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Alterações na Paisagem de uma Região do Minho no Período 1958-1995: Implicações para a Ocorrência de Fogos Florestais

Francisco Moreira, Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves-ISA

É inquestionável que o tipo de uso do solo influencia a ocorrência de fogo. Este estudo pretende avaliar o papel da intervenção humana como modeladora da paisagem numa região minhota, na sua susceptibilidade aos incêndios.

Introdução

Podemos definir uma paisagem cultural como uma região onde a intervenção humana sobre o território dura há muitos anos, criando-se desta forma uma paisagem com padrões característicos (por exemplo, os montados alentejanos ou as paisagens em terraços no Minho). Neste tipo de paisagens pode-se esperar que variáveis socio-económicas, ao influenciar as decisões que os habitantes que as povoam tomam, ditem as principais alterações que nelas podem ocorrer. Na realidade, processos como o abandono ou intensificação agrícola, a destruição de florestas, o desenvolvimento urbano ou a supressão de fogos florestais, são maioritariamente determinados por decisões sociais e políticas.

Tal como muitas outras paisagens culturais, a região minhota é constituída por um mosaico diversificado, no qual habita uma população humana numerosa. Esta região possui a mais elevada frequência de fogos florestais (número de incêndios por ano) de toda a União Europeia, apesar de a dimensão média de cada fogo ser bastante reduzida (<10 ha). A maioria destes incêndios tem origem humana, e apesar de não existirem dados específicos para a região, sabe-se que a frequência de fogos florestais em Portugal aumentou muito desde meados do século XX, acompanhando o êxodo rural e o decréscimo da actividade agrícola.

Neste estudo foram testadas as seguintes hipóteses:

- Que as alterações na paisagem de uma região de 3700 ha localizada no Minho podiam ter sido previstas a partir dos principais eventos políticos e sociais. Começámos por fazer uma revisão dos principais marcos políticos e sociais durante o período de tempo considerado (1958-1993) e tentámos, a partir desses dados, gerar os cenários mais prováveis de alteração da paisagem. Por último, caracterizámos as alterações na paisagem no mesmo período, utilizando fotografias aéreas, e comparámos o que realmente ocorreu com o que tínhamos previsto.

- Que as alterações registadas na paisagem contribuíram para o aumento do número de fogos florestais na região. Esta hipótese foi testada utilizando 3 abordagens alternativas: (a) a partir das estatísticas de fogos florestais existentes para a região, obtidas da DGF; (b) a partir de modelos teóricos de acumulação de combustíveis na paisagem. O termo “combustível” designa a biomassa de matéria vegetal disponível para arder; (c) a partir do padrão de ocorrência dos fogos florestais mais recentes, cuja localização exacta é conhecida e nos pode permitir compreender de que forma o fogo “utiliza” a paisagem.


Métodos

A área de estudo tem 3700 ha e localiza-se entre Ponte de Lima e Paredes de Coura, numa região montanhosa conhecida como Corno do Bico. A altitude varia entre 400 e 800m.

Previsão das alterações paisagísticas no período considerado

As previsões mencionadas em seguida tiveram em conta dois grande factores de mudança: o abandono da actividade agrícola associado à perda de população por emigração, fenómeno mais vincado na década de 60, e as medidas políticas de florestação dos baldios e terrenos privados (tais como o Plano de Povoamento Florestal e o Fundo de Fomento Florestal). Desta forma, estimou-se que no período de tempo considerado as principais alterações paisagísticas deveriam ter sido as seguintes: (a) um decréscimo na área ocupada pela agricultura, quer em termos globais, quer na dimensão média de cada uma das parcelas agrícolas na paisagem. Este decréscimo seria explicado pela diminuição das actividades agrícolas e pastoreio, que deverá ter levado ao aumento da área ocupada por arbustos (na sequência do abandono agrícola); (b) os incentivos às florestações, juntamente com o abandono agrícola, teriam levado a um aumento da área florestal, particularmente pinheiros, (c) as alterações previstas nos 2 pontos anteriores teriam levado a um aumento da biomassa vegetal acumulada na paisagem, que contribuiu para o incremento dos fogos florestais.


