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Marés Negras - O Mar Ameaçado

Ângela Pereira

As marés negras, cada vez mais frequentes devido à intensificação do tráfico de crude por via marítima, constituem verdadeiras catástrofes ecológicas, com efeitos devastadores e persistentes, difíceis de mitigar.

Torrey-Canyon (Mancha - Cornualha, 1967), Amoco-Cadiz (Portsall - Finisterra, 1978), Exxon-Valdez (Alasca, 1989) e, recentemente, Jessica (Galápagos, Janeiro de 2001), entre muitos outros, são nomes célebres pela mesma razão: marés negras, ou seja, desastres ecológicos.

Quer pelas causas que lhes estão na origem (sejam acidentes marítimos ou derramamentos voluntários), quer pelas quantidades de petróleo derramado (por exemplo, 119 000 toneladas no Torrey-Canyon e 227 000 toneladas no Amoco-Cadiz), quer ainda pela destruição massiva de populações de aves marinhas, peixes, crustáceos e moluscos costeiros, as marés negras constituem um espectáculo perversamente mediático, deixando-nos uma impressão de quase irreversibilidade.

As 260 000 toneladas de animais mortos pelo derramamento de crude do Amoco-Cadiz serviram, sobretudo, para alertar o Ocidente para a fragilidade dos oceanos, e para a sua já escassa capacidade de regeneração. No entanto, já na década de 90 e a título de exemplo, a Guerra do Golfo deu origem a uma das maiores marés negras de sempre: cerca de 500 000 toneladas de petróleo forram derramadas nas águas do Golfo Pérsico. Longos troços da costa do Kuweit ainda estão a sofrer os efeitos desta catástrofe. Em algumas áreas, o número de animais marinhos presentes passou de centenas de milhar para menos de uma centena. No deserto persistem lagos de petróleo que asfixiam toda a vegetação, insectos e pássaros, por libertação de nuvens de gases tóxicos para a atmosfera.

 

Fig. 1 - O navio-petroleiro Amoco-Cadiz afundado ao largo da costa britânica.

 

 

A "espectacularidade" destes derramamentos de petróleo bruto no mar deve-se ao facto de resultarem essencialmente de naufrágios de navios petroleiros, provocados por erros de navegação ou por colisões com rompimento do casco, acompanhados de incêndios. Como se pode observar pela tabela seguinte, estes contribuem numa pequena parte para a totalidade do petróleo que é derramado nos oceanos. No entanto são eles os responsáveis pelas verdadeiras marés negras, pois tratam-se de lançamentos súbitos de grandes quantidades de crude, que afectam grandes áreas costeiras e de mar aberto.

Com o crescimento do comércio marítimo, estas catástrofes têm ocorrido cada vez em maior número. Já no princípio do século XX, com o início do transporte a granel de hidrocarbonetos por via marítima, verificou-se que esta prática comportava alguns riscos, não só para o ambiente, mas também para as pessoas embarcadas. No entanto, só com os primeiros grandes acidentes é que esta questão começou a merecer a atenção e preocupação da opinião pública.

O petróleo não se dissolve na água - flutua à superfície ou próximo desta. Desta forma, as aves ficam impregnadas e as suas penas ganham permeabilidade, o mesmo acontecendo com o pêlo dos mamíferos marinhos. Como resultado, os animais ficam mais pesados e afogam-se. Também ocorrem mortes por envenenamento, devido à ingestão directa de petróleo ou por inalação dos compostos aromáticos voláteis que contaminam a atmosfera.

Fig. 2 - Petroleiros acidentados.

Os derrames petrolíferos também provocam efeitos climáticos prejudiciais. A capa oleosa, que se forma à superfície, impede as trocas de água entre o oceano e a atmosfera, causando uma diminuição na precipitação. Simultaneamente, a atmosfera fica carregada de partículas de hidrocarbonetos, agravando, globalmente, o problema das chuvas ácidas.

Fig. 3 - A fauna e as marés negras: (A) Ave marinha morta coberta por petróleo; (B) Ave Marinha envenenada por petróleo; (C) Caranguejo coberto de petróleo; (D) Foca coberta de petróleo.

A recolonização lenta e progressiva do meio marinho só tem início após a dissipação da poluição, ou seja, assim que a quase totalidade do petróleo se tenha evaporado e dispersado, e que as zonas costeiras estejam limpas. O intervalo de tempo necessário à recuperação do ecossistema depende de numerosos factores e varia consoante o caso. Quando estas catástrofes ocorrem em mares regionais interiores, os efeitos nos ecossistemas são mais graves, devido à dificuldade de renovação e depuração das águas. Os fundos marinhos de alta produtividade, como o são os das zonas estuarinas e lagunares, são mais frágeis.

