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Os Sobreirais da Serra Algarvia no contexto do Desenvolvimento Rural

Ana Arsénio, In Loco

Falar dos Sobreirais na Serra Algarvia obriga a compreender a história de Portugal, a sua economia e os seus principais momentos político-sociais. A situação em que se encontram exige uma atenção especial, sob pena de desaparecerem no futuro próximo.

Quando se fala em políticas de desenvolvimento, somos muitas vezes remetidos para quadros de medidas que permitem intervenções, de forma a promover o aproveitamento dos recursos do território e a proporcionar qualidade de vida aos seus residentes.

Mas se para uns construir infra-estruturas é desenvolvimento, para outros, o desenvolvimento só é efectivo se cada projecto for participado e apropriado pelos seus directos beneficiários, se contemplar o aproveitamento e valorização sustentada dos recursos e potencialidades locais, consolidando ou criando rendimento e emprego.

Em suma, também quando lemos ou ouvimos falar de Desenvolvimento Rural, nem sempre estaremos, objectivamente, perante o mesmo conceito.

A frase de Brito de Carvalho: “É necessário o Homem para que a árvore tenha viabilidade”, ilustra bem a intimidade das 3 vertentes que devem ser a base do Desenvolvimento Rural: a social, a ambiental e a económica.

 

 

No entanto a maior parte da população portuguesa reside e concentra-se na faixa litoral, sobrecarregada pela indústria e actividades económicas do sector comercial e administrativo e pelo turismo.

Esta distribuição desequilibrada da população, das actividades económicas, das infra-estruturas e dos investimentos dificulta qualquer estratégia que vise um harmonioso ordenamento do território.

A solução não será transpor para o espaço rural os modelos de crescimento económico que vigoram no litoral, mas partir do que são os recursos existentes para, de forma sustentável, potenciar o seu aproveitamento e valorização.

Hoje a serra do Algarve vive a sensação de um futuro incerto. À espera que os sobreiros morram, (que na cura já se perdeu a esperança) que os velhos morram, que a esteva invada e o fogo destrua o que resta… Não se sabe o que vem depois, o que se poderá fazer…?

Projectos recentes multiplicam-se no sentido de recuperar o tempo que já se perdeu, na esperança de resgatar saúde e juventude, de retroceder esta marcha ou pelo menos preparar o espaço e as pessoas para o que vem a seguir.

A população é maioritariamente envelhecida, a propriedade é pequena, o novo proprietário é ausente, a mão-de-obra é reduzida e cara, a gestão florestal parece uma tarefa quase impossível. O apoio técnico só agora começa a ser valorizado e reconhecido por parte dos proprietários florestais. 
 
A gestão até aqui tem-se limitado à reflorestação, limpeza de matos, total ou apenas em “ruas” para retirar a cortiça, incorporando-se só muito recentemente mecanismos de protecção e de vigilância.

Pensa-se nos fogos quando eles estão à porta. Poucos são os casos de diversificação, e em que se associe à produção florestal outros usos e aproveitamentos: criação de gado, aproveitamento energético, aproveitamento de recursos secundários. A gestão florestal não é vista como um investimento a longo prazo mas assunto de gestão corrente.

O proprietário florestal terá que rentabilizar a sua exploração para poder ver retorno dos investimentos efectuados. E para essa rentabilização todos os recursos contam, numa óptica de multifuncionalidade e plurirendimento. A par da produção é fundamental trabalhar a transformação, acrescentar valor, abrir canais e fileiras para escoar.

Mas este cenário deve ser acompanhado de uma mudança radical na administração pública. Para que essa pluriactividade aconteça deverá haver um tecido institucional que facilite e oriente estas iniciativas. Não se tratam de estímulos financeiros, mas de aconselhamento técnico, facilitação, ao contrário da realidade presente de obstaculização burocrática.

Paralelamente deverá haver uma concertação de planos e programas de desenvolvimento e ordenamento. Os planos de conservação e protecção ambiental deverão coexistir com as actividades económicas que permitem uma gestão e manutenção de espaços rurais.

Basta ver na vizinha Espanha, os casos do porco preto, do mel, dos cogumelos e outros produtos silvestres, do artesanato, e, mais recentemente da produção de biomassa. As nossas potencialidades são muitas e iguais às do país vizinho. Não é uma questão de inveja mas de bom-senso. É esta atitude proactiva, generalizada a todos, que faz a diferença. Ela é suficiente para dinamizar um território rural. Ela é a melhor estratégia de desenvolvimento.

A gestão florestal da Serra do Caldeirão passa por ligar o Homem à Terra. Na perspectiva emocional, social, cultural, económica e ambiental.

Se antes a gestão assentava na polivalência de actividades, na exploração de recursos variados ao longo do ano, na manutenção de espaços limpos e produtivos e na presença constante do homem, porque é que actualmente estamos tão afastados deste modelo? Por medo de regressar “às passas do Algarve”? 

Temos que reconhecer que hoje vivemos uma realidade diferente, mas o recurso à inovação e à modernização da forma de realizar as actividades pode ser a chave para a promoção de um desenvolvimento sustentável para o mundo rural.

Estaria aqui a solução para os incêndios florestais. Igualmente haveria uma poupança de recursos públicos evitando accionar planos de emergência e de calamidade.

Para além dos rendimentos financeiros de cada actividade económica, fomenta-se o ordenamento e a promoção do território, a sua dinamização, e o essencial, está-se a contribuir para a conservação da base de todas estas actividades e da sua perpetuação para as gerações futuras. Estamos a garantir que o “solo” seja usado num futuro próximo. Estamos a garantir que se dê continuidade ao que se começou.

A morte dos sobreirais arrasta consigo inevitavelmente outras actividades económicas que estão intimamente ligadas e perfeitamente integradas no espaço rural. E são estas actividades que mantém viva a Serra, mobilizando gentes e recursos, dinamizando espaços e produtos. Assim estas tornam-se na principal preocupação do Desenvolvimento Rural, pilares para uma estratégia de revitalização e sustentabilidade.

Existem presentemente, condições favoráveis a uma nova fase do ordenamento florestal. Na sequência dos dramáticos incêndios ocorridos na Serra Algarvia em 2003 e 2004, com consequências económicas e sociais graves e, em que o bem-estar e a qualidade de vida das populações estiveram seriamente ameaçados.

A consciência das alterações ambientais eminentes vem criar condições para uma nova política de ordenamento florestal que se preocupa com a gestão e protecção, incluindo a sensibilização e participação das populações e, a sua responsabilização pela gestão dos espaços.

É fundamental que esta nova geração de políticas florestais responda ao desafio fundamental: fixar populações, criar postos de trabalho, diversificar o uso da floresta, gerir adequadamente os riscos de incêndio visando a sustentabilidade do sector florestal e do espaço rural.

Para o conseguirmos é preciso empenhamento de todos: dos proprietários florestais, dos técnicos, das organizações de produtores e de desenvolvimento rural, da administração pública com implicações no ordenamento e gestão do território, no enquadramento legal e fiscal das actividades, na criação de condições que favoreçam o exercício de actividades sustentáveis e que contribuam para a fixação de população activa e com competências.

 

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