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Desenvolvimento sustentável em pequenas ilhas

Isabel Abreu

A Agenda 21 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável reconhece as ilhas como um caso especial de fragilidade ambiental e económica, indicando medidas específicas para que estas consigam atingir um desenvolvimento sustentável.

As vulnerabilidades económicas, sociais e ecológicas das pequenas ilhas dificultam a tomada de medidas visando um desenvolvimento sustentável. No sentido de implementar a Agenda 21 adoptada em 1992 na Conferência do Rio para o Desenvolvimento Sustentável, teve lugar nos Barbados em 1994 a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável das Pequenas Ilhas, na qual foram estabelecidos princípios e compromissos a adoptar em várias áreas, designadamente: alterações climáticas, turismo, desastres naturais, resíduos, recursos marinhos, água, ordenamento do território, energia, biodiversidade, transportes, ciência e tecnologia. A Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável realizada em Joanesburgo em 2002 veio reafirmar a necessidade de olhar com atenção para o desenvolvimento das ilhas.


Dos Barbados às Maurícias

Passados 10 anos sobre a Conferência dos Barbados para o desenvolvimento sustentável das pequenas ilhas, importa agora avaliar o sucesso da implementação das medidas aí desenvolvidas. Para tal, terá lugar nas Ilhas Maurícias, de 10 a 14 de Janeiro de 2005, uma reunião que servirá para avaliar o progresso alcançado desde 1994 e ainda examinar alguns assuntos emergentes tais como a liberalização do comércio, a segurança e os cada vez mais frequentes desastres naturais. Outros objectivos desta reunião são a promoção da ajuda externa, o desenvolvimento de sistemas de previsão e alerta para fenómenos como cheias e ciclones e ainda a sensibilização da comunidade internacional para a redução da emissão de gases com efeito de estufa.

Porque são as ilhas tão especiais?

As ilhas enfrentam muitas desvantagens devidas à sua pequena dimensão e à sua localização, muitas vezes remota. Estas desvantagens incluem um leque reduzido de recursos naturais, grande dependência do comércio internacional, elevada densidade populacional causando grande pressão nos recursos já por si reduzidos, pequena dimensão dos mercados domésticos dificultando as economias de escala e grande dependência das importações de produtos, energia e tecnologia. A dependência de importações e exportações leva a que as pequenas ilhas sejam influenciadas pelas tendências de comércio internacional, dado o seu pequeno volume de trocas relativamente aos mercados externos. A liberalização do mercado veio retirar as condições preferenciais que muitas das ilhas tinham, passando a ter que competir com parceiros de maiores dimensões e que mais facilmente gozam de economias de escala.

 

As pequenas ilhas enfrentam problemas com os transportes, tendo elevados custos ao utilizarem o ar e o mar como o meio para as trocas comerciais e transporte de pessoas. Além disso, a sua reduzida economia requer reduzidas quantidades representando elevados custos por unidade. Este factor, aliado ao facto de os mercados internos serem reduzidos, torna pouco atraente o investimento do exterior nestas comunidades. 
 
Fragilidade ambiental

Muitas ilhas têm como actividade principal o turismo, representando muito frequentemente a exploração dos poucos recursos existentes, tais como a água potável e ainda a produção de resíduos sólidos e efluentes líquidos.

O isolamento geográfico das ilhas leva a que estas sejam habitadas por um grande número de espécies endémicas de fauna e flora, sendo locais importantes em termos de biodiversidade. Contudo, o nível de resilência das espécies é baixo, não só pelo baixo número de elementos, mas também pelas suas características de endemismo, pelo que estas espécies têm maiores dificuldades em recuperar de influências negativas.


Número de espécies endémicas, espécies ameaçadas e espécies extintas, em ilhas, em 2003

 Desastres naturais em pequenas ilhas em 2003, entre Janeiro e Setembro de 2003

 Alterações climáticas e desastres naturais

Apesar de as ilhas contribuírem pouco para a emissão de gases com efeito de estufa, são dos territórios mais susceptíveis aos efeitos das alterações climáticas e desastres naturais, tais como secas, tempestades, cheias e subida do nível do mar. O tsunami que afectou o sudoeste asiático em 26 de Dezembro de 2004 e os vários acidentes naturais que têm tido lugar por todo o mundo são terríveis exemplos da susceptibilidade das ilhas. No início de 2004, as ilhas Tuvalu sofreram os efeitos de ondas gigantes que destruíram as partes mais baixas destas ilhas, cujo ponto mais alto está apenas a 4,5 metros acima do nível do mar, tendo afectado os recursos de água potável e as culturas agrícolas. Dado que a maior parte da actividade económica das ilhas se desenvolve junto da costa, a subida do nível do mar tem efeitos socio-económicos negativos, podendo obrigar à deslocação das populações para outros locais. A erosão das praias e o branqueamento dos corais são alguns dos efeitos visíveis das alterações climáticas nestes ecossistemas. Apesar de não estar ainda provado, vários estudos apontam para um aumento de 10-20% da intensidade de fenómenos como ciclones, tsunamis e erupções vulcânicas como consequência das alterações climáticas.
 