Caracterização das alterações paisagísticas

A caracterização paisagística foi feita com base na fotointerpretação de fotografia aérea tirada nos anos de 1958, 1968, 1983 e 1995. Deste modo, as várias áreas de ocorrência de 7 tipos principais de usos do solo foram mapeadas e incorporadas num Sistema de Informação Geográfica. As categorias de usos do solo (equivalentes a habitats) consideradas foram:


(1) - áreas agrícolas – sobretudo localizadas nos vales, consistem num mosaico de parcelas muito pequenas e com uma grande diversidade de cultivos (milho, cereais, pastagens, vinhas, batatas, etc.); por vezes ocorrem algumas manchas de floresta nestas áreas. Esta categoria inclui ainda algumas pastagens de montanha.

(2) - matos baixos – sobretudo constituídos por tojo e carqueja com menos de 50 cm de altura.

(3) - matos altos – com altura superior a 50 cm, por vezes atingem mais de 250 cm. São constituídos por tojos e giestas.

(4) - Florestas de folhosas – incluem as árvores características da região, carvalho roble, ácer, castanheiro e bétula.

(5) - Florestas mistas – são uma mistura de folhosas e coníferas.

(6) - Florestas de coníferas – plantações de pinheiros e pseudostugas.

(7) - Áreas urbanas – vilas e povoamentos dispersos.


Para cada um destes usos foi estimado o número de parcelas na paisagem, a dimensão média de cada parcela e a sua área total, para cada um dos anos. Foi também estimado um índice de diversidade da paisagem, que expressa a percentagem dos vários tipos de uso. Por exemplo, uma paisagem em que 90% da sua área é zona agrícola terá uma menor diversidade que outra paisagem onde apenas 50% da área tiver este mesmo uso. Finalmente, foi efectuada uma análise dos principais tipos de alterações no uso (por exemplo, o que era agrícola transformou-se em matos ou floresta?).



Dados sobre a ocorrência de fogos florestais

Estes dados foram cedidos pela Direcção-Geral de Florestas (DGF) para as freguesias incluídas na área de estudo, para o período 1980-1996. Para cada um dos anos, o número de ocorrências e a área total ardida foram anotadas.

Modelos de susceptibilidade da paisagem aos incêndios

Os supramencionados modelos de combustíveis foram construídos de forma extremamente simples. Cada uso do solo foi classificado numa escala crescente de susceptibilidade ao fogo, por exemplo, 1 para áreas agrícolas e urbanas, 2 para matos baixos, 3 para matos altos, 4 para florestas de folhosas, 5 para florestas mistas e 6 para florestas de coníferas. Em seguida, para cada ano, multiplicou-se a área total de cada uso do solo (em hectares) pela sua susceptibilidade e somou-se esse valor para todos os usos do solo. Quanto maior o valor obtido, maior a susceptibilidade geral da paisagem ao fogo. Este procedimento foi repetido para modelos cada vez mais simples (por exemplo, considerar que a susceptibilidade aos incêndios era igual para todos os tipos de florestas) até ao mais simples de todo, em que se assumia o valor 0 para zonas agrícolas e urbanas (susceptibilidade mínima ao fogo) e 1 para os restantes usos do solo.


Medição da susceptibilidade real aos incêndios: o fogo como “um animal”

A criação dos modelos teóricos é apenas uma aproximação ao mundo real. A utilização de dados reais sobre a configuração e localização de áreas ardidas permite-nos medir efectivamente de que modo o fogo “utilizou a paisagem”. Assim, a partir dos usos do solo que estavam “disponíveis” para o fogo e comparando com o que realmente ardeu, foi possível estimar um índice de selecção para cada tipo de uso do solo, como se os incêndios fossem animais que gostam mais de um tipo de alimento do que de outro. Quando este índice é igual a 1, o fogo utilizou esse tipo de uso do solo de forma aleatória. Se o índice é inferior a 1, podemos dizer que o fogo “evitou” esse uso do solo. Quando o índice é superior a 1, então esse uso é particularmente seleccionado pelo fogo, o que significa que existe alta probabilidade de arder.

