Desde a 1ª Dinastia portuguesa que os problemas da floresta estão bem patentes na nossa história. Conheça neste 1º artigo alguns dos factos mais relevantes da floresta e dos florestais nacionais até ao princípio do séc. XIX.
Portugal terá sido em tempos remotos quase totalmente coberto por vegetação florestal, dominada por espécies do género Quercus, tal como a fig. 1 o poderá representar. Os povos que viveram na região que se encontra delimitada pelas fronteiras actuais de Portugal, anteriormente à constituição da nossa nacionalidade, terão contribuído grandemente para que reste apenas poucos vestígios dessa vegetação original, em locais mais recônditos.
Tal como na história de muitos outros países, o facto da floresta ser de tal maneira dominante não permitia que houvesse área suficiente para satisfazer as exigências alimentares locais. A forma como o Homem nesses tempos encarava a floresta não deixava espaço para contemplações, sendo o objectivo instalar as culturas agrícolas, os pastos e afastar os perigos da floresta, não deixando de aproveitar os seus recursos, à medida que a ia abatendo.
Ao longo da evolução dos povos as necessidades em produtos florestais e agrícolas foram também aumentando, o mesmo acontecendo na nação portuguesa, onde após a sua constituição, e ao longo dos séculos de ocupação, a área arborizada foi diminuindo a pouco e pouco.
Entre nós, a situação agravou-se com o empenhamento do país na navegação marítima, à qual corresponderam grandes e crescentes exigências em material lenhoso para a construção naval.
Desde cedo alguns dos nossos monarcas tomaram consciência de alguns dos problemas ligados à floresta e à sua exploração, e começaram-se a tomar medidas para a defesa e ampliação da floresta nacional. O Rei D. Diniz é, no entanto, o mais famoso de entre os nossos monarcas, nas medidas tomadas para com a floresta.
A D. Diniz é impropriamente atribuído o mérito de ter criado o Pinhal de Leiria. Na altura o pinhal já existiria, mas seria composto apenas por Pinheiro-manso, e D. Diniz terá tomado medidas para ampliar este pinhal, tendo tal acção sido realizada com a implementação de Pinheiro-bravo. Para tal o Pinheiro-bravo foi importado de França, pois na altura praticamente já não existiria no país (apesar de ser uma espécie espontânea, como determinadas provas arqueológicas o demonstram).
No entanto, outras medidas importantes para a floresta foram tomadas, também na 1ª Dinastia, sob a regência de outros Soberanos. Destaca-se a criação do lugar de Monteiro-mor, que tinha como função defender os “Montes” *.
Inicialmente, o Monteiro-mor dedicava-se essencialmente à defesa das Coutadas Reais e da sua fauna cinegética, que tinha ainda de manter abundante e diversificada, para satisfazer os membros da Corte durante as caçadas. Isto permitiu que muitas espécies de fauna subsistissem no país até aos dias de hoje ou pelo menos até ao fim das delimitações e proibições das Coutadas, para além de ter permitido a manutenção da arborização, em grande parte, dessas zonas.
A criação do Monteiro-mor deu origem a uma nova profissão, que mais tarde, com a evolução académica, se transformou no Engenheiro Silvicultor (engenheiro do cultivo silvestre) e que nas últimas duas décadas passou a ser denominado por Engenheiro Florestal.
A cinegética, as sementeiras de pinhais e defesa das matas contra roubos e fogos, passaram a ser problemas dos Monarcas da 1ª Dinastia, sendo remetido para os Monteiro-mor a gestão de tais problemas.
Quando se chega ao reinado de D. João V a desarborização do país é a mais acentuada de sempre, com a expansão das culturas de cereal e das vinhas, quando as necessidades em madeira não são sentidas devido à importação de material lenhoso do Brasil, quando os fogos se acentuam para a promoção de pastagens ou para obtenção de carvão para a indústria. A situação da floresta portuguesa vive o seu pior período com este monarca e, apesar de lhe ser atribuída a criação do pinhal dos Medos (a Mata dos Medos), só no reinado seguinte foram tomadas medidas concretas para se inverter esta situação.