Aquecimento e subida do nível do mar

Prevê-se uma subida da temperatura média de 1-3,5º C e uma subsequente subida do nível do mar de 15-95 cm no até ao ano 2100. A observação da evolução da situação de várias ilhas mostra que o mar tem subido cerca de 2mm por ano. Algumas ilhas têm desenvolvido medidas de adaptação a estes fenómeno como, por exemplo, a construção de paredes de protecção contra cheias como as que existem nas Maldivas. As medidas de adaptação apresentam custos elevados e, para tal, as ilhas dependem muito da ajuda externa para se adaptarem a estes fenómenos.

 

Subida do nível do mar observada e estimada

 
 Subida do nível do mar

Água

Os escassos recursos de água doce são ameaçados pela intrusão salina, usos de pesticidas, tratamento inadequado dos efluentes e deposição de resíduos no solo, entre outros factores. Existem exemplos de dessalinização da água do mar e de outros tipos de tratamento, bem como ao aproveitamento da água da chuva, com vista a fazer face à diminuição das reservas de água doce.

 
 
Energia

A maioria das ilhas recorre à importação de petróleo para a produção de energia, sendo a produção de electricidade bastante cara devido aos elevados custos de transporte do petróleo e à pequena dimensão do sistema de abastecimento. Não só por questões ambientais, mas também por questões económicas, algumas ilhas recorrem à produção de energia a partir de fontes renováveis, diminuindo a sua dependência da importação de combustíveis fósseis. Há exemplos de ilhas a recorrer à energia solar, geotérmica, eólica e da biomassa para a produção de electricidade.


Resíduos

De uma forma geral, as ilhas têm dificuldades em gerir correctamente os resíduos que produzem. A sua pequena dimensão e a dificuldade em conseguir economias de escala dificultam o desenvolvimento de infra-estruturas e tecnologias de tratamento. A reciclagem e a reutilização têm ainda pouca expressão nas ilhas devido à falta de tecnologia e aos elevados custos de transporte de envio dos resíduos para o continente. As políticas de gestão de resíduos em ilhas apontam para soluções integradas que passam pela reutilização e reciclagem e tecnologias de tratamento com aproveitamento de energia, para, por exemplo, produção de electricidade.

Considerações finais

Será que a Conferência dos Barbados sobre o desenvolvimento sustentável em ilhas trouxe melhorias? O que foi feito? O que falta fazer? Como? Estas são algumas das questões para as quais se espera que a Conferência das Ilhas Maurícias em Janeiro de 2005 venha a dar resposta. É indiscutível que as pequenas ilhas enfrentam muitas dificuldades para conseguirem um desenvolvimento sustentável e que apesar de algumas ilhas apresentarem melhorias em determinadas áreas, noutras áreas há ainda muito por fazer. É importante que as actividades turísticas das ilhas se desenvolvam de acordo com os princípios de protecção ambiental. A ajuda financeira e técnica do exterior é importante, nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento de sistemas de previsão e alerta para desastres naturais, para o investimento em tecnologias de tratamento dos resíduos e para a produção de energia a partir de fontes renováveis. Os produtores de gases com efeitos de estufa a nível mundial têm um papel importante na redução dos efeitos das alterações climáticas que tanto afectam as pequenas ilhas.

 

Referências

Abreu, I. GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM ILHAS. Portal Naturlink.

Barnett, J., W. Adger. CLIMATE DANGERS AND ATOLL COUNTRIES. Tyndall centre for Climate Change Working Paper No. 7. 2001.

Global Conference on the Sustainable Development of Small Island Developing States
REPORT OF THE GLOBAL CONFERENCE ON THE SUSTAINABLE DEVELOPMENT OF SMALL ISLAND DEVELOPING STATES Bridgetown, Barbados, 25 April-6 May 1994.

Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). SMALL ISLAND STATES. Chapter 17 of Climate Change 2001: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Cambridge University Press. 2001

United Nations Economic and Social Council. REVIEW OF PROGRESS IN THE IMPLEMENTATION OF THE PROGRAMME OF ACTION FOR THE SUSTAINABLE DEVELOPMENT OF SMALL ISLANDS DEVELOPING STATES. March 2004.

United Nations Economic and Social Council. FROM BARBADOS TO MAURITIUS: THE PROGRAMME OF ACTION FOR SMALL ISLANDS, TEN YEARS LATER. 2004.

United Nations Economic and Social Council. CLIMATE IMPACTS ALREADY FELT BY SMALL ISLANDS; GOVERNMENTS SEEK RESOURCES TO ADAPT. 2004.

United Nations Environment Programme (UNEP). Our Planet – Seas, oceans and small inlands. THE IMPACT OF NATURAL DISASTERS ON THE BIODIVERSITY OF SMALL ISLANDS STATES. Volume 15. 2004.

 

Links interessantes

Reunião internacional para revisão da implementação do programa de acção relativo ao desenvolvimento sustentável de pequenas ilhas, Maurícias.

International Scientific Council for Island Development

Small Island Developing States Network

United Nations for Sustainable Development – Small Island Developing States

 

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