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Remoção de bolota recém-caída pela comunidade faunística dos montados da Herdade da Ribeira Abaixo, Grândola – resultados num ano de escassez

Rui Rebelo, Rui Rodrigues e Ana Filipa Alves – Centro de Biologia Ambiental, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

A bolota produzida pelas espécies de carvalhos constitui um alimento muito nutritivo e procurado por muitos animais. Num estudo a decorrer na Serra de Grândola, procura-se avaliar a importância de diferentes espécies de vertebrados na sua remoção.

A bolota produzida pelas árvores do género Quercus (carvalhos) constitui um importante recurso alimentar para as espécies que habitam os montados de sobro e azinho – quer espécies nativas (como o javali, alguns mamíferos carnívoros, roedores, aves), quer para o gado suíno, ovino ou outros. O consumo das bolotas recém-caídas pode até ser um dos factores limitantes para a regeneração de alguns montados (Herrera, 1995). Estes impactos da remoção de bolota na viabilidade da regeneração natural dos montados têm sido estudados principalmente em áreas sujeitas a uma grande pressão de pastoreio, quer por gado, quer por caça grossa (Herrera, 1995; Gómez, 2004). Nestas áreas o impacto da predação de bolota por outras espécies nativas não é facilmente avaliado, impossibilitando o conhecimento da influência destes agentes de remoção de bolota na regeneração do montado.

Na Herdade da Ribeira Abaixo, estação de campo do Centro de Biologia Ambiental localizada na Serra de Grândola, foi implementado um sistema de avaliação da remoção de bolota numa área com baixa densidade de ungulados (tanto domésticos como silvestres) no âmbito do projecto “Impactos da herbivoria e da remoção de bolota na regeneração do montado de sobro”, financiado pelo Programa Agro (Projecto Agro 669/ 2003.09.0024525.2). A Herdade está quase completamente coberta por montado de sobro, e nela é pastoreado um rebanho de cerca de 300 ovelhas, que percorre uma área de cerca de 600 ha (englobando assim a estação de campo e algumas propriedades vizinhas).


Área desmatada e vedada, localizada numa soalheira



De forma a avaliar o impacto dos diferentes agentes de remoção no stock de bolota, bem como alguns dos factores que o podem influenciar, delimitaram-se 24 áreas de 20 x 20m (Fig.1). Estas áreas incluem 3 replicados de cada uma das combinações de 3 factores: orientação da encosta (virada a Norte – úmbria - ou virada a Sul - soalheira), presença/ ausência de subcoberto arbustivo (mato, principalmente constituído por sargaço, Cistus salvifolius) e existência/inexistência de cerca que veda o acesso a ungulados. Durante o mês de Dezembro de 2005, foram marcados 187 pontos dentro de cada área, tendo sido em cada um disposta uma bolota à superfície, num total de 4476 frutos. Foram utilizadas bolotas de sobreiro, Q. suber, azinheira, Q. rotundifolia e carvalho-cerquinho, Q. faginea, produzidas na Herdade na época de 2005/2006. Após um mês, foi registada a remoção (ou não) de cada bolota, identificando-se o agente de remoção sempre que existissem indícios inequívocos (cascas roídas, marcas de cascos, fossadas, etc).


Fig. 1 - Localização da Herdade da Ribeira Abaixo e localização das áreas monitorizadas (cada quadrado corresponde ao conjunto de uma parcela vedada e do seu controlo, não vedado; a rosa – soalheiras; a verde – úmbrias).





Ao fim de 1 mês, a taxa de remoção de bolota foi muito elevada em quase todas as áreas e para todas as espécies de Quercus. De facto, a remoção de bolotas de azinheira e de carvalho-cerquinho foi de 100%, enquanto que a remoção de bolotas de sobreiro foi de 98%. Estas taxas muito elevadas foram também registadas dentro das áreas vedadas a ungulados, pelo que supomos que os outros agentes de remoção (mamíferos mais pequenos e/ou aves) deverão ter uma grande importância na Herdade.

No caso das bolotas de sobreiro, as poucas que não foram removidas encontraram-se nas áreas sem mato. A remoção quase total nas áreas com matos (sargaço com cerca de 50 cm de altura) é uma indicação do papel importante que deverão ter os roedores, mais abundantes nestas áreas, na sua remoção.



Apenas em 10% dos casos (ainda assim, para cerca de 400 bolotas) foi possível identificar o agente de remoção, dos quais 6% correspondem a remoções por roedores e 4% por ungulados (javali ou ovelha).


Área não vedada e desmatada, localizada numa úmbria.



A remoção de bolotas de sobreiro e azinheira por ungulados ocorreu maioritariamente nas vertentes viradas a sul, o mesmo se verificando para a remoção por roedores, neste caso para as bolotas de todas as espécies (Fig.2).

Esta remoção preferencial de bolotas em vertentes viradas a sul poderá ser o reflexo de uma selecção de zonas com temperaturas mais elevadas - no Outono-Inverno, pico de disponibilidade de bolota, as temperaturas podem atingir valores negativos nas úmbrias, não só durante a noite mas mesmo durante o dia. Por outro lado, a preferência dos ungulados poderá também estar relacionada com a diferente composição do estrato herbáceo em úmbrias e soalheiras. Há pouca regeneração natural nas soalheiras da Serra de Grândola, para o qual poderá contribuir a remoção mais intensa de bolota nestas encostas.


Fig. 2– Influência da orientação da encosta na taxa de remoção de bolota das diferentes espécies de Quercus por ungulados e roedores



Os resultados indicaram que, apesar da área de estudo apresentar baixas densidades de ungulados domésticos e silvestres, os níveis de remoção de bolota foram bastantes elevados, independentemente da espécie de Quercus considerada ou das condições ambientais envolventes, o que poderá ser consequência da escassez de bolota que se comprovou ter ocorrido na época de frutificação em que decorreu a experiência (Alves et al., dados não publicados).

No entanto, de entre os potenciais agentes de remoção de bolota presentes na área de estudo, apenas se confirmou o impacto dos micromamíferos e dos ungulados, deixando de parte um animal que é apontado como principal agente dispersor deste tipo de fruto – o gaio (Garrulus glandarius). A ausência de vestígios da remoção por parte desta e outras aves poderá ficar a dever-se ao facto de estes animais não se alimentarem no solo, preferindo levar a bolota até ao topo de uma árvore (obs. pess.).

Apesar da baixa pressão de predação por ungulados silvestres e domésticos, a taxa de remoção de bolota à superfície foi sempre muito elevada, mesmo em áreas onde o acesso de ungulados foi vedado. Pode assim ser determinante o papel dos dispersores de bolota que a enterram no solo, como é o caso do gaio (e talvez do rato-do-campo, Apodemus sylvaticus). A importância do enterramento das bolotas não só na prevenção da remoção mas também da promoção da germinação já foi comprovada por Gómez (2004), e os nossos próprios dados preliminares sugerem que a remoção de bolota enterrada é muito inferior à remoção de bolota deixada à superfície.


Referências

GÓMEZ, J.M. (2004). Importance of microhabitat and acorn burial on Quercus ilex early recruitment: non-additive effects on multiple demographic processes. Plant Ecology, 172(2): 287 – 297.

HERRERA, J, (1995). Acorn predation and seedling production in alow density population of cork-oak (Quercus suber L.) Forest Ecology and Management, 76: 197-201.

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