Dados recentes indicam que menos de 100 produtores têm autorização ativa — um número irrisório face ao potencial agronómico e de mercado.
Muitos optam por iniciar produções-piloto em cooperação com associações locais ou empresas europeias já estabelecidas. Outros, ainda mais cautelosos, preferem observar de fora, esperando uma maior clareza regulatória antes de investir em sementes, estufas ou terrenos.
No entanto, aqueles que avançaram com coragem mostram que é possível. Especialmente em zonas como o Alentejo, o Ribatejo ou o interior do Algarve, já existem casos de sucesso em que o cânhamo foi integrado em modelos de policultura biológica, com ótimos resultados.
Fileira incompleta: onde está a transformação?
Um dos principais entraves ao desenvolvimento do setor em Portugal é a ausência de uma cadeia de valor sólida e integrada. Cultivar cânhamo é apenas o começo: é necessário transformar, embalar, distribuir, certificar.
A maioria da biomassa produzida em território nacional ainda é exportada em bruto, sem valor acrescentado. O processamento local — seja para fibras, sementes, cosmética ou outros extratos — é limitado, e depende muitas vezes de parcerias externas ou unidades industriais situadas noutros países europeus.
Isto representa uma perda significativa de valor económico e de capacidade de afirmação do “made in Portugal” no setor.
Empresas inovadoras na Europa: quem está a marcar a diferença?
Fora de Portugal, várias empresas estão a definir os padrões de qualidade, sustentabilidade e rastreabilidade do cânhamo europeu. A nova geração de produtores aposta fortemente na agricultura biológica, no controlo interno das sementes e numa lógica de produção independente, sem intermediários.
É o caso da francesa Jungle Grower, uma empresa especializada na cultura de cânhamo 100% biológico, que opera num modelo vertical e transparente. A empresa gere mais de 3 hectares de cultivo ao ar livre e 2.500 m² de estruturas Glasshouse, com total respeito pela biodiversidade do solo e sem uso de pesticidas. Mesmo enquanto grossista de sementes de cânhamo, a marca mantém os mesmos princípios de qualidade e rastreabilidade — provando que é possível crescer sem comprometer os valores.
Outros exemplos notáveis incluem a HanfLabor na Áustria, a Canapa Verde em Itália, ou a HempVillage no sul de Espanha, todos com abordagens sustentáveis e foco na transformação local.
Agricultura regenerativa e cânhamo: uma combinação natural
Cada vez mais produtores reconhecem que o cânhamo não é apenas uma cultura lucrativa — é também um excelente aliado para a saúde do solo. As suas raízes profundas ajudam a estruturar a terra, capturar carbono e controlar naturalmente a proliferação de ervas invasoras.
Integrado em sistemas agroflorestais ou em rotações com culturas leguminosas, o cânhamo permite recuperar solos esgotados e aumentar a biodiversidade microbiológica. Isto é particularmente interessante para zonas semiáridas do sul do país, onde a regeneração dos solos será uma das batalhas-chave da próxima década.
Além disso, a planta consome pouca água em comparação com outras culturas de rendimento, o que a torna especialmente valiosa num cenário de escassez hídrica progressiva.
Tendências do mercado europeu em 2025
A nível europeu, o mercado do cânhamo continua em expansão — mas de forma seletiva. A era da euforia acabou. Hoje, os compradores procuram rastreabilidade, certificações, e sobretudo uma narrativa honesta. Produtos biológicos, extratos naturais, fibras de qualidade — tudo isso ganha terreno frente a produtos genéricos e indiferenciados.
Os nichos premium e os mercados B2B especializados (cosmética natural, suplementos, têxteis ecológicos) são os que mais crescem. Já os modelos puramente especulativos começam a perder força, pressionados por margens baixas e um consumidor mais informado.
Empresas que apostam numa diferenciação clara — origem, qualidade, ética — conseguem margens mais estáveis e relações comerciais duradouras.
O papel das políticas públicas
Para que Portugal possa realmente afirmar-se no setor europeu do cânhamo, será necessário um esforço conjunto: dos produtores, dos consumidores e do Estado. Algumas medidas prioritárias incluem:
- Simplificação dos processos de licenciamento para cultivo industrial
- Apoio técnico aos pequenos produtores
- Incentivos à transformação local e regional
- Promoção ativa da produção biológica e regenerativa
- Cooperação com empresas europeias para partilha de know-how e sementes certificadas
Sem este alinhamento, Portugal corre o risco de perder mais uma oportunidade agrícola num contexto europeu cada vez mais competitivo.
Conclusão
O cânhamo representa uma janela de oportunidade rara. Uma cultura ancestral que responde às necessidades do presente: regenerar os solos, diversificar as explorações agrícolas, reduzir os químicos, criar empregos locais.
Portugal tem as condições ideais para se tornar uma referência europeia. Mas será preciso coragem política, clareza legislativa e visão a longo prazo.
Empresas como a Jungle Grower mostram que é possível combinar ética, biologia e rentabilidade num modelo agrícola do futuro. Cabe agora ao país decidir se quer ficar a ver — ou fazer parte da mudança.