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Biomonitorização da qualidade das águas superficiais nas Ribeiras de Monfurado

Carla Gonzalez e Cristina Branquinho – Centro de Ecologia e Biologia Vegetal da FCUL

Na Serra de Monfurado, Montemor-o-Novo, está a ser biomonitorizada a poluição dos cursos de água através da análise de poluentes em musgos aquáticos, estudo este enquadrado no Projecto GAPS – Gestão Activa e Participada do Sítio de Monfurado.

O Sítio de Monfurado é uma das áreas propostas para integrar a Rede Natura 2000, que tem por objectivo preservar o património natural e assegurar a biodiversidade europeia, através da constituição de uma rede europeia de conservação da natureza.


Neste sentido a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo encontra-se a promover um Projecto LIFE-Natureza que visa assegurar, no médio prazo, e para o Sítio de Monfurado, aqueles objectivos: Projecto GAPS – Gestão Activa e Participada do Sítio de Monfurado (www.cm-montemornovo.pt/wwwGAPS/index.htm).


Uma das linhas de acção desse projecto, que está a ser desenvolvida pelo Centro de Ecologia e Biologia Vegetal ([email protected]; cebv.fc.ul.pt/cebvmain.htm) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tem como objectivo avaliar o grau de poluição das diversas linhas de água do Sítio de Monfurado.


Os rios e ribeiras de Monfurado formam uma rede estruturante da paisagem e algumas espécies e habitats aquáticos e semi-aquáticos de Monfurado encontram-se listados na Directiva Habitats da União Europeia. No entanto, sendo a maior parte da área propriedade privada, a agro-pecuária intensiva e a poluição dos cursos de água dela resultante destaca-se como potencial factor limitativo dos objectivos de conservação do Sítio de Monfurado.


A avaliação da poluição através de organismos vivos é chamada biomonitorização. A utilização dos mesmos para este efeito é antiquíssima, pelo menos tão antiga quanto a agricultura: no Neolítico, as tribos utilizavam as plantas como indicadoras da fertilidade do solo.

No Projecto GAPS, seleccionámos como biomonitor o musgo aquático Fontinalis antipyretica. Esta espécie é amplamente utilizada como biomonitor da qualidade da água em vários países.

Esta capacidade decorre do facto de que os musgos aquáticos são bons acumuladores de poluentes, graças à constituição bioquímica das suas paredes. Por outro lado são bastante tolerantes aos poluentes, sobrevivendo em locais muito poluídos. Os musgos aquáticos concentram os poluentes a níveis dos mais elevados do ecossitema aquático.

Fontinalis antipyretica, espécie de musgo aquático frequentemente utilizada como biomonitor

Mas existem também outras características que fazem dos musgos aquáticos bons biomonitores:

1. São relativamente fáceis de identificar;

2. São abundantes e a sua distribuição é ampla na Europa;

3. A actividade fotossintética e crescimento ocorrem durante todo o ano;

4. São facilmente transportáveis de local para local, permitindo a monitorização de diferentes sistemas hidrográficos;

5. Não possuem camadas protectoras, como a cutícula, e a tomada de nutrientes não é feita pelo substrato, usado apenas para fixação. Assim, os poluentes do meio em que está emerso são melhor reflectidos na constituição do organismo;

6. Reagem rapidamente a alterações na qualidade da água, pois acumulam poluentes muito rapidamente, mas a libertação dos mesmos ocorre apenas a médio-longo prazo, sendo integradores da poluição ocorrida durante períodos de tempo relativamente longos – mantêm a ‘memória’ dos poluentes.


Biomonitorização no Sítio de Monfurado


O musgo Fontinalis antipyretica é recolhido na Serra de S. Mamede, onde existe em quantidade suficiente para não pôr em risco a espécie1, e transplantado para as Ribeiras de Monfurado.

Ribeira de Arronches, Serra de S. Mamede, Local de recolha de Fontinalis antipyretica

Seguidamente, é colocado em sacos de rede nylon e mantido, em água trazida da ribeira onde foi recolhido o musgo, a 4ºC.

Os transplantes de Fontinalis antipyretica

Os transplantes de F. antipyretica são então colocados nas ribeiras de destino (no Sítio de Monfurado) de acordo com o esquema à direita e a foto, em baixo.


Amostragem temporal


Neste projecto, pretende-se ter informação acerca da variação sazonal da qualidade da água nas Ribeiras de Monfurado. Pretende-se que fiquem registadas no biomonitor as descargas e/ou escorrências de poluentes que ocorreram na linha de água monitorizada pelos musgos aquáticos durante o período em que aí estiveram expostos.


