Cada vez mais cegonhas-brancas passam o Inverno na Península Ibérica, tornando a “junk food” dos aterros sanitários uma componente importante da sua dieta. As cegonhas chegam a percorrer distâncias diárias de quase 100 km para se alimentarem nos aterros, segundo um estudo desenvolvido na Universidade de East Anglia, Reino Unido, em colaboração com as Universidades de Lisboa e Porto.
Nas histórias que se contam às crianças, as cegonhas trazem os bebés aos pais em todo o mundo. Mas desde meados da década de 1980, cada vez mais aves deixaram de migrar da Europa para África durante o inverno.
Nas últimas décadas, cada vez mais cegonhas brancas passam o inverno na Península Ibérica, em vez de migrar para África. Esta alteração no comportamento migratório é consequência provável de invernos mais amenos mas sobretudo de um incremento na abundância de alimento de origem antropogénica disponível nos aterros sanitários durante todo o ano.
Para além da cegonha branca, o comportamento migratório de inúmeras espécies de aves está a mudar face às alterações ambientais globais e à influência das actividades humanas.
Um novo estudo publicado por investigadores portugueses e britânicos na revista Movement Ecology veio confirmar que muitas cegonhas residentes descobriram uma forma segura de encontrar alimento durante todo o ano nos aterros.
No entanto, esta situação poderá alterar-se num futuro próximo, face à implementação de directivas comunitárias que prevêm o fim da deposição de lixo orgânico em células a céu aberto, passando o tratamento dos resíduos a ser feito em unidades fechadas ou semifechadas.
Aldina Franco, Professora de Ecologia na Universidade Britânica de East Anglia (School of Environmental Sciences) e líder desta equipa de investigação, afirma:
“O comportamento migratório de inúmeras espécies de aves está a mudar face às alterações ambientais globais e providenciam oportunidades fantásticas para estudar a evolução da migração dos animais. Aves que costumavam migrar para África, estão agora a estabelecer populações não-migradoras no Sul da Europa. Queremos compreender as causas e os mecanismos por detrás dessas alterações no comportamento migratório.”
A alteração no comportamento migratório é comprovada por um censo da população invernante em Portugal, realizado em 2015 e coordenado por Inês Catry, investigadora da Universidade de Lisboa e co-autora deste trabalho, em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Quercus, investigadores portugueses e voluntários. “A população invernante no nosso país aumentou dez vezes nos últimos vinte anos. Neste censo contabilizámos 14400 indivíduos e o número deverá continuar a aumentar. Embora este aumento seja em parte justificado pelo incremento no número de casais nidificantes nas últimas duas décadas, a proporção de indivíduos residentes aumentou substancialmente, sugerindo uma alteração no comportamento migratório da espécie que poderá, no futuro próximo, tornar-se não migradora”, esclareceu.
"Este estudo analisou a dependência das cegonhas em relação aos aterros. Descobrimos que esta fonte de alimento influenciou o uso dos ninhos e as distâncias percorridas diariamente para alimentação", afirmou ainda Aldina Franco.
A equipa de investigação colocou emissores GPS/GSM em 48 cegonhas para obter a respetiva localização cinco vezes por dia. Os emissores, desenvolvidos por investigadores da UEA, Universidade de Lisboa e Universidade do Porto e pelo BTO (British Trust for Ornithology) foram equipados com acelerómetros, esta tecnologia permite recolher informação detalhada sobre o comportamento dos indivíduos marcados.
A informação recolhida através destes emissores permitiu seguir os movimentos das cegonhas entre os seus ninhos e as áreas de alimentação, calcular as distâncias percorridas e estudar o seu comportamento – os dados dos acelerómetros permitem perceber se a ave está a descansar, a alimentar-se, em voo, etc.
Aldina Franco disse: “As cegonhas dependem do alimento proveniente dos aterros, especialmente durante o período não-reprodutor, quando os recursos naturais são mais escassos. A existência de uma fonte de alimento regular ao longo de todo o ano facilitou o estabelecimento de populações residentes. Descobrimos que os aterros permitem que as cegonhas usem os ninhos ao longo de todo o ano, o que constitui um comportamento novo, surgido muito recentemente. A proximidade entre o ninho e esta fonte de alimento certa também faz com que que tenham menor propensão para migrar para África no Inverno. Em vez de migrar, os indivíduos residentes defendem os seus ninhos durante todo o período não-reprodutor.
Mas também mostrámos que para além das cegonhas que nidificam perto dos aterros, outras fazem viagens até 48 quilómetros entre o ninho e o aterro durante a época não reprodutora para se alimentarem e de até 28 quilómetros na época de reprodução.“
Ines Catry disse: “Ao abrigo de novas directivas Europeias, o tratamento dos resíduos passará a ser feito em unidades fechadas ou semifechadas. Esta mudança criará novas dificuldades para as cegonhas, que terão assim de encontrar outras fontes de alimento durante o inverno. Pode vir a ter influência sobre a sua distribuição, local de reprodução, sucesso reprodutor e decisões migratórias".
Este trabalho faz parte do projecto de doutoramento de Nathalie Gilbert, financiado pela Natural Environmental Research Council (NERC) e pelo British Trust for Ornithology (BTO), orientado pela Dra. Aldina Franco.
"Are white storks addicted to junk food? Impacts of landfill use on the movement and behaviour of resident white storks (Ciconia ciconia) from a partially migratory population" foi publicado na revista Movement Ecology no dia 15 de Março de 2016.
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