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Alberto Carneiro e a poética da terra

José Marmeleira - ARTLINK

O escultor Alberto Carneiro chamou à sua arte arte ecológica. Interessava-lhe antes de tudo descobrir uma poética e estética imbricadas na vida, e na terra. A natureza em que nascemos, como nossa eterna e íntima companheira.

Percursor da Land Art em Portugal e artista singular pela sua intervenção num contexto que não o dos lugares tradicionais da arte, Alberto Caneiro foi um criador apostado na comunhão. Na comunhão entre a natureza e a arte que encontramos nas suas esculturas e acções estéticas onde nos é relembrada a dimensão mítica e ao mesmo tempo concreta daquilo que foi e é o Homem: um ser filho da natureza e do cosmos.

Os anos 60 foram uma década na qual os excessos coexistiram muitas vezes lado a lado com o ascetismo. Na verdade podemos identificá-la como um período histórico marcado por simbioses, contradições e processos dialécticos. Esta heterogeneidade complexa de momentos e situações foi visível não só, por exemplo na música pop-rock (aos excessos psicadélicos seguiu-se um regresso as raízes), como na arte contemporânea. Depois da exuberância cínica da pop emergiram tendências que exigiam a criação de um envolvimento estético, sem mediações, com a natureza e a sua matéria. Entrando nela de forma concreta ou resgatando-a para o espaço expositivo. Os instrumentos podiam ser o próprio gesto físico, a fotografia ou mesmo a escrita.


Uma floresta para os teus sonhos, 1970 

De entre as diferentes correntes uma assomou-se como a mais específica: a Land Art. De origem anglo-saxónica, rapidamente foi interpretada a nível local noutros contextos artísticos e Portugal não foi, apesar dos inevitáveis atrasos decorrentes dos tempos da comunicação estética, excepção.

A recepção das ideias da Land Art, porém, não se resumiu a um qualquer mimetismo, mas a uma apropriação posteriormente trabalhada e enriquecida, sendo a mais importante e significativa aquela realizada por Alberto Carneiro. Artista natural do Norte do País, trabalhou durante a sua adolescência na escultura em madeira, pedra e marfim em diversas oficinas tendo sido, segundo certos estudiosos, influenciado pelo imaginário figurativo dos santos. Depois de concluídos vários graus de ensino em Portugal partiu para Londres onde realizou, no princípio dos anos 70, uma pós-gradução em Escultura na Saint Martin’s School of Arts de Londres.


Um campo depois da colheita para deleite estético do nosso corpo, 1973-76

Ao regressar encontra o País em ebulição cultural e desenvolve a sua própria interpretação da Land Art, acentuando a importância da relação do humano com o mundo circundante. O objectivo era revelar o corpo através de um entendimento espacio-temporal da escultura. Esta passava a ser um acontecimento, um happening. Se num primeiro momento, ainda motivado pela dimensão escultórica, Alberto Carneiro havia optado essencialmente pelo colocar de peças de madeira no espaço da natureza - para que estas adoptassem uma segunda natureza – rapidamente já numa segunda fase o artista decidiu intervir com o seu corpo – e assim directamente - na natureza. O passo seguinte, e devido a efemeridade de tais acções, consistia na documentação das intervenções através do registo fotográfico. Os lugares escolhidos eram aqueles onde o homem mais facilmente se podia mesclar com a natureza, como se dela se tornasse indistinto: praias, bosques, serras.

 
 
Vista da exposição retrospectiva de Alberto Carneiro patente no Centro Galego de Arte Contemporânea, Julho de 2001

O próprio Alberto Carneiro chamara à sua arte, arte ecológica mas o seu objectivo não era outro que uma crítica aos conceitos de natureza e do homem para assim desvendar os seus fundamentos universais. Não se vislumbrava nenhum tipo de voluntarismo político. Em causa estava também uma experiência sensorial que os espectadores deviam poder experimentar abstraindo-se das tentações denotativas. Interessava antes de tudo descobrir uma poética e estética profundamente imbricadas na vida. E na terra.

Obras tais como Homenagem à Vénus de Willendorf, Trajecto de um Corpo e Uma Floresta Para os Teus Sonhos, são exemplos dessa procura que o próprio artista relacionou com a ideia de sonhar (com) a natureza. A natureza da arte como bem espiritual. A natureza em que nascemos, como nossa eterna e íntima companheira.


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