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Critérios para a selecção de zonas prioritárias para a conservação em áreas protegidas

Clara Grilo

É proposto um conjunto de critérios para identificar áreas que necessitam de medidas de conservação, função das espécies ocorrentes, habitats e ameaças.

Um dos instrumentos legais para a conservação das comunidades biológicas é a criação de áreas protegidas. Estas áreas correspondem a uma pequena fracção de toda a área nacional e a sua classificação tem seguido ou a regra da representatividade, que simplesmente pretende acumular uma amostra de espécies, comunidades e ecossistemas, sem acções que visem a manutenção dessa biodiversidade; ou a regra política, determinada por questões eleitoralistas, por lobbies ou por burocratas, disfarçando uma preocupação ambiental, mas na prática responsabilizando-se pouco com acções concretas de conservação.

Mesmo no primeiro caso, não existe uma estratégia de conservação nacional com objectivos definidos que levem à classificação das áreas protegidas. E dentro das áreas protegidas, a conservação continua a competir em desigualdade com utilizações penalizadoras do ambiente e os recursos financeiros são sempre os mais escassos comparativamente com outros investimentos. Daí a necessidade de planos de ordenamento para as áreas protegidas que, sendo obrigatórios, só existem ainda em alguns casos. Nesses planos são definidas áreas prioritárias para a conservação, com o objectivo de proporcionar um nível elevado de qualidade do habitat para a viabilidade das populações biológicas. Mas até agora não tem sido seguida uma abordagem científica e sistematizada para a definição dessas áreas. O que aparece frequentemente nesses planos são apreciações que apresentam fragilidades e fornecem poucos argumentos para fazer frente a propostas de investimentos que ponham em causa a protecção do ambiente. Todos nós sabemos que qualquer medida de conservação representa muitas vezes custos sociais e económicos, e por isso essas medidas devem ser bem fundamentadas através de uma avaliação sólida e rigorosa da vulnerabilidade das populações à extinção.


Seguidamente, é proposto um conjunto de critérios de avaliação com bases científicas que leva à selecção das áreas prioritárias para a conservação, como contribuição para a sistematização e racionalização desta abordagem (Figura). Esta avaliação tem como base a comunidade de vertebrados terrestres e informação relativa aos seus habitats favoráveis. Esta proposta compreende três fases:



Identificação das espécies prioritárias para a conservação

Para identificar de uma forma objectiva e inequívoca o conjunto de espécies com prioridade de conservação é necessário submeter cada espécie a uma avaliação através de um sistema hierárquico de pontuações (1, 2). Este sistema deve incluir a informação sobre (1) o estatuto de conservação, que indica o grau de ameaça a nível nacional, europeu e mundial e a responsabilização política assumida por Portugal na conservação de algumas espécies, (2) as características bio-ecológicas (ex: potencial reprodutor, nível trófico, especialização em termos de habitat) que medem a sua vulnerabilidade à extinção, e ainda (3) a situação geográfica que medirá a sua relevância no contexto regional, nacional e internacional. A ordenação das espécies resultará do somatório das pontuações atribuídas para cada variável, onde o valor mais elevado representará a prioridade máxima.

Figura – Sistema de avaliação de áreas prioritárias para a conservação.

 

Distribuição potencial de cada espécie prioritária

Esta fase deverá ser precedida de trabalho de campo, o mais exaustivo possível, para obter o máximo de informação sobre a sua distribuição. Nos casos em que é extremamente dispendioso realizar estudos sistemáticos para conhecer a sua verdadeira distribuição, é possível construir um modelo estatístico preditivo capaz de se aproximar à distribuição real da espécie. Estes modelos resultam da análise da relação entre dados de presença/ausência da espécie e um conjunto de variáveis ambientais que possam estar associadas à sua distribuição (ex: altimetria, hidrologia, coberto vegetal, uso do solo, densidade populacional, rede viária). O modelo de distribuição potencial resultante consistirá numa superfície de níveis de probabilidade de ocorrência dessa mesma espécie.



Selecção das áreas prioritárias para a conservação

Para a selecção das áreas prioritárias para conservação propõe-se a combinação de informação sobre a vulnerabilidade da fauna com a informação dos factores que ameaçam a sua preservação (3). A vulnerabilidade da fauna será representada pela união das distribuições reais e potenciais de todas as espécies prioritárias (4). Os factores de ameaça da fauna que estão geralmente associados ao desenvolvimento humano podem ser zonas industriais, estradas, fontes de poluição, zonas de caça, entre outros. O mapa resultante apresentará a área total de ocorrência das espécies analisadas classificadas de acordo com diferentes níveis de pressão sobre essas espécies, focando a urgência das acções de conservação a serem aplicadas. Os níveis mais altos de pressão sobre a fauna corresponderão às áreas com prioridade de conservação.

Esta abordagem, que foi já estudada para o Parque Natural da Serra de S. Mamede, apresenta um considerável potencial, ao reunir uma série de informações habitualmente disponíveis nas áreas protegidas (1). Este sistema poderá, com as devidas adaptações, ser aplicado a outras comunidades biológicas. A integração dessa informação num sistema de informação geográfica e a sua análise com modelos matemáticos permitem o desenvolvimento de cenários que identificam as necessidades de aplicação de medidas conservacionistas. Este modelo de avaliação objectiva as medidas a adoptar reduzindo consideravelmente os custos da sua gestão e aumentando a eficácia da sua aplicação. A definição de áreas prioritárias não encerra numa única proposta, bem pelo contrário, deve consistir num processo contínuo e cíclico de aperfeiçoamento e actualização de informação e de técnicas. O padrão de áreas prioritárias poderá ser facilmente modificado com a incorporação, no sistema de avaliação das áreas, de novos cenários e informações acerca das espécies e das suas distribuições, bem como do aparecimento de novos focos de ameaça à fauna.

 

Bibliografia


(1) Grilo C. (1998). Metodologias de avaliação de áreas prioritárias para a conservação: aplicação ao Parque Natural da Serra de S. Mamede. Relatório de estágio profissionalizante em Biologia Aplicada aos Recursos Animais, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 47 pp.

(2) Palmeirim, J. M., Moreira F., e P. Beja (1994). Estabelecimento de prioridades de conservação de vertebrados terrestres a nível regional: caso da costa sudoeste portuguesa. Pp. 167-199 in Professor Germano da Fonseca Sacarrão. Museu Bocage, Lisboa.

(3) Pressey R.L. (1996). Priority conservation areas: towards an operational definition for regional assessments. Selection and delimitation of Parks and Protected areas. J. Pigram & R. Sundell editors. University of New England press, Armidale.

(4) Kershaw M., G.M. Mace e P.H. Williams (1995). Threatened status, rarity and diversity as alternative selection measures for protected areas: test using Afrotropical antelopes. Conservation Biology. 9 (2): 324-334.

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