Em Setembro de 2004 foram colocados os primeiros transplantes em Monfurado. Estes foram recolhidos após um período de exposição de três meses. Uma vez que se pretende ter uma biomonitorização contínua ao longo do tempo, os transplantes recolhidos são imediatamente substituídos por novos transplantes.

Quando os transplantes são recolhidos, são imediatamente colocados outros

A segunda campanha de colocação de transplantes ocorreu em Dezembro de 2004, e a terceira em Março de 2005. Perfazem-se assim, com estas três campanhas de colocação, nove meses de registo dos poluentes: de Setembro de 2004 a Junho de 2005.


Amostragem espacial


Neste projecto não se pretende apenas avaliar as variações sazonais da qualidade da água nas ribeiras de Monfurado. Pretendemos ainda avaliar a qualidade da água na sua componente espacial, ao longo das principais linhas de água, identificando os cursos mais afectados pela poluição e as principais fontes pontuais e difusas.


Foram seleccionados mais de trinta pontos de amostragem com base nas características do local, no grau de conservação das linhas de água, em informação sobre potenciais fontes de contaminação pontuais (explorações pecuárias, zonas de descarga de esgotos, etc) e de fontes em área (zonas urbanas, explorações agrícolas, etc) e na dispersão uniforme dos pontos pelo Sítio de Monfurado.


Durante a estação seca, a fraca precipitação no Sítio de Monfurado, resulta numa diminuição ou mesmo inexistência de fluxo nos cursos de água. Uma vez que se pretende que a amostragem seja uniforme no espaço e contínua no tempo, criaram-se dois tipos de pontos (como se pode ver no mapa da rede hidrográfica de Monfurado em baixo):

. Os Permanentes: amostragem contínua durante todo o ano

. Os de Inverno: onde a monitorização não é feita no período seco, uma vez que essas ribeiras não têm água suficiente

Pontos de Amostragem da qualidade da água no Sítio de Monfurado, nos quais são colocados os transplantes


Escoamento intermitente em Monfurado


Um dos constrangimentos da amostragem espacial é o regime de escoamento das linhas de água do Sítio de Monfurado que tende a ser sazonal: diminuindo drasticamente o seu caudal durante o Verão (fundamentalmente alimentado pela toalha freática, cujo nível desce também neste período), ou mesmo secando. Esta situação foi confirmada no campo, no final do mês de Julho como evidenciam as fotografias em baixo.

Esta intermitência no caudal das linhas de água requer alguns cuidados na amostragem, de modo a que os transplantes de F. antipyretica não fiquem emersos durante o período de amostragem, para não influenciar a adsorção de poluentes, nem a fisiologia do musgo. Por outro lado, a inexistência de água em grande parte das Ribeiras, impossibilita a monitorização da qualidade da água dessas áreas durante o período seco.

Ribeira de São Cristóvão em Maio de 2004 (esquerda) e dois meses depois, em Julho de 2004 (direita).

A falta de água durante o Verão é assim um dos critérios decisivos da escolha dos pontos de amostragem, razão pela qual se definiu fazer a primeira campanha de amostragem no mês de Setembro, final do período seco, garantindo a existência de água suficiente para o sucesso da biomonitorização.


Resultados Esperados


No final do período de exposição de três meses, as amostras de musgos transplantados para os pontos de amostragem são submetidas a testes ecofisiológicos para estimar a sua vitalidade.

Medição da vitalidade dos musgos com um fluorímetro

Estas amostras são ainda avaliadas quanto ao conteúdo numa série de potenciais poluentes e/ou nutrientes: cobre, zinco, manganês, ferro, potássio, magnésio, cálcio, azoto, etc.

Espectrofotómetro de Absorção Atómica com chama de ar/acetileno (direita) e preparação das amostras para a análise: Digestão Ácida (esquerda)

Com os resultados obtidos construir-se-ão mapas georeferenciados evidenciando a vitalidade dos musgos aquáticos; mapas mostrando a concentração dos poluentes analisados; bem como um mapa de risco, integrando os níveis de informação anteriores.

A cartografia das zonas mais afectadas por poluição, numa perspectiva de continuidade, permitirá identificar, por exemplo, as sub-bacias de intervenção prioritária, onde a poluição difusa se revela uma ameaça à conservação dos habitats ripícolas e aquáticos, constituindo a biomonitorização uma ferramenta importante para Gestão do Sítio de Monfurado.

Carla Gonzalez [email protected] e Cristina Branquinho [email protected]



1 Com o conhecimento e autorização do Instituto da Conservação da Natureza, Parque Natural da Serra de S. Mamede

 

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