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A distribuição do Carvalho-português

Nuno Leitão

O Carvalho-português ou Carvalho-cerquinho é uma árvore que dominou grande parte dos bosques Lusos, principalmente na Estremadura, mas hoje em dia subsistem apenas alguns povoamentos bastante fragmentados.

A Área de Distribuição Natural

O Carvalho-português, também conhecido como Carvalho-cerquinho, é uma espécie do género Quercus. Estes carvalhos são árvores de folha caduca ou, mais concretamente, árvores de folha marcescente (folha que seca sem desprender do eixo, caindo tardiamente), com porte mediano, muito ramificado, como copa ampla, folhas dentadas na margem e mais claras na página inferior e com a glande (bolota) sem pedúnculo.

Vários nomes científicos têm sido atribuídos ao Carvalho-português em diversos estudos botânicos, mas o mais consagrado designa-o como uma subespécie de Quercus faginea - Quercus faginea Lam. ssp. broteroi, de entre as três subespécies consideradas na Península Ibérica (as outras duas são Quercus faginea Lam. ssp. faginea e Quercus faginea Lam. ssp. alpestris).

Em trabalhos mais antigos, o Carvalho-português chegou a ser considerado como Quercus lusitanica, conjuntamente com a Carvalhiça (actualmente o Quercus lusitanica), mas Lamarck já tinha designado o Carvalho-português como uma espécie distinta da Carvalhiça, de onde surgiu o nome Quercus faginea.

Vários outros autores têm procurado atribuir à enfatizada nomeação de subespécie Quercus faginea Lam. ssp. broteroi a categoria de espécie. Rivaz-Matínez (1991) considerou este táxone como uma espécie denominada Quercus broteroi, mas Capelo (1997) defende que o nome legítimo e mais antigo da categoria específica será Quercus hybrida. De qualquer forma, aqui continuaremos a considerar o táxone como uma subespécie de Quercus faginea.


 

É uma planta espontânea em Portugal, Espanha, Marrocos, Argélia e Tunísia. O limite da sua área de distribuição é a linha que envolve o conjunto de estações dos indivíduos da espécie (estação é o conjunto de condições do meio onde a planta vive). Na Fig. 1 pode-se observar a área de distribuição natural das 3 subespécies de Quercus faginea na Península Ibérica.

 Abordagem Fitogeográfica

A Fitogeografia é um ramo da Geografia que aborda a distribuição e a localização das espécies e comunidades de plantas. Tem em conta a distribuição de elementos florísticos, os dados bioclimáticos e a informação de várias outras ciências como a Ecologia ou a Edafologia. As classificações fitogeográficas regem-se por uma hierarquia em que as unidades maiores são os Reinos, que se dividem em Sub-reinos, Regiões, Sub-regiões, Super-províncias, Províncias, Sub-províncias, Sectores, Sub-sectores, Distritos, Células de Paisagem e por fim as Teselas, que se define como um espaço homogéneo do ponto de vista ecológico.

Portugal pertence a Reino Holártico e está incluído nas Regiões Eurosiberiana e Mediterrânica. O Noroeste de Portugal, desde a Ria de Aveiro até à Serra do Gerês (correspondendo à área de distribuição do Quercus robur), pertence à região Eurosiberiana, separada da região Mediterrânica, que representa o restante território (Interior, Centro e Sul). A região Mediterrânica, que engloba assim a maioria do país, é principalmente caracterizada pelo ombroclima característico desta região, com a época estival seca.

O Carvalho Português encontra-se potencialmente na Sub-região Mediterrânica Ocidental, na Província Luso-Estremadurense.

Franco (1994), num estudo das zonas fitogeográficas predominantes de Portugal, optou por partir de uma divisão clássica do País (Norte, Centro e Sul), que subdividiu em zonas fitogeográficas predominantes. Desta forma o Carvalho-português é uma das espécies típicas da Zona Centro, na subdivisão Centro-Oeste calcário (CO calc. – verde intermédio), Centro-Oeste olissiponense (CO olissip. – verde claro) e Centro Norte (CN – verde escuro), tal como se pode ver na Fig.2.

