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Gestão e valorização de lamas de ETAR

Rita Teixeira d’Azevedo

As lamas de Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) são geradas em quantidades significativas e constituem geralmente um problema em termos do seu destino final. No entanto, quando correctamente geridas, as lamas podem representar um importante recurso renovável.

1. Introdução

As lamas são um produto inevitável do tratamento de águas residuais, provenientes essencialmente da acumulação dos produtos em suspensão na água residual afluente, geralmente transformados pela acção de microrganismos em acção durante o tratamento.

Em termos genéricos, pode dizer-se que as lamas antes da sua aplicação final devem ser preferencialmente estabilizadas com o objectivo de se reduzir o seu poder de fermentação, responsável pela produção de gases e odores; reduzidas em volume para facilitar o seu manuseamento, transporte e armazenamento e, purificadas para eliminar o máximo de microrganismos patogénicos e elementos tóxicos.

O produtor das lamas ou a empresa responsável pela sua gestão tal como é estabelecido na legislação (Decreto-Lei nº 118/2006 de 21 de Junho, Portarias nº 176/96 e 177/96 de 3 de Outubro, e Decreto-Lei nº 178/2006 de 5 de Setembro) deverão ser responsáveis pela forma como irão ser utilizadas/valorizadas ou colocadas em depósitos de lamas/resíduos, respectivamente. Além da preparação adequada do biosólido, tendo em conta a sua utilização, deverá assegurar-se o acompanhamento da respectiva aplicação, disponibilizando os meios necessários à distribuição, deposição no solo, controlo analítico e eventual apoio técnico para definição da qualidade, quantidade e frequência de utilização dos biosólidos de modo adequado às necessidades.

2. Origem das lamas

As lamas caracterizam-se por apresentarem um elevado teor de humidade, de matéria orgânica e nutrientes (azoto, fósforo e potássio) e potencialmente metais pesados (micropoluentes inorgânicos), numa concentração importante de microrganismos patogénicos. Face a estas características, as lamas têm que ser convenientemente tratadas antes de serem enviadas para destino final.

Nas estações de tratamento convencionais, as lamas têm origem na operação de decantação primária e nos processos secundário e terciário. Em muitos casos, as lamas são obtidas na forma de lama mista (lamas primárias misturadas com lamas secundárias) no decantador primário. Noutras situações, as lamas são separadas em decantadores distintos e só posteriormente processadas em comum. As lamas geradas no tratamento terciário são geralmente em pequena quantidade, exceptuando quando está envolvida a precipitação química para remoção de fósforo.

As lamas são geralmente enviadas para espessamento de modo a ficarem espessas, tal como o nome indica, seguindo para desidratação, onde se reduz o volume de água presente nas lamas. A montante da desidratação as lamas podem ser estabilizadas, consoante o seu destino final.

3. Impactes no Ambiente e na Saúde Pública

Devido ao seu elevado teor em matéria orgânica, as lamas têm tendência a desenvolver condições anaeróbias, fermentando, entrando em putrefacção e, por conseguinte, gerando efeitos prejudiciais, quer para o Ambiente quer para a Saúde Pública.


Quando depositadas no solo sem qualquer tratamento, as lamas libertam gases tóxicos, resultado da decomposição anaeróbia, o que origina poluição atmosférica e riscos para o Homem, além dos óbvios odores intensos que causam incómodo. Os metais pesados que potencialmente se encontram na constituição das lamas (devido à potencial descarga de águas residuais industriais na rede de drenagem pública de águas residuais) irão infiltrar-se no solo, com consequente contaminação deste e das águas subterrâneas. Os metais pesados têm um efeito cumulativo e tóxico, pelo que, a ingestão de alimentos produzidos no solo contaminado e a utilização destas águas de má qualidade pode ser letal para o Homem. Relativamente aos microrganismos patogénicos, estes irão proliferar quer no solo, superficialmente ou por infiltração, quer nas águas subterrâneas, pelo que, além das evidentes contaminações ambientais, serão causa de proliferação de doenças.

4. Valorização e eliminação das lamas

As principais técnicas utilizadas para o tratamento das lamas, tendo em vista a sua adequada aplicação são: digestão anaeróbia, estabilização química com cal, compostagem de lamas, secagem térmica e eliminação por incineração.

