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Xiloteca de madeiras tropicais e comércio internacional

Fernanda Bessa, Teresa Quilhó e Helena Pereira - Centro de Estudos de Tecnologia Florestal, Instituto de Investigação Científica Tropical e Centro de Estudos Florestais, Instituto Superior de Agronomia

O comércio de madeiras tropicais tem uma elevada e crescente importância económica e de conservação, a nível mundial. Neste contexto, a existência de xilotecas, físicas e virtuais, é de extrema utilidade segundo diversas perspectivas.

O comércio internacional de madeiras constitui um dos grandes fluxos comerciais do planeta, incluindo desde troncos inteiros não processados (rolaria) até produtos da indústria de madeira (por exemplo, painéis de madeira e pasta para papel). As madeiras tropicais constituem uma parte importante deste fluxo, na maior parte dos casos transaccionadas como rolaria entre os países produtores da África, América do Sul e Ásia, e os países consumidores, principalmente da Europa e América do Norte.

 Este comércio tem registado um crescimento continuado. Por exemplo, entre 1991 e 2001, as exportações de rolaria aumentaram de África de 4,06 para 5,35 milhões de m3, do Brasil de 70 para 574 mil m3, da Indonésia de 136 mil para 5,5 milhões de m3. Neste período, as importações da União Europeia cresceram de 32,8 para 54,1 milhões de m3.

A protecção de espécies

Apesar da enorme diversidade existentes entre as madeiras das diferentes espécies, quer em aspecto (Figura 1) quer em propriedades, o comércio das madeiras tropicais restringe-se em geral a um pequeno número de espécies, o que leva frequentemente à sua sobreexploração, podendo pôr em causa a sustentabilidade da floresta. É o caso da umbila (Pterocarpus angolensis), chanfuta (Afzelia quanzensis), jambire (Milletia stuhlmannii), pau-preto (Dalbergia melanoxylon), mecruse (Androstachys johnsonii) ou iroko (Milicia excelsa).


Figura 1. Exemplos de variação cromática de madeiras que podem ir desde o quase branco até ao preto. 
 

O comércio e o uso de madeiras têm vindo a ser submetidos, nos últimos anos, a crescentes escrutínios, restrições e controle devido à necessidade de respeitar acordos internacionais no domínio da preservação de espécies protegidas, da biodiversidade e da sustentabilidade dos sistemas florestais.

A CITES (Convenção sobre o comércio internacional das espécies da fauna e da flora selvagem ameaçadas de extinção), uma convenção internacional em vigor desde 1975 e subscrita por 157 países (entre os quais Portugal), restringe o comércio de diversas espécies consideradas em risco de extinção. São exemplos o pau-santo, o pau-preto, os mognos americanos ou o sândalo vermelho (Quadro 1).

Quadro 1. Lista das espécies madeireiras cujo comércio é restringido pela CITES 
 
 

Este facto é especialmente importante para as regiões e países com forte indústria de produtos florestais, importadores de madeiras, nomeadamente tropicais ou "exóticas", como é o caso da União Europeia e, particularmente, de Portugal.

Acresce que actualmente é dada atenção pelos consumidores e organizações não governamentais aos aspectos de conservação ambiental e sustentabilidade florestal, sendo de prever que o controle de proveniência de madeiras se torne cada vez mais restritivo e exigente, obrigando, por exemplo, a certificados de identificação e origem. A obrigatoriedade de apresentação de um certificado de identificação de uma madeira aplicada em obra poderá também constituir uma medida de controle para o comércio das madeiras e contribuir para diminuir o abate indiscriminado de espécies protegidas.

Existe um exemplo recente ocorrido em Portugal, em 2000, quando uma organização não governamental impediu o desembarque nos portos de Leixões e Viana de Castelo, de madeiras africanas provenientes dos Camarões, destinadas à indústria de madeira, sob suspeita do comércio de espécies protegidas pelo CITES. A saída dos troncos dos portos apenas foi possível após a sua identificação como espécies de comércio autorizado, um trabalho que foi levado a cabo pelo Centro de Estudos de Tecnologia Florestal do Instituto de Investigação Científica Tropical. 
 
A identificação de madeiras

A identificação das madeiras é uma tarefa difícil e especializada, dada a enorme diversidade existente de espécies tropicais, a semelhança que ocorre entre algumas espécies e a multiplicidade de nomes vernáculos e comerciais, nem sempre correspondendo à mesma designação científica.

Para além da observação macroscópica da madeira (cor, textura, etc.), é necessária a observação à lupa para caracterizar a estrutura geral do tecido e, seguidamente, observá-lo em microscópio. A observação microscópica, feita em cortes finos (cerca de 20 micrómetros de espessura) e com colorações adequadas, permite caracterizar os elementos celulares quanto a tipo, forma e dimensões, assim como a presença de elementos de diagnóstico (por exemplo, cristais no interior das células). A existência de uma xiloteca e laminoteca de referência, assim como documentação adequada, são imprescindíveis.

