A Azinheira - causas da degradação do montado de azinho

Nélia Valério
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O montado de azinho sofreu uma regressão acentuada em Portugal durante o século XX, na sequência de uma conjuntura desfavorável de diversos factores. São discutidas a causas dessa degradação e apontam-se medidas práticas de gestão dos montados.

A Azinheira é uma espécie arbórea associada a condições de secura, cujos povoamentos deveriam ser ainda belos e exuberantes no início do século XX. No entanto a espécie começou a regredir sensivelmente a partir da década de 70, particularmente nas regiões do interior onde a sua implantação era mais significativa. No alicerce desta condição estiveram o abandono da criação de porcos, que usavam o azinhal como área de pasto, mas outro factor que contribui para esta decadência foi a descida de preços da lenha e do carvão, que levaram ao abandono da sua exploração favorecendo outras formas de exploração do solo, muitas vezes decidindo pelo seu corte raso para plantação em substituição de árvores de crescimento rápido. As pragas e doenças chegaram e deste modo acelerando o processo, e o resultado é hoje a situação de pré-deserto que as zonas suportam (Janeiro e Basto, 2001).

A destruição do montado de azinho é algo preocupante e que se agrava com o decorrer dos anos. Para o estado de miséria da azinheira em Portugal tem contribuído grandemente a permanência no montado, durante anos e anos, das árvores mortas; o conhecimento precário, para não dizer o desconhecimento, da dinâmica das populações dos insectos e dos fungos parasitas da azinheira; a retirada do porco do montado; o uso indiscriminado dos pesticidas (DDT) durante muitos anos como meio de luta contra os insectos desfolhadores; o uso de ferramentas não desinfectadas durante as podas permitindo a difusão das doenças (Ferreira et al., 1990), etc..

Segundo o Professor Natividade, a agricultura intensiva com lavouras usando charruas pesadas terá acelerado o processo de degradação dos montados de azinho.

A azinheira vem, desde há muito tempo, sendo objecto, por parte do Homem, da mais sistemática destruição, isto é, mutilando-a ou suprimindo-a, com vista à obtenção de rama, lenha, madeira, carvão, casca e fruto e, mais recentemente, solo “descoberto” para sementeira de searas ou melhoria de pastagens. Em resultado, o velho bosque de azinho foi–se transformando e está para alguns irremediavelmente condenado (Gonçalves, 1995).

Sem rendimento pecuário e com os preços da lenha e carvão reduzidos até ao extremo, compreende-se que uma economia empresarial vulgar não pudesse ou não quisesse manter o montado de azinho. Exigindo a sua manutenção a prática de podas, desmoitas, desinfecções e lavouras periódicas que o condicionalismo actual não permite que sejam pagas, na maioria das explorações, com o rendimento do montado, agravou-se de forma intensa e sempre progressiva a sua eliminação, conversão ou abandono.

Deste modo, segundo Gonçalves (1995), infelizmente foi desenvolvida a supressão do azinho em corte raso ou em intenso desbaste, a muitas zonas de aptidão agroflorestal ou exclusivamente florestal, de declives acentuados e de solos facilmente erosionáveis, prática técnica e ecologicamente condenável sobretudo se não acompanhada, como usa ser, de quaisquer precauções tendentes a contrariar a erosão.

Porém, infelizmente, segundo Gonçalves (1995) o que fica sobretudo de pé é a permanência ou conversão da azinheira quando se encontra em solos muito degradados e declivosos de xisto, na Zona Iberomediterrânea, com chuvas rondando os 500 mm, e nestes apesar do condicionalismo presente, o menor mal é a manutenção do azinhal.

Eliminando as podas, as desmoitas e lavouras, o azinhal entra em imediata regressão, com pontas secas, diminuição de frutificação, invasão de mato, numa palavra, iniciará o longo caminho de retorno à floresta natural. Será então a pastagem herbácea substituída por matos variados do tipo heliófilo, dificultado pelos mesmos o pastoreio, diminuída a frutificação, só a vaca e a cabra poderão agora tirar partido da associação azinheira x matos, sobretudo e cada vez mais esta última, dada a abundante vegetação arbustiva.

A questão dos matos é sem dúvida, algo que preocupa pois deve-se ou não retirar os matos dos montados? Segundo Carvalho (1993), o montado é um sistema agroflorestal tipicamente agro-silvo-pastoril, onde a intervenção humana é fundamental para o equilibrado maneio do espaço. Sempre houve árvores em baixa densidade; sempre houve culturas e pastagens; sempre houve vida bravia e gados em pastoreio extensivo e sempre houve matos. Os matos tinham diversas utilidades, uma delas era facilitar a regeneração espontânea dos arvoredos, no entanto, não se podiam manter por muito tempo em desenvolvimento porque acabavam por tirar o vigor às jovens árvores. Os matos entravam em rotação com as culturas e pastagens, cobrindo arrifos pedregosos e zonas de declive considerável. Este maneio reduzia o risco de fogo, fornecia camas e forragem aos animais e facilitava a regeneração das árvores. O progressivo abandono a que se tem assistido nos campos, pela perda de interesse da actividade agrária, provocou o desequilíbrio no maneio do montado.

