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Entrevista a Luis Manuel Gaspar

João Bugalho

Entre a ilustração e a poesia, encontramos o olhar de Luis Gaspar sobre a Natureza.

Nasci em Lisboa, no Verão de 1960. Tenho vivido entre a Graça e Alfama, o mesmo é dizer entre gaivotas e andorinhas, gatos e terraços com alguns vasos e, ao fundo, o Tejo. Os meus pais são de uma aldeia junto à Serra do Açor e por isso pude ter, durante muitos anos (e para sempre) dias e dias ao pé de ovelhas, campos e pinhais, e outro rio - o Alva - tão belo como o Tejo. Quando vi pela primeira vez as luzes das aldeias espalhadas na noite da serra achei que eram as mesmas que brilhavam na outra banda, vista em Lisboa, da minha janela.


-Quer fazer-nos um breve resumo da sua actividade quer no campo literário quer no da pintura?

Comecei em 1984, enquanto ia desistindo do Curso de Psicologia e trabalhava com crianças e adolescentes autistas. Publiquei quatro folhetos de poesia e colaborei com desenhos em trabalhos de muitos poetas meus amigos. Fiz capas e ilustrações para livros e revistas e algumas coisas para crianças. Como gosto muito de ler e vi que na nossa terra faltavam livros bem feitos de certos autores, lembrei-me de juntar amigos para fazermos esses livros que não havia. Por exemplo, de Raul Brandão, Francisco Bugalho e Almada Negreiros.

-Da pintura de temas relacionados com a natureza ou com os animais qual, ou quais, lhe deram mais prazer?

 

É um prazer bem distribuído. Da natureza participa a beleza estreme e as trevas onde se joga a vida e a morte. Gostei de desenhar de modo "realista" animais inexistentes e inquietantes e de retratar com afecto um rafeiro alentejano ou os meus gatos. E o drama do mar ferido pela rabada de um cachalote. E a maravilha de um torrão de terra à volta do charco que reflecte humílimas ervas. Ou este resumo de meses de trabalho em que acompanhei com ilustrações o livro Anatídeos de Portugal, de António Pena.

-Fale-nos um pouco sobre a sua forma, tão pessoal, de interpretar a natureza e de como aí chegou.

Não sei se a natureza existirá hoje, algures, em estado puro. O importante é que durante tantos anos o fogo e água, os animais, o vento e as mãos de muita gente conseguiram criar na terra uma espécie de silêncio densamente povoado, de que podemos ainda participar e onde se reconhece talvez, com um ritmo diferente no bater do coração, uma das faces da beleza. A paisagem natural, assim aperfeiçoada pelos séculos, resiste em alguns santuários do nosso dia a dia tão abalado. Pintar a natureza hoje? É tentar reflectir o que foi a imagem da eternidade humana e resiste agora quase clandestina - mas ainda beleza à mercê de olhos limpos.

-De entre os poetas que mais admira, cite-nos dois ou três em cuja obra a natureza tenha uma importância marcante.

Por exemplo, Aquilino Ribeiro, que não escreveu versos mas falou como ninguém da "moinha dos centeios padejados" e do "rescendor da macela e da labaça"; o nómada Ruy Cinatti (E os seus olhos fatigados sossegaram/ À sombra da floresta mergulharam / Na lagoa das águas em silêncio ...) e Francisco Bugalho à beira do tanque na "Tarde Quente" ouvindo o mesmo silêncio; Raul Brandão e António Osório, vendo voltar, cada ano, as andorinhas.

- Sei que sabe de memória muitos dos poemas de que mais gosta: cite-nos um em que o campo ou os animais sejam tema central.

Do livro "De Fevereiro a Fevereiro", de Gil de Carvalho:

E por Novembro
A galinhola toma-se da luz,
Já pouca, e levanta na bruma
De um pinhal
Coberto
Das montanhas ao mar.

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