 

 

 

 Abordagem Fitossociológica

A Fitossociologia é a ciência das comunidades vegetais e estuda-as quanto à estrutura, dinâmica e relações com o ambiente.

As unidades básicas são as Associações, que são comunidades que possuem qualidades florísticas peculiares, como sejam espécies próprias ou uma combinação característica de espécies (estatisticamente significativa para ser distinta entre outras combinações) e que também possuam qualidades ecológicas, fitogeográficas, dinâmicas e históricas peculiares. Estas unidades representam comunidades de composição florística determinada, de fisionomia homogénea e que vivem em condições ecológicas uniformes. A classificação fitossociológica também compreende unidades hierárquicas (Divisão; Classe; Ordem; Aliança; Associação).

Braun-Blanquet (1956) descreveu as Alianças de Portugal (que englobam as Associações) que são: Juniptero-Ericetum e Juniperion nana, Quercion occidentale, Quercion fagineae e Oleo-Ceratonion.

A enorme área da Aliança Quercion fagineae, também designada por Quercion broteri, é caracterizada pela presença da Quercus faginea, que terá ocupado grande parte do Sul e Centro do continente e ainda uma zona do Alto Douro.

Esta Aliança engloba os montados de sobreiro e de azinheira do Norte do Algarve até ao Tejo e também a Associação Arisareto-Quercetum faginae que se estende desde o Tejo para Norte até ao Mondego e é uma Associação dominada pelo Carvalho-português. Na Fig. 3 pode observar-se que a Aliança é composta pela Sub-aliança Quercenion broteroi ou Quercion faginae (verde escuro) e pela Sub-aliança Paeonio (a verde claro; dominada pela Azinheira – Quercus rotundifolia). A Associação Arisareto-Quercetum faginae dominada pelo Carvalho-português pertence à Sub-aliança Quercenion broteroi.

Hoje em dia não se encontram povoamentos naturais desta Associação, aparecendo apenas algumas parcelas mais ou menos intactas, e a restante área da associação foi substituída pela agricultura ou pelas extensas arborizações de Pinheiro-bravo e de Eucalipto, por estados de degradação da floresta “Climax”, onde se realça a presença do Quercus coccifera.

 

 Mais recentemente Rivas-Martinez (1987) realizou um estudo fitossociológico da Península Ibérica, mas considera um outro tipo de fitossociologia, a Fitossociologia Sucessional ou Integrada.

A unidade básica deste tipo de abordagem é a Série de Vegetação (ou sinassociação ou ainda sigmentum) em vez da Associação, que representa o conjunto de comunidades vegetais que ocorrem numa área como resultado da sucessão. Para se separar estes conjuntos parte-se da análise das Teselas (unidades fundamentais da Fitogeografia).

A designação de uma Série, além de ter em conta os factores ecológicos e geográficos, baseia-se no nome da espécie dominante da comunidade madura.

Assim, segundo Rivas-Martinez, o Carvalho-português encontra-se, como já referido, na Aliança Quercion fagineae (ou Quercion broteri), presente essencialmente na Sub-aliança Quercenion broteroi, e é a espécie dominante da Série Arisaro-Quercetum faginea (broteroi) sigmentum.

Esta Série Mesomediterrânea de Rivaz-Martinez encontra-se no Centro Litoral de Portugal e na Terra Quente Transmontana. Para além de Quercus faginea dominante, as outras espécies características da Série são: Quercus coccifera, Quercus suber, Arbutus unedo, Olea europea, Pistacia lentiscus.

 

 

Abordagem Ecológica


A Carta Ecológica de Portugal baseia-se na silva climática onde são consideradas espécies florestais ou arborícolas indicadoras do clima e também em índices de caracterização termo-pluviométricos. A Zona Ecológica é a unidade fundamental desta classificação e corresponde a um tipo de ambiente definido por agrupamentos de espécies florestais dominantes.