Nos montados com mato alto, as raízes das árvores estão mais superficiais já que os horizontes superiores do solo são mais ricos e, sobretudo, mais húmidos na época mais quente. Por outro lado, quanto mais alto estiver o mato maior é o risco de fogo e maior a dificuldade de acesso. Estas considerações levam Carvalho (1993) a ponderar sobre possíveis vantagens e inconvenientes duma intervenção de desmatação por gradagem: Vantagens: remoção de lenhosas que competem com as árvores; aumento de vigor no arvoredo; redução do risco de incêndio; enriquecimento da pastagem em herbáceas; obtenção de camas para o gado; obtenção de combustível; educação das raízes das árvores (poda radicular), melhoria da acessibilidade; melhoria da paisagem. Inconvenientes: investimento que requer continuidade e manutenção; redução de pastagem arbustiva; perda de refúgios para a vida bravia e de diversidade; poda radicular a requerer compensação nas copas das árvores, nem sempre possível; redução da regeneração natural do arvoredo; feridas nas raízes do arvoredo facilitando processos infecciosos; disseminação de propágulos patogénicos; riscos de erosão; paisagem.

 

De entre as causas de destruição do montado de azinho, a seca parece ser um factor determinante, no entanto é algo que o Homem não pode intervir sobre a sua ocorrência... Contudo, é possível reduzir o seu impacte mediante um conjunto de medidas de curto e médio/longo prazo (Cabral et al., 1993).

No sistema agro-silvopastoril há que adaptar o encabeçamento à capacidade de sustentação da estação. Nas zonas mais afectadas, especialmente em solos argiluviados de xistos, em comunicação com formas de relevo ondulado largo ou em solos avermelhados ligados com depósitos de ranâ, deverá colocar-se a possibilidade de redução do encabeçamento e mesmo a sua troca sucessiva por animais que originem menor compactação do solo. Além disso, nas zonas mais afectadas e nos mesmos tipos de solos a redução da intensidade da actividade agrícola (cerealífera) deverá ser obrigatória (Cabral et al.,1993).

Nos povoamentos fortemente afectados e considerados de menor capacidade para o sobreiro, aconselha-se a introdução de resinosas, nomeadamente pinheiro-manso, orientado para a produção de fruto (Cabral et al., 1993). 

Nos povoamentos que tenham uma maior potencialidade, isto é, formas de relevo ondulado relacionando-se com solos aligeirados, profundos e com uma boa permeabilidade, ou então em solos aligeirados de substrato de grés grosseiro, há que reinstalar o montado com tecnologias modernas (Cabral et al., 1993).

Em povoamentos rarefeitos aconselha-se o adensamento do montado, convertendo-o progressivamente, nas áreas mais sensíveis, em povoamentos mais fechados e por isso com mais evidente papel condicionador do microclima sob coberto.

Em relação às práticas culturais, há que reduzir as podas privilegiando as de formação e as sanitárias. Há que promover desbastes sanitários e fazer o maneio de matos impedindo que se atinja o estado regressivo. A compatibilização entre a minimização do risco de incêndio e o objectivo de desmatação para recuperar o ecossistema aconselha o uso de desmatadoras de corte superficial sem enterramento (Cabral et al., 1993).

As correcções do nível de fertilidade do solo terão que ser feitas tendo em conta os desequilíbrios em termos de potássio, cálcio e magnésio.

Outra das medidas muito importante é a remoção de árvores mortas ou com evidentes sinais de decrepitude; há que remover despojos de podas e abates em todas as zonas afectadas. Além disso, há que praticar operações culturais evitando a dispersão de pragas e doenças, sobretudo radiculares (Cabral et al., 1993).

Deparamos com um grave problema: a degradação dos montados, que há que tentar preservar. O património natural nacional é consequência em boa parte da longa interacção entre a actividade humana e o ambiente, resultante sobretudo da actividade agro-pecuária e florestal que transformou através dos tempos a paisagem rural de que desfrutamos nos dias de hoje. Hoje em dia a paisagem que observamos não é mais do que o produto da humanização do território, num processo de ocupação das diferentes regiões do País saliente pela evolução das práticas agrícolas e pela introdução de novas espécies.


Bibliografia

CABRAL, M.; LOPES, F.; SARDINHA, R. (1993). Determinação das causas de morte da Azinheira. Silva Lusitana: 7-24.

CARVALHO, J.H. (1993). “Stress “ do Sobreiro e da Azinheira ou A Doença de Lopes Pimentel?, Universidade do Algarve. Faro.

FERREIRA, M.C.; FERREIRA, G. (1990). Medidas de protecção. Gazeta das Aldeias: 15-16.

JANEIRO, C.; BASTO, M. (2001). Património Natural do Nordeste Algarvio. Reserva Natural do Sapal de Castro Marim.

GONÇALVES, G. (1995). A Azinheira -Uma espécie condenada? Floresta e Ambiente: 20-22. 

Projecto AGRO - “Floresta e Ambiente On Line - Divulgação e Promoção dos Produtos Florestais” - Projecto nº 200 151 00 27 640

 

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