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Qual o estado da Água em Portugal?

Quercus – Assoc. Nac. de Conservação da Natureza (23-03-2015)

Por ocasião do Dia Mundial da Água, que se celebrou ontem, dia 22 de Março, a Quercus faz uma síntese do estado da água em Portugal, com base na recente publicação do Relatório do Estado do Ambiente em Portugal (REA 2014, APA), apontando ainda algumas das principais questões para o futuro próximo.

Nota positiva

Abastecimento de água para consumo humano
Nos últimos 20 anos, foi grande o desenvolvimento que Portugal conseguiu na área do abastecimento de água para consumo humano. O REA 2014 aponta para que, em 2013, se tenha alcançado o valor médio de 98,18% de água segura em Portugal Continental, com 98,27% das análises a cumprirem os valores paramétricos estabelecidos, valores muito próximos das metas estabelecidas no PEAASAR II para 2013.

Qualidade das águas balneares
Tem-se assistido a uma evolução positiva na qualidade da águas balneares, verificando-se um aumento das que possuem classificação de “excelente”, quer nas águas balneares costeiras e de transição, quer nas águas balneares interiores, sendo, em 2013, de 91,9% e 59,8%, respetivamente. Verificou-se também um aumento na atribuição do número de bandeiras azuis, tendo-se registado 298 em 2014.

Nota negativa

Eficiência do Uso da Água
Apesar do esforço encetado em 2012 pela Agência Portuguesa do Ambiente para revitalizar o PNUEA – Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, outras prioridades fizeram com que, uma vez mais, não tivesse sido dada continuidade ao envolvimento dos vários setores. O REA 2014 aponta que os sistemas de abastecimento de água apresentam em média perdas da ordem dos 35%, podendo esse valor ser superior a 50% em alguns municípios, estimando o valor das perdas em cerca de 162 milhões de euros. O REA 2014 é omisso quando à gestão da água nos setores industrial e agrícola, sendo que neste último, como o maior consumidor de água, o potencial para melhorias é reconhecidamente elevado.

Estado das massas de água
O REA 2014, com base nos dados dos Planos de Gestão Hidrográfica de primeira geração (PGRH 2009-2015), dados esses de 2010, aponta para que em Portugal cerca de 40 a 70% das massas de água se encontram em bom estado ecológico, com maior relevo nas Regiões Hidrográficas RH1-Minho e Lima, RH3-Douro e RH4 – Vouga, Mondego e Lis. Já no que se refere ao estado físico-químico das massas de água, a maioria apresenta estado desconhecido, com exceção das RH 4-Vouga, Mondego e Lis e RH5-Tejo e Ribeiras do Oeste, que apresentam cerca de 75% das massas de água com bom estado. Já em relação às massas de água subterrâneas, a maior parte apresenta bom estado quantitativo, bem como bom estado químico, com mais problemas detetados nas RH2-Douro, RH5-Tejo e RH7-Guadiana.
No que respeita à previsão feita para o cumprimento da Diretiva Quadro da Água, isto é, para que todas as massas de água atinjam os objetivos ambientais de estado ”bom” ou “excelente”, em 2015, 2021 ou 2027, verifica-se que, na maior parte dos casos, para as massas de água superficiais, se optou por prorrogações para 2027, com a exceção da RH5-Tejo, em que se indica um cumprimento de apenas 82%, antevendo-se uma derrogação dos objetivos ambientais para esta Região Hidrográfica.


As principais questões para o futuro próximo

Cumprimento das metas de saneamento
Verifica-se que as metas estipuladas no PEAASAR II, que definiam uma cobertura, até 2013, de 90% para o tratamento de águas residuais, ainda estão longe de ser cumpridas. De acordo com os dados da ERSAR- Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos, apenas cerca de 78% por cento da população dispõe de tratamento adequado dos seus esgotos. Para além disso, verificam-se também qualidades de desempenho insatisfatórias, ao nível do “controlo de descargas de emergência” ou do “cumprimento dos parâmetros de descarga”, o que significa que alguns dos sistemas existentes carecem de melhorias e/ou de reabilitação. Portugal encontra-se mesmo, neste momento, em incumprimento da Diretiva relativa ao Tratamento de Águas Residuais, arriscando-se a pagar uma multa à UE.
Os novos programas de financiamento, nomeadamente o POSEUR, bem como os Programas Operacionais Regionais, deverão ter em conta estas necessidades e abrir também a possibilidade ao uso de tecnologias não convencionais, como os sistemas compactos, igualmente eficazes do ponto de vista ambiental, mas bastante menos onerosos, e possivelmente mais adequados para pequenos aglomerados dispersos. 

