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Influência da duração dos corpos de água na reprodução da comunidade de anfíbios da Herdade da Ribeira Abaixo (Serra de Grândola)

Rui Braz e Rui Rebelo

Os anfíbios encontram-se dependentes de corpos de água para a reprodução. Em locais onde as massas de água apresentam um carácter intermitente, a escolha do charco adequado é determinante para a sobrevivência das novas gerações.

Todas as espécies de anfíbios que ocorrem na Península Ibérica dependem de corpos de água para completar a sua fase larvar (Barbadillo et al., 1999). Um dos factores abióticos, independentes da densidade, que mais afecta o sucesso das larvas de anfíbios, é a incerteza da duração dos charcos (Tejedo e Reques, 1994), pois a sua dessecação tem como consequência mortalidades catastróficas (Semlitsch, 1987). Assim, a escolha do local de reprodução está dependente do ciclo hidrológico, pois é ele que determina o tempo disponível para o desenvolvimento larvar até à metamorfose.

Por outro lado, em corpos de água permanentes, caracterizados por hidroperíodos estáveis, os anfíbios enfrentam maiores densidades de predadores vertebrados e invertebrados (Roth e Jackson, 1987). A duração dos corpos de água tem assim influência na estrutura das comunidades de anfíbios, devido ao impacto da predação (Pearman, 1995). Ao utilizarem os charcos para a reprodução, os anfíbios enfrentam um compromisso entre o hidroperíodo e a predação a que as suas larvas estarão sujeitas.


Como resposta a estes constrangimentos são reconhecidas duas estratégias de reprodução, estreitamente relacionadas com a duração do charco: por um lado, a reprodução em charcos duradouros, onde a comunidade de predadores é mais estável e, por outro, o uso de charcos temporários, onde o risco de dessecação é grande, mas onde a predação é menor, assumindo a competição intraespecífica um papel de maior relevância (Kupferberg, 1998).

Dado o terreno acidentado da Serra de Grândola, existem muitos charcos de pequenas dimensões, normalmente de curta duração, que permanecem isolados e que se situam em depressões do terreno. Estes pequenos habitats isolados apresentam uma grande variação nas suas características abióticas, tais como a profundidade, a área e a altitude a que se situam, o que faz com que sejam consideravelmente variáveis no que respeita ao hidroperíodo. Na área de estudo, os únicos locais que mantêm água todo o ano são os mesmos que contêm predadores de maiores dimensões, como peixes e lagostins.

Neste trabalho procurou determinar-se a influência de dois factores - hidroperíodo e predadores - na comunidade de larvas de anfíbios. Para tal, amostrou-se 28 corpos de água, distribuídos pelo gradiente de hidroperíodo (desde permanentes até aos que contêm água durante menos de 30 dias por ano), com e sem predadores.


A amostragem de estádios larvares de anfíbios resultou na captura de 1835 larvas/girinos de 8 espécies: Salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra), Tritão-marmoreado (Triturus marmoratus), Tritão-de-ventre-laranja (Triturus boscai), Discoglosso (Discoglossus galganoi), Sapo-parteiro-ibérico (Alytes cisternasii), Sapo-comum (Bufo bufo), Sapo-corredor (Bufo calamita) e Rela-meridional (Hyla meridionalis). Nos charcos estudados verificou-se existirem associações positivas entre dois pares de espécies: H. meridionalis/B. calamita e T. marmoratus/T. boscai. As primeiras são as que se reproduziram em charcos com menor hidroperíodo mínimo. A associação do segundo par parece estar relacionada com a escolha de corpos de água permanentes, que contêm refúgios de vegetação aquática.

A Herdade da Ribeira Abaixo mostrou ser rica em termos do número de espécies de anfíbios, quando comparada com outros pontos da Península Ibérica, onde se realizaram trabalhos sobre a comunidade de anfíbios (e.g. Díaz-Paniagua, 1990; Lizana et al., 1990), e com os dados actuais de distribuição das várias espécies de anfíbios (Godinho et al., in press).



Verificou-se que a duração dos charcos com maiores abundâncias de larvas/girinos não ultrapassa os 147 dias por ano, pois é nestes que é assegurado o hidroperíodo mínimo necessário e uma abundância de predadores relativamente baixa. Os resultados permitem afirmar que o hidroperíodo influencia directamente tanto a riqueza específica, como a abundância de predadores, e que estes, por sua vez, poderão influenciar a abundância e número de espécies de anfíbios nos charcos de um modo não linear. A utilização dos charcos por parte das espécies de anfíbios está assim dependente da quantidade de dias que esses locais retêm água e do seu conteúdo em predadores. Num cenário ideal, os melhores corpos de água seriam aqueles que duram todo o ano, mas como a abundância de predadores aumenta linearmente com o hidroperíodo, é nestes que existe maior perigo de predação e, como tal, menores hipóteses de sobrevivência por parte das larvas de anfíbios.


