Naturlink

Da Primavera

Maria Júdice Borralho

Um olhar sobre a Primavera, emprestado da Arte e da Ciência.

 

Arte e Ciência terão uma origem comum na medida em que ambas provêm da tentativa de explicação da origem e destino do Homem, da origem e destino do Universo. Esta origem comum será o mito?

Se for, a fantasia do mito tomou na Ciência uma direcção racional e transformou-se na busca da verdade, na Arte, sofreu um fenómeno de expansão. Popper afirma que o mito "transformou-se em cronologia, em ciências do universo, . em ciência da Natureza".

Ora estando a NATUREZA presente nos dois universos, o artístico e o científico, o fenómeno PRIMAVERA inscreve-se também em ambos. Para pensá-lo, poder-se-á recorrer à Arte e prescindir da Ciência, mas perde-se o rigor e o valor do discurso científico; por outro lado dispensar a Arte seria limitativo. Haverá algo que trate o tema PRIMAVERA com mais singularidade que a poesia, pintura, ou música ?

Quando Bachelard reconhece que o conhecimento vulgar também obtém conclusões importantes acrescenta: "quer se queira quer não, o racionalismo está ligado à ciência (.). Assim, quando o conhecimento vulgar e o conhecimento científico registam o mesmo facto, este facto não tem certamente o mesmo valor epistemológico, nos dois conhecimentos". Como a Arte se move nos domínios do metafísico, do espiritual e do fantástico, tira vantagens disso e actua com grande liberdade.

 

Entre muitos outros factos, a epopeia da fecundação das plantas veiculada pela Botânica descreve ocorrências que quando passam para o domínio da Arte, ou se complicam, ou se simplificam ou simplesmente parecem um "outro" fenómeno. É o caso das plantas de flores, as fanerogâmicas, cuja polinização depende em grande parte dos insectos. O encontro dos dois seres, flôr e insecto, não é acidental; depende do poder de atracção da flor, isto é, da força dos sinais ópticos que emite através das pétalas, ou do poder dos sinais olfactivos, provenientes das glândulas do perfume. Jean-Pierre Cuny informa que, "para saber se um insecto é guiado pelo cheiro, ou pela vista quando aterra numa flor, basta observar o seu voo; se for directo à flôr em linha recta é aterragem por meio de vista; se se aproximar em ziguezague ou contra o vento, é aterragem por por cheiro".

 

Se o insecto é cativado pela vista, a flôr guia-o até ao néctar ou por linhas bem visíveis ou por manchas. Há flores que possuem um sistema de "guia por cores" muito aperfeiçoado. Há casos em que quando a flôr é nova e está carregada de néctar, tem uma mancha amarela sobre o fundo branco; quando envelhece o amarelo passa a alanrajado e depois a vermelho. Porque os insectos não vêem esta cor, abandonam a flor e procuram outra, que ainda mantenha a mancha amarela.

Estes e muitos outros fenómenos influenciaram e continuarão a influenciar, quem os medita.

E foi assim que Camões impressionado com o colorido e ambiência de certa PRIMAVERA escreveu:

Vi já que a Primavera de contente
De mil cores alegre revestia
O monte, o rio, o campo alegremente

E o poeta Rodrigues Lobo celebra o Sol

Ninguém duvida que as flores desta Primavera
Devem mais ao Sol que as criou que à terra onde nasceram

E o poeta e cientista António Gedeão escreve estes versos onde a ciência convive com a poesia

É do regulamento ser viçoso
Quando a seiva crepita nas verduras
E frenética ascende aos altos vértices

E o pintor italiano Botticelli pinta um quadro a que dá o nome de PRIMAVERA.

 

Dos temas que inclui, o da dança e do amor são as que sugerem mais movimento: as três GRAÇAS realizam um bailado que parece circular e Zéfiro tenta agarrar a sua amada FLORA, que se esquiva. Entretanto uma jovem bela e serena, de olhos postos fora do quadro, espalha flores. É a PRIMAVERA.

E Stravinsky compõe uma música plena de ritmos estranhos e fortes harmonias, inspirada na PRIMAVERA eslava. É a SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA.

Haverá alguma relação entre todos estes fenómenos e o que Karl Popper afirma ? Ele garante que a célula primordial continua a viver. Diz ele: TODOS NÓS SOMOS ESSA CÉLULA PRIMEIRA. NÃO SE TRATA DE UMA IMAGEM OU DE UMA METÁFORA, MAS É LITERALMENTE VERDADEIRO (.) ELA FEZ DO NOSSO PLANETA UM JARDIM E COM AS PLANTAS VERDES CRIOU A NOSSA ATMOSFERA . CRIOU OS NOSSOS OLHOS E ABRIU-OS PARA O NOSSO CÉU AZUL E PARA AS ESTRELAS.

A PRIMAVERA, cada ano desempenha um papel importante nessa aventura da célula primordial.

Comentários