Rede de monitorização com graves falhas de funcionamento desde 2010
A rede de monitorização encontra-se obsoleta e sem funcionamento adequado desde 2010. O principal reflexo é a ausência de dados, patente na elevada percentagem de massas de água com estado químico desconhecido, conforme apresentado nos PGRH 2009-2015 e agora no REA 2014. Sem o conhecimento da realidade, como é possível avaliar quais as pressões a que as massas de água estão sujeitas e como é possível fazer planeamento?
A implementação de uma rede de monitorização eficaz e a alocação de meios financeiros para a sua manutenção deve ser uma das principais prioridades para um futuro próximo.

Plano Nacional da Água
Está em fase final de elaboração, e quase a entrar em consulta pública, o Plano Nacional da Água. O PNA deveria ter sido aprovado em 2010 e ser uma base orientadora para os PGRH e para outros planos setoriais.
Saúde-se o facto de finalmente em breve podermos ter um PNA, mas permanece a dúvida sobre a sua real eficácia sobre o processo de planeamento, nomeadamente sobre os PGRH, dado estes se encontrarem numa fase muito adiantada.

Planos de Gestão de Região Hidrográfica

Os Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH) de segunda geração – os PGRH 2015-2021, deveriam entrar em vigor neste ano de 2015. Verifica-se de novo um atraso, que a Autoridade Nacional (APA), procura colmatar, apressando o calendário. Assim, encontra-se neste momento em discussão pública, até meados de Maio, as QSIGA- Questões Significativas da Água, devendo o resultado desta discussão pública ser vertido para a versão preliminar dos PGRH. No entanto, sabe-se que se prevê que estes entrem em discussão pública já em Junho, pelo que fica a dúvida se todos os contributos da discussão pública das QSIGA serão efetivamente vertidos para os PGRH.
Também a articulação com Espanha, no que respeita às bacias partilhadas (Minho, Douro, Tejo e Guadiana), não parece estar a ser conseguida de forma muito eficaz, dado que os nossos vizinhos se encontram já na fase final dos seus PGRH e Portugal ainda se encontra no início, prevendo-se que os mesmos sejam apenas publicados daqui a um ano. Ficam questões importantes adiadas como os caudais ecológicos vindos de Espanha e uma eventual renegociação da Convenção de Albufeira.

As grandes barragens

O impacte que os aproveitamentos hidráulicos, e em particular as grandes barragens para aproveitamento energético, têm na qualidade das massas de água parecem não ter eco na avaliação que os PGRH, nas suas QSIGA, ou mesmo o PNA, na sua versão preliminar, parecem fazer no processo de planeamento em curso. As barragens previstas, mesmo que ainda não em funcionamento, como a barragem de Foz-Tua (em construção) ou as 4 barragens previstas para o Tâmega (nenhuma ainda iniciada) são encaradas nos vários documentos como factos consumados, não se encontrando sequer nenhuma previsão de degradação da qualidade da água daí decorrente, conforme havia sido explícito nas várias Avaliações de Impacte Ambiental. Como explicar a sua exclusão dos processos de planeamento?

Participação pública
Qualquer processo de planeamento deve procurar o envolvimento das populações. Um processo de planeamento dos recursos hídricos, isto é, da água para os seus diversos usos, ainda o deve fazer mais. A água é um recurso essencial para todas as atividades humanas, pelo que a intervenção ativa dos vários utilizadores da água dever ser um instrumento essencial para o processo de planeamento e para o seu sucesso futuro.
Deverá ser dada aos agentes utilizadores da água não apenas a capacidade de intervirem nas consultas públicas, mas também a capacidade de monitorizarem o próprio processo de planeamento e a eficácia da sua implementação.


Em conclusão

Encontra-se em curso o novo processo de planeamento para a gestão dos recursos hídricos até 2021. É fundamental conhecer os efeitos práticos dos últimos PGRH, conhecer a forma como este processo irá decorrer ao longo dos próximos seis anos, e garantir a efetiva participação pública, quer seja através dos recém (re)criados Conselhos de Região Hidrográfica, quer envolvendo as associações de utilizadores, garantindo que as suas preocupações e sugestões sejam de facto incorporadas no processo de planeamento.
A gestão da água não pode apenas ser feita nos gabinetes, tem que ser feita para as populações e com as populações.

*Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

Leituras Adicionais

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