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Rios que nos Separam, Águas que nos Unem

Amparo Sereno, EURONATURA

Uma reflexão sobre o reforço da crucial cooperação Luso-Espanhola sobre recursos hídricos nas Bacias Hidrográficas Internacionais, na perspectiva de uma investigadora em direito ambiental.

Quando em 1864 se assinou o primeiro Tratado de Limites entre Espanha e Portugal, os rios internacionais ibéricos serviram como instrumento para a demarcação da linha divisória do território soberano de cada Estado. Nas convenções posteriores até 1968, os caudais dos nossos rios comuns foram apenas alvo de interesse pelos respectivos governos como objecto da partilha do potencial hidroeléctrico. Entretanto, nas grandes Bacias Europeias, como a do Reno, já se cooperava, desde 1932, para a protecção ambiental das águas internacionais.

Nós tivemos que esperar. Tem sido uma longa espera de 30 anos até que finalmente, em Novembro de 1998, foi assinada a "Convenção para a Cooperação e aproveitamento sustentável das águas das Bacias Hidrográficas Internacionais Luso-Espanholas". Assim, 1998, para a maioria o ano da Expo, será recordado por outros como o ano das águas. Por fim, um acordo baseado no mais moderno direito internacional e comunitário sobre a matéria, permitiria a implementação dos princípios básicos do direito ambiental nas nossas Bacias Hidrográficas.

Em geral, a nova Convenção recebeu uma crítica positiva por parte da opinião pública (mesmo das ONG ambientalistas). Ainda que a questão dos caudais mínimos garantidos tenha suscitado uma grande polémica, principalmente centrada sobre o modo em que tinham sido definidos: anualmente e não mensalmente. Esta pode ser apontada como a principal deficiência da Convenção, dada a irregularidade climática da Península Ibérica nas diferentes estações do ano. Mas para um grande vício, uma grande virtude: a possibilidade, prevista no artigo 32º, de modificar a Convenção passados 7 anos. E ainda outra, a remissão ao Direito Comunitário sobre a matéria e, portanto, a recentemente aprovada (no dia 29 do passado mês de Junho) Directiva que estabelece um quadro de acção comunitária em matéria de águas. Na realidade, as negociações sobre a Convenção Luso-Espanhola de 1998 entre os Governos Português e Espanhol, continuaram em Bruxelas e a determinação do verdadeiro alcance do acordo só se pode compreender com a aprovação deste texto comunitário in extremi (um dia antes do final da Presidência Portuguesa).

A Directiva-Quadro pode ser considerada como o motor do que poderíamos chamar a "integração ecológica europeia". Nasceu vocacionada a ser no domínio da Política Europeia de Águas o que o euro será em Política Monetária, ou seja um instrumento para harmonização e coesão no âmbito da "Região Hidrográfica" e, sobretudo, da "Região Hidrográfica Internacional" (como é o caso das Luso-Espanholas).

Podemos afirmar que estão criadas as bases jurídicas necessárias para que a cooperação ambiental nas nossas águas comuns. Mas, será que as nossas autoridades têm "o espírito de cooperação necessário"?

"Ter direito a.." não é suficiente quando os órgãos administrativos previstos na Convenção para levar a cabo a tão desejada cooperação nem sequer foram nomeados, quando não existe um Estatuto que regule o seu funcionamento, quando ninguém ainda sabe se terão neles voz as ONG ambientalistas e outros grupos interessados na boa gestão das águas comuns. E, sem Comissão Internacional, nada feito. Assim aconteceu quando, no passado mês de Fevereiro, nem sequer o "caudal mínimo garantido" entrou no lado português do Rio Tejo.

Sereno, Amparo
Investigadora Associada
EURONATURA
www.euronatura.pt

 

 

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