Para estimar estes índices de selecção, foram utilizadas as áreas ardidas por 13 incêndios com dimensões muito variáveis (1 a 410 ha), que ocorreram durante o período 1995-1999. Finalmente, os índices obtidos para cada uso do solo foram multiplicados pela área desse uso para cada ano, obtendo-se assim um valor de susceptibilidade ao fogo semelhante ao da secção anterior, com a diferença de que era baseado em dados reais (e não teóricos).


Resultados e Discussão

Alterações na paisagem

A área agrícola registou um declínio de 29% em área durante o período 1958-1995. Este declínio ocorreu primeiro nas zonas agrícolas mais isoladas e de menores dimensões. A área ocupada por matos baixos registou a maior diminuição (48%). Em contrapartida, a área de matos altos aumentou 96%, tal como as florestas mistas (84.5%) e de folhosas (390%!). As florestas de coníferas registaram maior variação ao longo do tempo, apesar de a tendência ter sido também para aumento. Durante o intervalo de tempo entre cada uma das fotografias aéreas, as principais direcções de alteração no uso do solo foram as seguintes:

- No período 1958-1968, a transformação de áreas agrícolas em matos e florestas (principalmente de folhosas), bem como a substituição de matos baixos por matos altos e floresta;

- No período 1968-1983, uma continuação da transformação de áreas agrícolas em matos altos, bem como a transformação de florestas de coníferas em florestas mistas;

- No período 1983-1995, a transformação de matos altos em matos baixos e a transição de matos baixos para florestas de coníferas.


Modelos de susceptibilidade da paisagem aos incêndios

O número de fogos florestais nas freguesias da área de estudo triplicou durante o período 1980-1996, apesar da área total ardida ter variado substancialmente em cada ano. A maioria das áreas ardidas eram matos e pinhais.



Os valores obtidos para os modelos de susceptibilidade da paisagem ao fogo mostraram um aumento progressivo, que variou entre 20 e 40%, conforme o modelo (Figura 1).

Figura 1 – Variação do índice de susceptibilidade ao fogo estimada a partir de 5 modelos de acumulação de combustíveis na paisagem. A linha mais grossa indica o valor estimado com base nos índices de selecção (ver texto).


Os índices de selecção pelo fogo para as várias categorias de uso do solo podem ser vistas na Figura 2. Os matos (altos e baixos) registaram valores superiores a 1, o que significa que eram utilizados pelo fogo mais frequentemente que o esperado, caso o fogo ocorresse de igual forma em todas as categorias. Os pinhais também se encontravam ligeiramente acima do valor unitário. Em contraste, zonas agrícolas e florestas de folhosas e mistas eram “evitadas” pelo fogo (valor inferior a 1). Utilizando os valores destes índices de selecção obtém-se igualmente um índice crescente de susceptibilidade da paisagem ao fogo, apesar de o incremento não ser tão marcado (Figura 1).


Figura 2 - Valores médios e variabilidade dos índices de selecção (w) para cada uso do solo, estimados com base em 13 fogos florestais no Minho.


Conclusões

As previsões inicialmente feitas sobre as tendências esperadas para a evolução da paisagem foram confirmadas, mostrando que as acções humanas são o principal motor de alteração das paisagens desta região. Estas alterações levaram a um aumento de 20 a 40% na susceptibilidade da paisagem aos incêndios. Zonas de matos são particularmente susceptíveis ao fogo. Em termos de gestão florestal, este trabalho mostra o impacto que pode ter a utilização de povoamentos mistos e de folhosas na prevenção de fogos florestais. De facto, relativamente aos pinhais, a floresta mista e de folhosas é muito menos susceptível ao fogo. Ao utilizar folhosas, como carvalhos ou castanheiros, é diminuída para metade a probabilidade de ocorrência de fogos florestais.


Agradecimentos

À Direcção-Geral das Florestas (Eng. Rui Natário e Eng.ª Manuela Soares Batista) pela cedência de dados relativos à ocorrência de fogos florestais. Este trabalho foi elaborado no âmbito do projecto comunitário “LUCIFER – Land use changes interactions with fire in Mediterranean landscapes”. O presente documento resulta de um resumo do artigo: Moreira, F., Rego, F., Ferreira, P. (2001) Temporal (1958-1995) pattern of change in a cultural landscape of northwestern Portugal: implications for fire occurrence. Landscape Ecology, 16: 557-567.

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