Os fundos oceânicos encerram ainda muitos segredos, que só agora se começam a desvendar. É o caso das fontes hidrotermais e das incríveis formas de vida que fazem delas o seu habitat. Conheça estas fantásticas e singulares comunidades.
O mais surpreendente ecossistema das grandes profundidades é, sem dúvida, o ecossistema ligado às fontes hidrotermais, não só pela exuberância quantitativa dos organismos que fazem deste o seu habitat, mas também pelas suas características.
As fontes hidrotermais localizam-se nas zonas de rifte na planície oceânica, onde se regista um vulcanismo activo, resultado do afastamento das placas oceânicas.
Figura 1 – Chaminé na zona de rifte das ilhas Galápagos (fonte: Sumich, 1992).
Nas últimas duas décadas foram realizadas inúmeras descobertas associadas a estes centros de actividade, que estão a mudar significativamente a nossa compreensão sobre a vida nos fundos marinhos, permitindo compreender como é que depósitos minerais ricos em metais se formam através da reacção química entre a água do mar e a crosta terrestre.
As fontes hidrotermais foram observadas directamente, pela primeira vez, em 1977, quando uma equipa de geólogos, a estudar a zona de rifte das Galápagos, descobriu vários organismos vivos a 3 km de profundidade. Densos agregados de mexilhões, vermes tubulares gigantes e caranguejos foram encontrados em pequenas áreas, onde se observava a existência daquilo a que viriam a chamar-se chaminés, emanando água quente.
Nas fontes hidrotermais a temperatura da água pode exceder os 100ºC, contrastando com a temperatura das zonas abissais, que é em média 2ºC. As fontes hidrotermais são o resultado da circulação da água do mar pelas rachas e fissuras existentes na nova crosta terrestre, à medida que esta se forma nas zonas de rifte. Ao circular através destas rachas, a água do mar aquece a cerca de 350ºC, dando origem a uma complexa série de reacções químicas. O sulfato (SO4(-2)), o terceiro ião mais abundante dissolvido na água do mar, quando aquecido reage com a água formando sulfureto de hidrogénio (H2S), o qual, embora tóxico para a maioria dos animais, desempenha um papel central nos processos subsequentes, à medida que a água quente emerge das chaminés.
Nos povoamentos hidrotermais a produção primária é assegurada por bactérias quimiossintéticas, que obtêm a energia necessária para a fixação do CO2 a partir da oxidação dos sulfuretos (e em particular do H2S) presentes nos fumos emergentes. As bactérias desempenham, neste ecossistema, um papel primordial. Invertebrados como os mexilhões e outros bivalves usam-nas como fonte alimentar, enquanto outras espécies estabelecem com estas bactérias relações de simbiose.
A distribuição dos organismos em torno das emanações de fumos hidrotermais vai obedecer às exigências térmicas de cada um deles, seguindo um gradiente de temperatura. Algumas espécies distribuem-se entre os 12ºC e 3ºC, por exemplo, enquanto outras suportam temperaturas mais elevadas.
Figura 2 - Esquema simplificado de uma comunidade de uma fonte hidrotermal.
O organismo mais característico do ecossistema hidrotermal é um animal vermiforme e tubícola, de grandes dimensões, o vestimentífero Riftia pachyptila, que forma densos agregados. Na parte anterior do corpo apresenta um órgão guarnecido de finas lamelas e corado de vermelho intenso. Não possui nem boca nem tubo digestivo, intervindo na sua nutrição bactérias simbiontes, como havia sido referido anteriormente.
Próximo das emanações hidrotermais, a altas temperaturas, podem ser encontrados anelídeos poliquetas: os vermes de Pompeia (Alvinella pompejano e A. caudata), que vivem em tubos flexíveis, justapostos e em quantidade considerável. São os mais termófilos de todos os organismos associados ao hidrotermismo e suportam temperaturas compreendidas entre os 20 e os 40ºC. Outro traço dominante, em termos quantitativos, é conferido por densas populações do molusco bivalve Calyptogena magnifica, o maior de todos os bivalves conhecido (26 cm comprimento).
A fauna móvel é sobretudo constituída pelo caranguejo Bythograea thermidon e por numerosas galateas (Munidopsis). Entre os peixes, o mais abundante é o zoarcídeo Thermarces cerberus.
Figura 3 – Fonte hidrotermal do Pacífico. (1) Denso agregado de Riftia pachyptila; em primeiro plano o peixe Thermarces cerberus. (2) Além de Riftia pachyptila podem observar-se duas galateas e alguns mexilhões.
A forma como se inicia a colonização das comunidades das fontes hidrotermais é, no entanto, ainda um mistério, uma vez que a distância entre as várias comunidades é normalmente de centenas de quilómetros.
A descoberta recente das comunidades hidrotermais veio criar novos conceitos biogeográficos, como o de arquipélago hidrotermal, com base na proporção de endemismos, acompanhada pela existência de um número considerável de fósseis vivos, que poderá ser relacionada com a idade da fonte hidrotermal.
Referências
Laubier, L. (1988). Biologie et écologie des sources hydrothermales. Oceanologica Acta, Vol. sp. 8, 233 p.
Saldanha, L. (1991). Fauna das profundezas marinhas. Colóquio/Ciências – Revista de Cultura Cientifica (Fundação Calouste Gulbenkian), Ano 3, nº 7: 26-42.
Sumich, J.L. (1992). An Introduction to the Biology of Marine Life. 5th Edition. Wm. C. Brown Publishers, 449 p.
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