Numa fase inicial de recuperação, constata-se uma rápida diversificação das espécies presentes. Esta colonização atinge níveis mais elevados do que aqueles que se verificavam antes da maré negra. Este fenómeno momentâneo explica-se pelo enriquecimento em matéria orgânica com origem na degradação dos hidrocarbonetos constituintes do petróleo. Depois dá-se o reequilíbrio gradual do ecossistema. Para os meios mais frágeis estima-se que o período necessário à estabilização das populações afectadas seja de cerca de uma década.

Fig. 4 - Imagens da espessa camada de petróleo que cobre as costas rochosas (1) e arenosas (2) como resultado de um derrame.

Com a multiplicação das marés negras, as estratégias e os meios para o seu combate também têm sido aperfeiçoados. O primeiro objectivo de uma operação deste tipo consiste em impedir a aproximação massiva do petróleo às zonas costeiras, onde a sua eliminação é mais difícil e onerosa. Existem várias técnicas de combate e limpeza das marés negras: afundamento; combustão; utilização de absorventes; utilização de detergentes e dispersantes; biorremediação ou degradação biológica e recolha mecânica.

A técnica de afundamento do lençol de petróleo (por aumento da sua densidade) tem efeitos nocivos sobre a flora e a fauna dos fundos oceânicos. A combustão consiste na queima do petróleo como forma de o eliminar, mas as altas temperaturas promovem a solubilização de componentes tóxicos, o que não favorece o processo, para além de gerar grandes quantidades de fumos (poeiras e dióxido de carbono que agravam o efeito de estufa). Por vezes usam-se substâncias absorventes, tipo esponja, para reter o petróleo. Também o uso de detergentes tem-se revelado prejudicial. Estes são produtos químicos que provocam a dissolução e dispersão do petróleo. No entanto, os compostos resultantes da mistura são mais tóxicos, e a sua biodegradação é mais lenta, pois tendem a precipitar e a depositar-se em profundidade. Todavia, têm sido feitos esforços para que estes produtos sejam cada vez mais ecológicos. Na biorremediação, as bactérias decompõem o petróleo em substâncias mais simples (combustão natural). Estas bactérias são extraídas do amido de milho, e para digerir 1 litro de petróleo consomem o oxigénio de 327 litros de água do mar, pelo que se agrava o risco de asfixia do meio marinho.

Fotografias de José Romão

A recolha mecânica é aparentemente o método ideal, pois não fere o ambiente, mas torna-se difícil de executar em condições atmosféricas adversas. Esta consiste no uso de sistemas de retenção insufláveis, para evitar que o óleo atinja as costas. Desta forma o petróleo pode ser contido e recuperado para posterior utilização, com recurso a equipamentos denominados skimmers. Os skimmers separam o óleo da água por centrifugação (a água do mar é mais densa que o petróleo, pelo que este tende a concentrar-se no centro de rotação, podendo ser bombeado para fora), por elevação (fazendo uso de correias transportadoras), e por adsorção (com recurso a materiais oleofílicos, ou seja, que atraem o petróleo).

Em alguns casos, particularmente em mar alto, pode ser preferível deixar que a natureza se encarregue de restabelecer o equilíbrio do meio, especialmente se as operações de limpeza forem difíceis e ineficientes. A energia das ondas e a luz solar ajudam a decompor e a diluir a massa de petróleo.

Fig. 5 – Métodos de combate e limpeza das marés negras: (A) Sistema e retenção insuflável junto à costa; (B) Avião lançando dispersantes sobre uma maré negra; (C) Uso de dispersantes na costa rochosa afectada por maré negra; (D) Limpeza de uma ave coberta por petróleo.

Naturalmente, o que é desejável, e porque são conhecidos os efeitos nefastos das marés negras, é que este tipo de desastre ecológico seja progressivamente menos frequente ou mesmo inexistente. No entanto, o planeta está cada vez mais dependente do petróleo (ainda que se procurem energias alternativas), o que nos leva a concluir que a probabilidade de ocorrência destes acidentes seja cada vez maior. Assim, parece que a solução passa, evidentemente, pela prevenção, que deveria incidir sobre as seguintes acções:

- Melhoramento das técnicas de navegação;
- Formação da tripulação, quer ao nível dos conhecimentos de navegação, quer ao nível dos problemas associados ao transporte de cargas perigosas;
- Reforço da legislação, regulamentos de segurança e vigilância sobre a poluição marinha;
- Construção de navios mais resistentes (e.g. com duplo casco);
- Maior investimento em manutenção de navios, contentores e condutas;
- Maior protecção das zonas sensíveis.

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