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A locomoção dos animais

Alexandre Vaz

A diversidade de estratégias de locomoção existentes no mundo natural é incomensurável. Ela é o resultado de milhões de anos de processos evolutivos, que originaram espantosas adaptações aos mais variados meios.

A maior parte dos seres vivos necessita de se deslocar, ou seja, mover a totalidade do corpo de um lugar para outro, pelo menos durante algumas fases do seu ciclo de vida. As razões são muito variadas, e podem estar relacionadas com a procura de um parceiro para a reprodução, de alimento ou de um território livre de competição para ocupar.

Até as plantas, através de diferentes mecanismos, dispersam as suas sementes e pólen e os fungos os seus esporos. Em todo o caso, para o conseguirem, estão dependentes da boleia do vento, de um rio, de uma abelha ou do pêlo de um mamífero.

Mas existem organismos que não podem estar dependentes destas deslocações aleatórias e que necessitam de se deslocar independentemente de outros factores, ou seja, necessitam de se deslocar de forma autónoma.

Apesar de serem inquestionavelmente os mestres na matéria, os animais não são os únicos seres vivos a possuírem a capacidade de locomoção. Algumas espécies de bactérias (organismos unicelulares pertencentes ao reino Monera), possuem flagelos ou pilos, que são organelos vocacionados para a deslocação em meios líquidos. Também entre os organismos unicelulares eucariontes, pertencentes ao reino Protista, encontram-se os Protozoários, que se subdividem em classes, justamente em função dos seus processos de locomoção. Uns possuem flagelos, outros pseudópodes ou cílios, e outros são desprovidos de organelos de locomoção. À semelhança das bactérias, os protozoários também só se deslocam em meios fluídos.


Entre os animais, existem grupos adaptados à deslocação-se em meios sólidos, líquidos e gasosos. De uma forma geral, as diferentes espécies privilegiam a locomoção num determinado meio, mas isso não significa que em muitos casos os animais não possam fazê-lo em dois ou mesmo nos três meios. Não existe, na maior parte dos casos, nenhuma relação directa entre o taxon a que o animal pertence e o meio em que se locomove. Existem, por exemplo, aves que se deslocam pelo solo, como as avestruzes, outras pelo mar, como os pinguins ou pelos céus, como as andorinhas.

 Para cada meio, existem múltiplas estratégias de locomoção possíveis. No meio gasoso, que é o mesmo que dizer no ar, a locomoção consiste no voo. Existem mamíferos, como os morcegos, insectos e aves, que dominam perfeitamente esta técnica, e até peixes e répteis que realizam voos planados ou de curta duração. Dentro das aves e dos insectos existem múltiplas estratégias para cumprir essa tarefa. Cada espécie está adaptada para responder melhor aos desafios que se lhe colocam. O abutre necessita de tirar partido da sua anatomia e das condições climatéricas para poder fazer voos planados, de reduzido consumo energético, durante horas. Mas o falcão peregrino já necessita de atingir elevadas velocidades para capturar as suas presas e o colibri depende dos seus sofisticados músculos, para pairar com o corpo imóvel, e alimentar-se do néctar de uma flor.


Nos meios líquidos, como nos mares, rios e lagos, existe igualmente uma profusão de estratégias de locomoção. Existem peixes, e também moluscos, aves, mamíferos, répteis e insectos, extraordinariamente bem adaptados à locomoção na água. O nadar do salmão é muito diferente do da manta ou da moreia, e nem todos os animais que se locomovem nas águas dependem do movimento de barbatanas, patas ou do próprio corpo. Alguns animais, incluindo diversas espécies de moluscos, estão adaptados a deslocar-se por acção da expulsão forçada de água do interior do seu corpo, num mecanismo semelhante ao dos jactos dos aviões. Com efeito, em caso de perigo, uma lula pode utilizar este sistema para escapar a um predador e alcançar uma velocidade de cerca de 30 Km por hora.

 A maior parte dos animais que se deslocam na água ou no ar, pode fazê-lo nas três dimensões, contrariando a força da gravidade. Para os animais que se deslocam no meio sólido, como sobre ou sob a terra ou a neve, nas árvores, nas rochas ou em muitos outros substratos, existe o problema adicional da aderência. O andar ou correr são, sem dúvida, das estratégias de locomoção mais frequentes e dependem, em muitos casos, de uma aderência eficaz. Tanto para um felino, que atinge em corrida velocidades superiores a 100 Km por hora, como para uma osga ou um pica-pau, que furtivamente caça insectos nos troncos de uma árvore, esta questão é relevante.


Para além da marcha ou da corrida, existem muitas outras maneiras de progredir nos meios sólidos. Alguns répteis e invertebrados, como as cobras e as minhocas, estão perfeitamente adaptados a rastejar. As primeiras ondulam o corpo num movimento tipo concertina e podem progredir a mais de 10 Km/h. As minhocas têm uma estrutura muscular complexa, que lhes permita fazer variar o diâmetro e comprimento do corpo e que, associada a pilosidades aderentes, faz com que elas se desloquem eficazmente em galerias no subsolo, exactamente da sua medida.

 Os cangurus, as pulgas e alguma aranhas e batráquios parecem ter pouco em comum, mas no entanto partilham uma mesma característica: deslocam-se através de saltos. Se os cangurus quando se deslocam devagar parecem desajeitados, vendo-se obrigados a utilizar a cauda como apoio, a maiores velocidades, como a 20 Km/h, tornam-se gráceis e consomem menos energia que um quadrúpede de dimensão semelhante à mesma velocidade. As pulgas, por seu turno, conseguem saltar até 150 vezes o seu próprio tamanho e atingem uma velocidade de 1 metro por segundo, em menos de dois milionésimos de segundo, perfazendo uma aceleração 20 vezes superior à de um foguetão.


A diversidade de formas de locomoção existentes no mundo natural é somente comparável à diversidade de formas de vida, e um grande número de características dos seres vivos está intimamente ligado ao método que utilizam para se deslocar.Quando contemplamos a beleza da perfeição das diferentes formas de locomoção dos diferentes organismos, estamos de facto perante o produto de milhões de anos de evolução.

 

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