4.1.Digestão anaeróbia

A digestão anaeróbia das lamas consiste num processo bioquímico de várias etapas que pode ser aplicado para a estabilização de diversos tipos de materiais orgânicos. O processo ocorre em três estágios sequenciais:

- 1º estágio/fase hidrolítica – ocorre a hidrólise dos complexos orgânicos sólidos, celulose, proteínas e lípidos que pela acção de enzimas extracelulares são degradados a formas solúveis, ácidos gordos orgânicos, álcoois, dióxido de carbono e amónia;

- 2º estágio/fase acidogénea – as bactérias acidogéneas transformam os compostos anteriormente referidos em ácido acético, ácido propiónico, hidrogénio, anidrido carbónico, sulfureto de hidrogénio e em compostos orgânicos de baixo peso molecular;

- 3º estágio/fase metanogénea – por acção das bactérias metanogéneas ocorre a conversão dos compostos obtidos na fase acidogénea em dióxido de carbono e metano. O biogás produzido, devido ao metano, permite a valorização energética das lamas.

- Estabilização química com cal

Com o intuito de evitar os impactes negativos ambientais e na saúde pública anteriormente descritos, torna-se necessário efectuar um tratamento às lamas tendo em vista a sua adequada aplicação, garantindo a sua inocuidade, ou seja, a sua higienização. Isto consegue-se recorrendo à estabilização química com cal.

A utilização de cal não produz uma redução de matéria orgânica das lamas. A sua acção de estabilização/desinfecção dos microrganismos presentes nas lamas é evidenciada quer através de simples elevação do pH das mesmas (para valores superiores a 12), com a utilização de cal hidratada [Ca(OH)2], quer através da conjugação deste fenómeno com o aumento de temperatura para valores superiores a 60 ºC, quando utilizada sob a forma de cal viva (CaO).

- Compostagem de lamas
A compostagem de lamas é um processo utilizado para transformar as lamas num produto de valor agronómico. Pode definir-se como um método de tratamento de resíduos sólidos provenientes do tratamento de águas residuais, no qual os compostos orgânicos decompõem-se biologicamente, em condições aeróbias controladas, até alcançar um estado que permita a sua manipulação, o seu armazenamento e a respectiva aplicação, sem impactes ambientais negativos, fazendo de todo o composto um excelente fertilizante e um adjuvante capaz de melhorar e de enriquecer as propriedades físico-químicas e biológicas dos solos.

Na Maia encontra-se em funcionamento a primeira estação de compostagem de lamas em Portugal, com uma produção média de 8 a 10 toneladas diárias de composto, que são facilmente escoadas para a jardinagem e para a agricultura.

4.4. Secagem térmica

Este processo consiste em reduzir o teor de humidade das lamas por adição de calor (através da evaporação da água), até um teor desejado que pode chegar aos 90 %. Consegue-se desta forma um produto quase sólido com cerca de 75 a 95 % de matéria seca, de textura geralmente granular, adequado a vários destinos finais. Permite ainda estabilizar e higienizar as lamas, facilitar a sua valorização orgânica ou a sua incineração, bem como reduzir os custos associados ao tratamento das lamas.

4.5. Eliminação por incineração

O objectivo principal deste processo é a queima dos componentes orgânicos combustíveis das lamas, de forma a que os produtos resultantes (gases e cinzas) sejam relativamente inertes. Complementarmente, conseguem-se obter reduções de cerca de 95 % em volume e peso sólido das lamas e a destruição de compostos tóxicos e patogénicos.

A incineração das lamas poderá ser efectuada aproveitando o poder calorífico das mesmas, em equipamentos específicos para o efeito, com ou sem prévia secagem térmica. Existem também a nível europeu experiências de co-incineração, em incineradoras de resíduos sólidos urbanos (RSU), com capacidade excedentária ou a queima em fornos de cimenteiras ou em centrais termoeléctricas a carvão.

5. Destino final das lamas

No que concerne ao destino final das lamas, apontam-se como referência as seguintes soluções: valorização agrícola; recuperação de solos; florestas; recobrimento de aterros sanitários; selagem de lixeiras (recuperação paisagística); construção civil (fábricas de tijolos); cerâmica (incorporação de 20 % de lamas); estradas (recuperação/sementeira de taludes); áreas verdes; co-incineração/cimento (incorporação no cimento, valor calorífico para a queima); incineração (combustível, valor calorífico para as incineradoras); co-compostagem com RSU.


Deverá ter-se como especial preocupação o encorajamento do uso correcto das lamas, a protecção das plantas, solo e águas subterrâneas e a salvaguarda da saúde humana e dos animais.

 

Bibliografia

Azevedo, R. T., 2003. Remoção de Nutrientes de Águas Residuais, Portal Naturlink.
Azevedo, R. T., 2003. Tecnologias de Tratamento de Águas Residuais Urbanas, Portal Naturlink.
Azevedo, R. T., 2004. Descarga de Águas Residuais na Ria Formosa – Cabanas de Tavira, Portal Naturlink.

 

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