No entanto, três espécies (T. marmoratus, T. boscai e B. bufo) não apresentaram qualquer tipo de constrangimento em relação aos predadores, mostrando um aumento linear da abundância com o hidroperíodo. Esta excepção pode ser explicada pela correlação significativa e positiva com a vegetação aquática. A vegetação aumenta a complexidade estrutural do habitat e reduz a frequência de contactos entre predadores e presas.

O número de espécies de predadores tendeu a aumentar linearmente com o hidroperíodo. No entanto, a diminuição da abundância das espécies de anfíbios que foi verificada nos charcos permanentes poderá estar tão relacionada com o tipo de predadores, como com a sua abundância. Deste modo o lagostim e os peixes poderão assumir uma grande importância na introdução de descontinuidades na resposta das espécies de anfíbios ao hidroperíodo.

Verificaram-se indícios de predação em larvas de S. salamandra e de A. cisternasii nalguns charcos temporários. Os charcos onde se capturaram indivíduos com marcas de predação apresentam hidroperíodos de valor igual ou inferior a 147 dias, o que significa que são charcos onde a abundância de predadores é baixa. Os factores significativamente relacionados com os indícios de predação nas larvas/girinos são a abundância total de conspecíficos (para as duas espécies) e ainda a abundância total de larvas de S. salamandra (para A. cisternasii). Estes dados sugerem que as marcas podem ser o resultado de competição intra e/ou interespecífica, em charcos onde a densidade de larvas é mais elevada e que as larvas de S. salamandra predam sobre outras espécies de anfíbios, como já foi observado por outros autores (e.g. Blaustein et al., 1996).


A maioria das espécies de anfíbios ocupou charcos com hidroperíodos mínimos suficientes para que as larvas atingissem a metamorfose. Esta relação pode explicar-se por uma optimização da ocupação dos charcos ou pelo facto das formas larvares terem a capacidade de ajustar a altura da metamorfose, em função da taxa de dessecação do charco (Loman, 1999).

A estratégia de ocupação de charcos com hidroperíodo intermédio traz desvantagens quando os níveis de precipitação durante o Inverno são baixos. No entanto, as espécies que utilizam estes charcos são também as que ocupam maior número de charcos e com maiores abundâncias, o que no final se traduz por uma taxa de sucesso mais elevada que a daquelas que ocupam corpos de água permanentes. As espécies que ocuparam charcos temporários foram aquelas que produziram maior número de metamorfoseados, apesar de estarem sujeitas a maiores constrangimentos em termos de hidroperíodo.

Bibliografia

Barbadillo, L. J.; Lacomba, J. I.; Pérez-Mellado, V.; Sancho, V. e López-Jurado, L. F. (1999). Anfibios y reptiles de la Peninsula Iberica, Baleares y Canarias. Barcelona: Editorial Planeta, S. A.

Blaustein, L.; Friedman, J. e Fahima, T. (1996). Larval Salamandra drive temporary pool community dynamics: evidence from an artificial pool experiment. Oikos. 76: 392-402.

Díaz-Paniagua, C. (1990). Temporary ponds as breeding sites of amphibians at a locality in southwestern Spain. Herpetological Journal. 1: 447-453.

Godinho, R.; Teixeira, J.; Rebelo, R.; Segurado, P.; Loureiro, A.; Álvares, F.; Gomes, N.; Cardoso, P.; Camilo-Alves, C. e Brito, J. C. (1999). Atlas of the continental Portuguese herpetofauna: an assemblage of published and new data. Rev.Esp.Herp. 13:61-82.

Kupferberg, S. J. (1998). Predator mediated patch use by tadpoles (Hyla regilla): risk balancing or consequence of motionless? Journal of Herpetology. 30: 84-92.

Lizana, M.; Pérez-Mellado, V. e Ciudad, M. J. (1990). Analysis of the structure of an amphibian community in the central system of Spain. Herpetological Journal. 1: 435-446.

Loman, J. (1999). Early metamorphosis in common frog Rana temporaria tadpoles at risk of drying: an experimental demonstration. Amphibia-Reptilia. 20: 421-430.

Pearman, P. B. (1995). Effects of pond size and consequent predator density on two species of tadpoles. Oecologia. 102: 1-8.

Roth, A. H. e Jackson, J. F. (1987). The effect of pool size on recruitment of predatory insects and on mortality in a larval anuran. Herpetologica. 43: 224-232.

Semlitsch, R. D. (1987). Relationship of pond drying to the reproductive success of the salamander Ambystoma talpoideum. Copeia. 1: 61-69.

Tejedo, M. e Reques, R. (1994). Plasticity in metamorphic traits of natterjack tadpoles: the interactive effects of density and pond duration. Oikos. 71: 295-304.

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