A definição das Zonas Ecológicas teve como ponto de partida os cinco pólos de diferenciação ecológica (Atlântico, Termo-Atlântico, Oro-Atlântico, Eumediterrâneo e Ibérico). Definiram-se 30 Zonas Fitoclimáticas e 7 Zonas edafo-climáticas.

O Carvalho-português encontra-se nas Zonas Mediterrâneo-atlântica X Atlante-mediterrânica (MAxAM – verde claro), Atlante-mediterrânica (AM – verde escuro), Submediterrânica (SM – verde claro riscado) e Ibero-mediterrânica X Submediterrânica (IMxSM – verde claro manchado) e ainda a Zona Ecológica edafo-climática referente aos maciços montanhosos em solos calcários (rosa) (Fig. 4).

 

 

 

 

Área Natural e Actual de Predominância


Num estudo sobre o esboço da vegetação natural da vegetação portuguesa, Vasconcellos e Franco (1954) delimitaram as áreas de predominância natural das espécies arbóreas espontâneas a partir dos fragmentos ainda observáveis.

Na Fig. 5 pode observar-se que o Carvalho-português era a árvore predominante na Estremadura, parte do Ribatejo até ao Noroeste do Tejo, e até ao rio Mondego, aparecendo ainda como dominante em algumas zonas da faixa litoral entre o rio Sado e o Algarve e em certas zonas da bacia do Douro.

No primeiro Inventário Florestal Nacional (resultados de 1972/74) os fragmentos de bosques de Carvalho-português (neste caso, os povoamentos que ocupam pelo menos 2 ha) situavam-se principalmente nos Distritos de Coimbra, de Leiria, de Lisboa e de Santarém, somando cerca de 2180 ha. Nos resultados de 1995 apenas se encontraram 1221 ha ocupados pelos povoamentos, tendo havido uma redução de 44% de área do primeiro inventário para o segundo.

O Distrito de Leiria é o que apresenta mais área ainda ocupada pelo Carvalho-português, e onde se encontram os melhores povoamentos na base da serra de Alvaiázere, especialmente na vertente leste.

 

 

Os concelhos onde ainda se pode observar povoamentos (que ocupam mais de 2 ha) de Carvalho-português são:

 

- Distrito de Coimbra: Condeixa, Montemor, Penela, Soure

- Distrito de Leiria: Alcobaça, Alvaiázere, Ancião, Batalha, Pombal, Porto de Mós

- Lisboa: Alenquer, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço

- Santarém: Tomar, Santarém

 

Bibliografia

Albuquerque, J.P.M. (1954). Carta Ecológica de Portugal. Ministério da Economia. Direcção Geral de Serviços Agrícolas. Lisboa.

Braun-Blanquet, J., Silva, A.R.P. e Rozeira, A. (1956). Resultats de deus excursions geóbotaniques à travers de Portugal septentrional et Moyeu II. Agronomia Lusitanica. 18(3):167-234.

Capelo, J.H. (1997). Quercus hybrida Brot.: o nome científico correcto do “carvalho-cerquinho”? Silva Lusitana. 5(2): 282-283.

Carvalho, J.P.F. (1994). Fitossociologia e fitogeografia. Série didáctica, nº34, UTAD, Vila Real.

Fabião, A.M.D. (1996). Árvores e Florestas. Publicações Europa-América.

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Lousã, M., Espírito-Santo, M.D. e Costa, J.C. (1994) A vegetação da Serra de Alvaiázere. Anais do Instituto Superior de Agronomia. 44: 215-223.

Monteiro Alves, A.A. (1988). Técnicas de Produção Florestal: fundamentos, tipificação e métodos. Instituto Nacional de Investigação Científica. Lisboa.

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Vasconcellos, J.C. e Franco, J.A.. Les Chênes du Portugal.

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