Muitos dos conflitos que ocorrem entre clientes, industriais de madeira e importadores são devidos a questões de identificação das madeiras, frequentemente de nomenclatura. É de referir também que não existem normas ou regulamentação para a certificação de madeiras, o que vem dificultar ainda mais este processo.

A xiloteca

Existem poucos organismos vocacionados e com experiência de identificação de madeiras tropicais, com equipamento laboratorial específico, bibliografia especializada e principalmente com material de referência (amostras, lâminas com a estrutura de madeiras).

O Centro de Estudos de Tecnologia Florestal (CETF) do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), foi desde a sua criação direccionado para a identificação de madeiras, sobretudo tropicais, servindo-se para isso de uma xiloteca e laminoteca (Figura 2) que incluem muitas colecções de madeira de diversas origens (África, América, Ásia e Europa), e de laboratórios de apoio à investigação na anatomia e tecnologia da madeira.


Figura 2. Aspecto das colecções existentes na xiloteca do Centro de Estudos de Tecnologia Florestal (IICT) incluindo amostras de madeira, blocos para corte, e lâminas de montagem permanente com cortes finos para observação microscópica, exemplificando as três secções da madeira (transversal, tangencial e radial)
 

Na xiloteca, as madeiras estão organizadas por colecções, consoante a sua origem geográfica, e incluem: uma amostra de madeira (13 x 6 x 1 cm) com a correspondente representação na laminoteca, que inclui preparações definitivas com as três secções da madeira (transversal, tangencial e radial) e ainda lâminas com os respectivos elementos celulares dissociados. Existem, para cada madeira, frascos com exemplares talhados em bloco, que possibilitam a realização, em qualquer altura, de novos cortes histológicos para estudos adicionais da estrutura da madeira (Figura 2).

Um grande número destas madeiras é proveniente de missões realizadas nas regiões tropicais (nomeadamente em Angola, Moçambique, São Tomé e Princípe, Guiné, Goa e Timor), enquanto outras foram cedidas ou trocadas com laboratórios similares.

A xiloteca permite desde logo apreciar a grande diversidade no aspecto geral da madeira das diferentes espécies, tanto na cor, brilho, desenho, cheiro, textura e fio. Esta diversidade resulta da variabilidade anatómica e química, e traduz-se em diferentes propriedades físico-mecânicas e durabilidade, dando origem às mais diversas utilizações. Deste modo, para cada espécie, devem ser conhecidas as características estruturais da madeira e as suas propriedades, relacionando-as com os seus usos potenciais.

A organização de colecções de madeiras e a sistematização da informação é considerada fundamental quando se pretende a identificação de uma madeira, dando suporte aos estudos comparativos feito entre amostras. Torna-se assim fundamental o desenvolvimento experimental de um sistema de gestão de informação para a caracterização e a utilização das madeiras.


Uma xiloteca virtual

Na sociedade de informação em que vivemos, também para uma xiloteca é importante a sistematização e a informatização do material existente em base de dados que permita a respectiva divulgação. Tal está a ser feito na xiloteca do CETF-IICT, em colaboração com o Centro de Estudos Florestais, para as colecções de madeiras tropicais.

A informação a disponibilizar inclui o inventário das espécies, e as respectivas fichas caracterizadoras: distribuição geográfica, descrição botânica, nomenclatura, características anatómicas, propriedades físicas e mecânicas, utilizações, assim como imagens do seu aspecto geral macroscópico e da estrutura microscópica da madeira.

A base de dados permite também a consulta rápida através de diferentes entradas e sobre diversos aspectos, de acordo com a necessidade do utilizador (Figura 3).


Figura 3. Exemplo de informação fornecida pela xiloteca virtual do CETF-IICT 

Alguns exemplos de perguntas concretas que podem ser respondidas pela base de dados são:

- quais as espécies que correspondem ao nome comercial de mogno?

- quais as madeiras castanhas escuras e de grande densidade que se podem utilizar para soalho?

- quais as características, incluindo fotografias, da madeira de umbila?

Trata-se de fornecer informação técnica e científica sobre madeiras a entidades públicas, privadas e cooperativas, e particularmente à indústria de madeiras, às entidades que praticam exploração florestal e ao sector de comercialização (mercado nacional e internacional), permitindo deste modo um maior conhecimento e melhor utilização de matéria-prima.

Pensa-se também que a grande diversidade de espécies de climas tropical ou subtropical representa um potencial económico importante, que permite uma exploração diversificada, incluindo espécies actualmente consideradas como secundárias, e que a disponibilização da informação através de uma xiloteca virtual poderá contribuir para tal.

 


 
 Projecto AGRO - “Floresta e Ambiente On Line - Divulgação e Promoção dos Produtos Florestais” - Projecto nº 200 151 00 27 640

 

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