É sob a governação do Marquês de Pombal, que também possuía o alto critério para este sector de interesses públicos, que se tomam medidas para inverter a calamitosa situação. Em 1751, o Pinhal de Leiria é transferido do Conselho Real para a Inspecção de Marinha e criam-se os postos de Guarda-mor e de Superintendente. A partir daqui os responsáveis pela indústria naval, os principais afectados pela falta de madeira, ocupam-se da gestão dos recursos florestais. A exploração da madeira e as preocupações para com os povoamentos de árvores passaram a ser o principal objecto de actuação de quem ocupa os novos cargos criados. Houve a subdivisão de funções, ficando os Monteiros-mor remetidos às funções referentes aos cuidados para com a fauna cinegética, nas Coutadas Reais.
Mais tarde, na altura da Rainha D. Maria I, torna-se imperioso acabar com o poder e abusos que permitiam tais cargos de “Oficiais” da floresta, que nem sequer formação definida tinham. Em 1783 o cargo de Guarda-mor é extinto, prevalecendo o de Superintendente, mas oito anos mais tarde todos os postos de Oficiais e subordinados (Guardas menores, Couteiros) são extintos, ficando à responsabilidade do Corregedor de Leiria, agora Juiz Conservador dos pinhais da região, a criação de novos cargos. De facto, desde os tempos do Monteiro-mor que estes Oficiais pertenciam ao grupo das pessoas com mais poder no país, podendo matar quem pretendesse utilizar, sem autorização, os recursos silvestres nas zonas defendidas pelos Soberanos.
Pouco depois, José Bonifácio de Andrada e Silva, nascido no Brasil, formado em Direito e Filosofia pela Universidade de Coimbra e especializado em História Natural e Metalurgia, vai intervir no sector florestal, dando origem à figura do florestal dos tempos modernos. Após a sua especialização no estrangeiro durante 10 anos, principalmente na Alemanha, regressa a Portugal, em 1800, para ocupar os cargos de Professor de Metalurgia na Universidade de Coimbra e de Intendente Geral das Minas e Metais. Apesar dos seus cargos iniciais, os conhecimentos florestais adquiridos, devido ao facto de ter acompanhado as lições do Conde de Burgsdorff, Monteiro-mor de Brandeburgo, acabaram por torná-lo no primeiro técnico florestal diplomado a trabalhar em Portugal. Com Andrada e Silva a intervenção na floresta passará a ser fundamentada e apoiada em medidas técnicas e científicas.
Em 1803 ocupa o cargo de Administrador das Ferrarias, sendo-lhe atribuídas tarefas de Silvicultura, essenciais ao funcionamento dos estabelecimentos industriais de Ferrarias. Na mesma ocasião é criado o cargo de Guarda-mor dos Bosques e Matos, que Andrada e Silva ocupa, e que deveria, a partir daí, ser sempre ocupado por pessoa zelosa na actividade e com conhecimentos na matéria. É encarregue da “plantação de pinhais nas parais do mar”, e em 1805 iniciam-se os primeiros trabalhos de fixação de dunas, com a implementação de tais pinhais de protecção, que visavam impedir o avanço das areias sobre as terras agrícolas. Estes trabalhos foram coordenados pelo Cabo de Guardas do Pinhal de Leiria, sob orientação de Andrada e Silva.
Andrada e Silva publica, entretanto, o primeiro livro português de Silvicultura, denominado “Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal”. O livro descreve uma floresta portuguesa destroçada, e em acelerado retrocesso, apesar das muitas Ordenações e Regimentos para a realização de sementeiras e plantações, e para a defesa e conservação da floresta e seus usos. Pelos seus escritos, Portugal nesta altura nem teria 10% do território arborizado, proporção que também ocorreria no território francês. Os alertas para a situação do sector e para as importâncias das florestas começam, então, a generalizar-se noutras memórias, elaboradas por outros autores. Em 1819, Andrada e Silva, acaba por regressar ao Brasil, onde abraça uma afamada carreira política.
