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Atrasos preocupantes nas medidas para atingir Objectivos Ambientais da Directiva Quadro da Água

Quercus – Assoc. Nac. de Conservação da Natureza (01-10-2015)

Neste Dia Nacional da Água, 1 de Outubro de 2015, início do novo ano hidrológico, a Quercus vem relembrar que ainda muito há a fazer para o cumprimento dos objetivos ambientais previstos na Diretiva Quadro da Água, atendendo a que o primeiro ciclo de planeamento ficou aquém dos objetivos e que o segundo ciclo de planeamento, a iniciar em 2016, é a última oportunidade para recuperar o atraso e assegurar que as nossas massas de água atinjam um nível químico e ecológico adequado.

Quercus efetuou monitorização de vários rios  e ribeiras

No âmbito do projeto “dQa – Cidadania para o Acompanhamento das Políticas Públicas da Água”i, a Quercus realizou, ao longo do último ano, uma campanha de monitorização da qualidade ecológica de sete rios e ribeiras portugueses – Ave, Agudim (conhecida por ribeira dos Milagres), Almonda, Alviela, Sizandro, Parreiras (conhecida por Ribeira da Laje) e Odelouca - incidindo em análises físico-químicas, de invertebrados bentónicos e da vegetação ripícola, segundo os parâmetros e critérios definidos na Lei da Água (Lei n.º 58/2005 de 29 de Dezembro, que transpôs para a legislação nacional a Diretiva Quadro da Água). 

De acordo com os resultados obtidos, nenhum dos cursos de água monitorizados possui boa qualidade ecológica, tendo a maioria obtido a classificação inferior a “bom”, sendo os rios Almonda e Alviela os que apresentam pior classificação, com “mau” e “medíocre”, respetivamente. 

Relativamente à qualidade físico-química dos cursos de água analisados, verificam-se sobretudo concentrações elevadas de nutrientes (azoto e fósforo) e cargas orgânicas (CBO5), associadas sobretudo a más práticas agrícolas com uso excessivo de fertilizantes e a descargas poluentes com origem urbana e/ou industrial. 

Em relação aos habitats ripícolas, verifica-se um panorama que é transversal a todos os cursos de água, observando-se uma forte pressão devida à ocupação agrícola, à expansão descontrolada de espécies exóticas invasoras e à artificialização dos leitos e das margens nas zonas urbanas. Esta situação revela que ainda é pouca a sensibilidade para a importância destes ecossistemas, mesmo por parte dos municípios.

As conclusões desta monitorização apontam para falhas na implementação de medidas já preconizadas no anterior ciclo de planeamento (Planos de Gestão de Região Hidrográfica 2009-2015), que agora termina, e para um atraso no cumprimento dos objetivos ambientais que obrigam à prorrogação dos mesmos para o 2º ciclo de planeamento (2016-2021). Verificam-se atrasos preocupantes na monitorização das massas de água e na implementação de medidas por parte das entidades competentes para a obtenção de um estado ecológico favorável.

Portugal corre risco de não cumprimento de objetivos ambientais

A Diretiva Quadro da Água (DQA) define três ciclos de planeamento: 2009-2015, 2016-2021 e 2022-2027. Tendo em conta os objetivos ambientais para 2027 (prazo limite) de atingir o “bom estado/potencial ecológico” de todas as massas de água, a Quercus considera que este 2º ciclo, com início em 2016, é determinante para recuperar os incompreensíveis atrasos gerados durante o 1º ciclo, evitar a prorrogação dos objetivos para o 3º ciclo e garantir, assim, o seu cumprimento em 2027. 

Uma decisão recente do Tribunal Europeu de Justiça (Acórdão do processo C-461/13, de 1 de Julho de 2015)ii considera que a deterioração de uma massa de água ocorre “a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V desta diretiva [DQA], se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto”. Esta decisão implica uma maior exigência nos critérios de classificação da qualidade das massas de água, o que traz um desafio acrescido à Administração Pública para o cumprimento dos objetivos ambientais.

De salientar que uma nova prorrogação dos objetivos ambientais significará uma concentração do esforço, em termos de recursos humanos e financeiros, no último ciclo, o que, tendo em consideração a frágil conjuntura sócio-económica do País e os cenários de crescimento previstos para os próximos anos, constitui um risco inaceitável de, no final do 3º ciclo, ter que se solicitar derrogações junto da Comissão Europeia. A justificação do não cumprimento dos objetivos ambientais requerida pela CE é muito exigente e Portugal corre o risco de sofrer sanções por não cumprimento da legislação ambiental europeia.

Quercus sugere a adoção de algumas medidas urgentes

Para assegurar o cumprimento dos objetivos ambientais, a Quercus apela à alteração da atuação das entidades competentes, nomeadamente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT). Concretamente recomenda-se:

 

  • Aumento da fiscalização por parte destas entidades;
  • Eficácia na aplicação de sanções e suspensão ou cancelamento de licenças de descarga, sempre que se verifiquem situações de incumprimento sistemático;
  • Obrigação de comunicação prévia das empresas sobre a realização do autocontrolo com um mínimo de 5 dias de antecedência para prevenir irregularidades no processo de amostragem.  

 

Estas alterações terão um efeito positivo na diminuição dos focos de poluição existentes e podem contribuir significativamente para a resolução dos problemas ambientais dos nossos rios.

É também urgente a alteração ao regime de atuação do Serviço de Proteção da Natureza da GNR (SEPNA). A Quercus lamenta que a legislação em vigor não permita que o SEPNA desempenhe um papel decisivo em matéria de fiscalização, já que apenas pode colaborar nas ações de fiscalização efetuadas pela APA/ARHs e pela IGAMAOT, segundo o artigo 90.º da Lei da Água. Trata-se de uma situação de contornos caricatos, desconhecida da população, que coloca em causa o próprio serviço prestado pela linha SOS Ambiente e Território (808 200 520). O que acontece neste momento é que, nos casos de poluição da água, os cidadãos reportam as suas denúncias, o SEPNA desloca-se ao local, recolhe as amostras de água e, invariavelmente, todo o processo fica gorado por falta de validade jurídica da amostra recolhida. De salientar que aqui reside uma das explicações para o facto de continuarmos a assistir a situações recorrentes de grande impunidade, que geram mesmo concorrência desleal, nomeadamente  ao nível de algumas indústrias e de agropecuárias. 

Importa pois encontrar uma solução legislativa que possa conferir ao SEPNA a competência de fiscalização em matéria de qualidade da água, alteração que deve ser acompanhada por uma formação adequada dos seus operacionais por parte da APA.  É também necessário e urgente capacitar mais a própria APA em matéria de recursos humanos, nomeadamente através da certificação de mais técnicos para a recolha de amostras.

Planos de Gestão de Região Hidrográfica em consulta pública

Neste momento, encontram-se em fase de Consulta Pública, até meados de Dezembro de 2015, os Planos de Gestão de Região Hidrográfica que definem as ações a implementar em cada massa de água do país durante o 2º ciclo. Nesta fase, é de grande importância a contribuição da população e de todas as partes interessadas. A Quercus apela à participação ativa dos cidadãos e informa que a consulta dos documentos e o envio dos contributos pode ser realizado através do Portal Participa em www.participa.pt.

*Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

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