Silva Porto e a Natureza: um olhar entre o realismo e o naturalismo

José Marmeleira - Artlink
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A fidelidade ao momento, o rigor descritivo, a escassez de elementos não campestres ou ausência de qualquer complexidade formal foi oferecendo à sua obra um cada vez maior sentimentalismo. Pintura marcante, Guardando o Rebanho (1893) chegou a ser identificada como exemplo de um naturalismo idealista. Tal verificar-se-ia também em Ceifeiras (1893) onde se acalentava uma ideia da terra como lugar generoso onde os ciclos da vida se assemelhavam aos ciclos do campo. O que vibrava na sua pintura era essencialmente a Natureza e não os gestos do Homem, porquanto a imaginação acabava por se submeter à paisagem e não o contrário. Ao contrário dos impressionistas, que neste período dominavam já a cena artística europeia, Silva Porto quando representava o que o encontrava no campo raramente ousou subverter a verdade óptica. Aquilo que via era o que representava de forma fiel e não havia lugar para uma individualização do fazer que pudesse ameaçar a descrição. Poucos elementos eram adicionados às obras para além de um encontro sentimental e monótono com a natureza. Aquilo que esta pudesse conter ou oferecer, se invisível, não era passado à tela. Exemplos dessa necessidade de respeitar os motivos – numa sincera apologia da agricultura – foram as obras sobre o tema das cancelas, como Cancela Vermelha, datada 1880, e Cancela, Serreléis (Minho). Sublinhavam também a atracção por um intimismo e privacidade a que autores com Júlio Dinis e, fundamentalmente Ramalho Ortigão, acabariam por dar uma interpretação literária.


Guardando o Rebanho
1893, óleo sobre tela
160 x 200 cm
Museu Nacional de Soares dos Reis
Porto, Portugal

A Natureza, e seus elementos (sol, árvores, pasto, animais, rios) não forneciam contexto para festejos ou comemorações, momentos de tensão ou cansaço. Simbolizavam antes uma devoção do homem ao que a terra tinha para oferecer. Esta atitude quase reverencial acabaria também por situar Silva Porto longe das posições reivindicativas da maioria dos realistas franceses que não se coibiram tanto na arte, como na vida política, de intervir de forma empenhada na realidade social revelando, por vezes, fortes simpatias socialistas. Apolítica, a pintura de Silva Porto acabaria, facilmente, por ser usada para fins propagandísticos durante o Estado Novo.

Nascido e educado num um País que permanecia indeciso entre o desafio do progresso e o conforto da tradição que o ruralismo oferecia, Silva Porto limitou-se a abraçar a segurança da vida provinciana (como aliás o próprio Eça de Queiroz, reconhecido escritor progressista, que no fim da sua vida optaria pelo mesmo caminho).

Do gesto e vontade de Silva Porto ficou para a história da arte portuguesa um optimismo que atravessa despretensiosamente diferentes cenários naturais do País. Na maioria das suas pinturas reconhecemos, de forma imediata, um comovente amor à gente rústica, aos seus momentos, tarefas ou até à função que ela deteria no contexto da ordem social do século XIX. Silva Porto possuía uma fé infinita na terra e na natureza. Fé essa que determinaria a sua vida e obra e que vemos hoje reflectida nas telas da sua autoria.

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