As zonas costeiras são regiões de interface entre os ecossistemas terrestres e marinhos, importantes pela enorme diversidade biológica que suportam e pela vasta gama de funções ecológicas reguladoras e depuradoras que desempenham.
Ciclicamente, a força da gravidade da Lua e do Sol provoca um fenómeno que se designa por Maré. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a força das marés faz-se sentir não só nos oceanos, mas também nas massas continentais. O deslocamento da crosta terrestre pode atingir, nalguns locais, os 30 cm. Em teoria, a força gravítica destes astros pode produzir marés até num copo de água. A amplitude das marés depende de muitos factores, como da dimensão da massa de água, do perfil do fundo dos mares, das costas e da posição relativa dos astros. O Sol exerce sobre a Terra menos de metade da força gravítica exercida pela Lua. Mesmo assim, quando estas forças se conjugam, durante a Lua cheia e a Lua nova, em particular nos Equinócios, a amplitude das marés é máxima.
As marés, altas e baixas, sucedem-se como consequência do movimento de rotação da terra. As regiões do globo terrestre que se encontram alinhadas com o eixo entre a Terra e a Lua estão na Preia-mar (maré alta) e as que se encontram na perpendicular desse eixo então na Baixa-mar (maré baixa). Demorará aproximadamente 6 horas 12 minutos e 30 segundos para que a Terra cumpra ¼ de volta, passando um local da máxima maré para mínima. Neste intervalo de tempo, o nível das águas do mar poderá ter variado mais de 15 metros. Apesar disso, nalgumas regiões do globo, como no Vietname, uma das marés do dia é tão mais pronunciada do que a outra, que aparentemente só existe uma baixa-mar e uma preia-mar por dia. Mesmo uma variação de apenas alguns metros no nível das águas do mar, pode traduzir-se no cobrir, ou descobrir, de muitos milhares de hectares de terra.

Fotografias de José Romão
O efeito das marés sobre as comunidades vivas da orla costeira é imenso, estando elas na origem de biótopos extremamente ricos. Algumas zonas húmidas estão entre os biótopos mais produtivos do planeta, e um grande número resulta da variação dos níveis de água causada pelas marés. Ao longo dos séculos, o Homem transformou profundamente muitas destas áreas, que ainda hoje estão entre os biótopos mais perecíveis. Calcula-se que os alimentos produzidos em antigas zonas húmidas correspondam a cerca de metade das necessidades globais. A diversidade dos biótopos dependentes das marés é muito grande, pois, para além da sua acção, factores como o clima, o tipo de solo e o relevo contribuem para criar habitats muito diferentes. Até num país relativamente pequeno como é Portugal, podemos encontrar diversos habitats profundamente afectados por este fenómeno.
As praias ocupam a maior extensão do litoral português e, ainda que à primeira vista possam parecer bastante estéreis, são na verdade habitats verdadeiramente vivos. A razão pela qual nos parecem pouco habitadas, prende-se com o facto dos seus inquilinos viverem sobretudo debaixo da areia, pelo menos enquanto esta está emersa. Prova disso mesmo, são as diferentes espécies de aves limícolas que as frequentam em busca de alimento. Debaixo da areia das praias podem encontrar-se caranguejos, bivalves, diversos invertebrados e algas microscópicas.

As comunidades que habitam as costas rochosas são profundamente condicionadas pela altura a que se encontram, e consequentemente pelo tempo que ficam expostas alternadamente ao ar ou à água salgada. No nível superior, as rochas são apenas banhadas pelas águas salgadas do oceano duas vezes por mês, durante a lua nova e o plenilúnio. Esta faixa é, frequentemente, enegrecida, devido à presença de variedades de líquenes e algas muito particulares. Mais abaixo, vão-se sucedendo organismos altamente dependentes das marés e do movimento das ondas para se alimentarem dos nutrientes em suspensão na água do mar. Neste meio particularmente oxigenado, podem encontrar-se lapas, mexilhões, algas, caranguejos, estrelas do mar e anémonas. Nas rochas costeiras formam-se ainda poças e pequenas piscinas naturais, em que a vida abunda, e que constituem também elas habitats muito particulares.
O local em que a água doce dos rios se encontra com a água salgada dos mares chama-se estuário. Existem naturalmente estuários de dimensões muito distintas, mas de uma forma geral, eles propiciam o aparecimento de uma rede complexa de habitats extremamente ricos. A deposição de sedimentos trazidos pelos rios conduz, frequentemente, ao aparecimento de extensas zonas de lamas que ficam expostas durante a baixa-mar. Nestes locais, a fauna bentónica, que vive presa ao fundo, serve de alimento a bandos de milhares de aves. Uma das maiores dificuldades com que os seres vivos se confrontam nos estuários, está relacionada com as alterações da salinidade deste meio. A salinidade da água varia, não só ao longo do dia com as marés, mas também ao longo das estações, em função do maior ou menor caudal dos rios. As águas abrigadas dos estuários servem também de maternidade para inúmeras espécies de peixes.

É também nos estuários que surgem frequentemente os sapais, que são zonas de vegetação rasteira, constituída por espécies tolerantes à salinidade da água que as banha duas vezes por dia. É esta água que traz os nutrientes e que torna este biótopo um dos mais produtivos do mundo, ultrapassando mesmo as florestas tropicais.
Nas regiões tropicais não existem biótopos com as características dos sapais das regiões temperadas, mas em contrapartida existem os mangais. Os mangais são formados por diferentes espécies de árvores, que se desenvolvem em sedimentos livres da acção das ondas. Elas possuem raízes características, que crescem acima do solo e que durante a preia-mar retêm os nutrientes trazidos pela água. Também os mangais são habitats altamente produtivos.

A grande maioria da população mundial vive na orla costeira, e a pressão da indústria e do turismo afectam particularmente estes meios ecologicamente tão importantes, que são os biótopos de transição entre os meios marinhos e terrestres. Ainda que a acção das marés vá subsistir, pelo menos durante a existência do sistema solar tal como o conhecemos, o mesmo não se poderá afiançar quanto ao equilíbrio da orla marítima, que tanto tem sofrido com descomunais erros de ordenamento. Por outro lado, os habitats intertidais (entre marés) são particularmente sensíveis à poluição das águas. A merecida salvaguarda destes habitats depende, por isso, de uma drástica inflexão nas políticas de ordenamento do território e gestão dos resíduos.
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