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As aves e o controlo de pragas florestais

António Cláudio Heitor

As pragas são um dos grandes problemas das florestas e um dos maiores desafios para o gestor florestal. Vários meios são utilizados na sua luta, mas é cada vez mais reconhecido que se deve apostar em meios que garantam o equilíbrio do ecossistema.

As aves insectívoras têm um papel muito importante nos ecossistemas florestais, ao influenciarem, de diversas formas, a dinâmica e o tamanho das populações da maioria dos insectos presentes nestes habitats. As aves têm uma acção quer directa, pois são predadores dos insectos, quer indirecta, ao favorecerem as populações de outros predadores, de parasitas, de agentes patogénicos (ao ajudarem à dispersão de fungos), e podem mesmo alterar o microclima do local onde se encontra a população de insectos.


Os insectos nocivos aos povoamentos florestais são uma minoria, mas podem tornar-se uma praga, geralmente quando atingem efectivos populacionais muito elevados. As aves controlam os surtos epidémicos e os ciclos populacionais dos insectos, podendo aumentar o intervalo entre vários surtos ou diminuir a sua intensidade. 
 
Para além disto, ao contribuírem para o normal funcionamento e evolução do ecossistema florestal, com a participação na dispersão de sementes e na reciclagem dos nutrientes, as aves desempenham um papel importante na sucessão ecológica florestal e dão o seu contributo para a manutenção de um bom estado sanitário dos povoamentos florestais, que ficam desta forma menos susceptíveis aos ataques das pragas.


O mau estado sanitário dos povoamentos florestais é uma das principais razões que levam ao aparecimento de fortes ataques de pragas nos povoamentos florestais de produção. Este é o caso de muitas das áreas recentemente florestadas (século XX) no nosso País, que aquando do planeamento e da instalação, os objectivos de produção de material lenhoso no mínimo período de tempo deixaram um pouco aquém as preocupações com o estado sanitário dos povoamentos.


Como resultado apareceram áreas extensas, homogéneas e contínuas de floresta dominada, muitas vezes, por uma ou duas espécies, normalmente o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) na primeira metade do século XX, substituído gradualmente pelo eucalipto (Eucaliptus globulus) na segunda metade do século XX.


Nos eucaliptais, ecossistemas muito “artificiais”, ao qual as nossas espécies faunísticas e florísticas estão pouco adaptadas, pelo facto do eucalipto ser uma espécie exótica, a diversidade biológica associada não é muito grande, quer em termos de insectos e de outros agentes passíveis de afectar a sanidade das árvores, quer de predadores desses mesmos insectos. Como resultado os eucaliptais estiveram sempre protegidos de pragas e doenças, pelo que não havia inicialmente problemas com o estado sanitário destes povoamentos. Mais tarde assistiu-se à importação de agentes patogénicos das áreas de origem, por falta de cuidados com medidas de quarentena, certificação e inspecção, acompanhado por uma adaptação, a este novo habitat, de espécies estabelecidas no nosso país. Como exemplo temos a introdução do Gorgulho do eucalipto (Gonipterus scutellatus Gyll.), que sendo originário da Austrália, tem vindo a expandir-se pelo sul da Europa, depois de ter atravessado o continente Africano desde a data da sua introdução na década de cinquenta, causando muitos estragos nos eucaliptais europeus.  

 Durante a maior parte do século XX, a maioria destes problemas com pragas era tratada com produtos químicos (por exemplo, DDT para os insectos desfolhadores), tendência essa que tem vindo a desaparecer, pois sabem-se hoje os perigos para a saúde pública que esses tratamentos acarretam. Para além disso, outros valores têm sido tomados em linha de conta, como a manutenção da biodiversidade, severamente afectada por tais tratamentos. Hoje em dia promovem-se processos que resolvam os problemas sanitários, mas que não sejam prejudiciais para a sustentabilidade do ecossistema e é aqui que as aves podem ter um papel cada vez mais importante como reguladores das populações de pragas e doenças, a par de todos os outros inimigos naturais desses insectos e de medidas culturais de prevenção na condução dos povoamentos.


As aves podem alimentar-se de insectos durante uma parte ou durante todo o seu ciclo de vida, e o seu efeito nas populações de insectos nocivos para a floresta pode potencialmente servir de base, ou de apoio, a um programa de combate de pragas florestais.  

Pode-se considerar que a maioria das aves insectívoras são consumidores facultativos, polífagos, pelo que existem dados muito contraditórios quando se pretende quantificar o seu impacto nas populações de insectos. Contudo, a sua acção como meio de luta biológica é unanimemente considerada como positiva. Mas a promoção de um plano de gestão florestal (protecção integrada, onde não se utiliza apenas os meios de luta químicos) com a recorrência às aves deverá acarretar ainda o desenvolvimento de estudos dos impactes das aves nas dinâmicas populacionais dos insectos, do impacte no nível do ataque dos insectos e de monitorização das interacções.


Como exemplo da importância das aves no controle das populações de insectos, pode-se referir:

- O Cuco (Cuculus canorus), que se alimenta das larvas da processionária (Thaumetopoea pityocampa).

- A Felosa-musical (Phylloscopus trochillus) que chega a consumir 190% do seu peso por dia em insectos.

- Os Pica-paus (família Picidae), que podem alimentar-se de muitas larvas e adultos de espécies florestais.

- O Grou (Grus grus), que inverna no interior da Península Ibérica e aproveita os montados para se alimentar das bolotas das azinheiras. Assim, poderá ser considerado como uma inimigo natural de pragas de montados que passem o Inverno no fruto, como os Gorgulhos (Curculio sp.), sendo o seu papel tanto mais importante nos montados com cereal no sub-coberto onde não há pastoreio e onde os Grous mais abundam.

- Alguns membros da família Turdidae, como o Melro-preto (Turdus merula) e a Tordeia (Turdus philomelos), podem ter como base alimentar fundamental (mais de 50%) os insectos, especialmente Coleoptera, Hemeoptera, Lepidoptera, apesar de também usarem alguns predadores naturais (aranhas e formigas), na sua dieta diversificada.

A gestão das populações de predadores naturais das pragas florestais pode ser uma técnica bastante útil para as florestas do futuro, por forma a contribuir para a sustentabilidade do sistema. Para além disso, é uma técnica de fácil implementação, com baixos custos e que pode ser bastante eficiente como regulador de baixas populações de pragas. É necessário, contudo, investir uma grande esforço na monitorização das populações de predadores e de pragas. 
 
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