Por esta altura acaba por haver a extinção das Coutadas e, com esta medida, a extinção do cargo de Monteiro-mor e seus subordinados. Em 1824 surge um novo regulamento para a denominada Administração Geral das Matas, que se mantém na dependência da Repartição da Marinha, mas que fica com as Matas da Real Coroa a seu cargo. Principalmente devido ao contributo reconhecido de Andrada e Silva, previa-se que o cargo de Administrador Geral deveria ser sempre ocupado por pessoa que possuísse estudos em Ciências Naturais e conhecimentos práticos de bosques e arvoredos. Este regulamento passa a exigir preparação cientifica e técnica para ocupação do cargo, apesar de ainda não corresponder à necessidade de existência de um Ensino Superior Florestal diferenciado em Portugal.
Sem Andrada e Silva, o Governo convida o engenheiro alemão Frederico Luis Guilherme Varnhagen a ser o primeiro Administrador Geral. Em 1836, Varnhagen publica o “Manual de instruções práticas sobre sementeira, cultura e corte de pinheiros, e conservação da madeira dos mesmos; indicando-se os methodos mais proprios para o clima de Portugal”, que representa uma competente e notável obra de Silvicultura, e clarifica um pouco a situação catastrófica da floresta portuguesa da altura. Tal como Andrada e Silva, Varnhagen referiu que a área arborizada deveria no seu todo ocupar apenas 10% do território do país, mas estaria presente de forma muito dispersa em cerca de 15% da área nacional.
Este livro de Varnhagen junta-se a outra grande contribuição para o progresso da Silvicultura portuguesa. Em 1828, Félix de Avelar Brotero, professor de Botânica e Agricultura na Universidade de Coimbra, publicara a sua “História Natural dos Pinheiros, Larices e Abetos”, divulgando importantes conhecimentos científicos e técnicos e reclamando por uma Administração Geral, idêntica à de outros países, com Regulamentos adequados às províncias nacionais e munida de Administradores e técnicos entendidos na matéria.
Nesta altura, a agricultura ocupava apenas cerca de 14% do território nacional, e como já se referiu, apenas outros 10% estariam arborizados, estando a grande parte reduzida a “charnecas e serranias estéreis”, completamente descobertas de árvores ou mesmo desnudadas de matos ou de outra vegetação mais consistente.
Estas áreas de incultos, que na sua maioria já se manteriam assim ao longo de séculos, eram a imagem do país. Em todas as províncias as serras estava nuas de arvoredo, os cumes eram “desertos” e os locais menos elevados eram cobertos de urzes, carquejas, estevas, sargaços, tojos, silvas, fetos e outras plantas arbustivas e herbáceas. Esta situação volta hoje a ser muito comum nos locais onde se abandonou a agricultura que se praticou essencialmente durante grande parte do último século, sendo agora esses matos mais frequentemente acompanhados de árvores, que entretanto foram plantadas ou promovidas.
Com esta situação, mais do que a preocupação para com a escassa arborização, era a imensa vastidão desses incultos que não era bem visto pelos governantes e pela opinião erudita. Desta forma, a progressão da área agrícola e a florestação passou a ser um objectivo essencial para interesses nacionais. De facto, até ao fim do século XIX e durante o século XX os esforços e progressos empreendidos levaram a que os tais 10% de área arborizada se elevassem para os actuais 38%, mas este é um período que será tratado na 2ª parte deste texto.
* “Monte” é um termo ainda utilizado em Espanha para designar as áreas silvestres, mais abrangente que a definição que normalmente é associada ao termo “Floresta”, adoptado por nós da língua inglesa. A distorção do conceito de Floresta deve-se não só à sua origem nórdica (onde as florestas são vistas como os extensos povoamentos de resinosas aí existentes, o que muitas vezes não é “parecido” com as florestas mediterrâneas, mesmo que por vezes se trate de bosques de carvalhos), como também ao passar dos tempos, onde o arborizado denso quase passou a significar Floresta. A palavra Floresta deriva do inglês Forest, que por sua vez vem do latim Forestis silva, aplicado às terras onde se caçava, como no caso do Imperador Carlos Magno. A palavra silva é o termo que inclui os bosques e as outras áreas silvestres, tendo dado origem na nossa língua a silvestre ou silvicultura. O palavra forestis significa fora ou o exterior. Com o decorrer dos tempos os ingleses acabaram por encurtar a frase do latim para Forest.
Projecto AGRO - “Floresta e Ambiente On Line - Divulgação e Promoção dos Produtos Florestais” - Projecto nº 200 151 00 27 640
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