Montado, além, mais pra além,
Há céus azuis e há searas.
E brandas águas que têm
O brilho de pedras raras,
E não há só solidão ! …
Solidão que experimenta quem está domiciliado num mundo à parte? Os atractivos enumerados, não seduzem o poeta, que permanece com o montado. Realiza-se a unidade entre ambos.
Mas essa tua canção
- solução d’alma que anseia –
Também a meu coração,
Furtivamente se enleia.
E aqui me fico contigo.
Sem ternura, nem doçura;
Mas longe do mundo vão,
- Meu velho montado amigo ! …
É sempre preciso um poeta. Ele conduz-nos a um mundo mais vasto, mais ardente, mais belo, onde as dissonâncias se resolvem em harmonias.
Fotografias de José Romão
2- Em 1960 José Régio escrevia assim: “Pela simples vivacidade dos sentidos, ainda Francisco Bugalho não seria o poeta que é; sendo já, sem nenhum desperdício de palavras, um belo pintor da Natureza … Os conhecidos sentidos … multiplica-os, transcende-os o poeta pela sua faculdade de sonhar, contemplar, cismar, abandonar-se. Eis que a sua comunicação com a Natureza vai muito além, assim, do primeiro contacto e penetra-a até aos seios do mistério …”. E é destas faculdades de “sonhar”, “contemplar” e de “cismar”, referidas por José Régio que nasce a obra do poeta, a importância do seu pensamento.
Se cada arte tem o seu próprio público, cujo comportamento e pensamento influencia, que acção escreverá a poesia ?
Diz-se que a poesia proporciona prazer. Porém, não existe só, para que os leitores alcancem a plenitude dos bem aventurados.
Na obra de Francisco Bugalho, o tema da relação entre os seres, aparece em diversos poemas. Num tempo em que os abusos inflingidos sobre a fauna e a flora são frequentes e por vezes irreparáveis, é útil conhecer outras formas de relacionamento. O poema Humildade demonstra que a vida quer esteja no Homem, nos animais, ou nas plantas é sempre a vida.
HUMILDADE
As águas beijei,
As nuvens olhei,
As árvores cantei,
Na sua beleza.
Os bichos amei,
Na sua bruteza,
Na sua pureza,
De forças sem lei.
E porque os amei
E os acompanhei,
Não me senti Rei
Na Mãe-Natureza.
Através de diversos encaminhamentos, e a poesia será um dos caminhos, nasce o desejo de estabelecer um modo melhor de regulamento, das relações entre o Homem e o meio natural.
Francisco Bugalho, o poeta “pintor da Natureza” terá vivido na perspectiva da eternidade. O poema A uma Árvore, celebra o triunfo da vida. Uma árvore que o poeta plantou, acompanha o ritmo das estações, regenera-se ciclicamente, ouve os sonhos dos filhos do poeta e eterniza-o.
A UMA ÁRVORE
Árvore
Quando eu morrer hás-de ficar.
Hás-de ver o passar doutras Estações.
Hás-de ouvir as canções
De uns outros ninhos, noutras Primaveras.
Junto de ti, meu filho há-de sonhar
Minhas antigas, fúlgidas quimeras.
Árvore
Quando eu morrer, hás-de falar
De mim, que te plantei.
E, em cada ramo novo que brotar,
Serás um gesto meu a perdurar:
- Por ti, não morrerei …
Além do mais, a obra que Francisco Bugalho deixou, é algo de si mesmo, que está vivo.
- Bugalho, F. (1998). Poesia. 2ª edição. Editora LG, Lisboa.
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