Anfíbios: uma vida dupla de adoração e discriminação

Filipa Martins
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CULTURA POPULAR (TAMBÉM) PORTUGUESA

O ser viscoso e peçonhento

A aparência viscosa destes animais deve-se ao facto de terem a pele “nua” (sem pêlos, penas ou escamas), que tem de estar ininterruptamente hidratada, uma vez que estes animais utilizam tanto os pulmões como a pele para respirarem. A pele é geralmente brilhante devido às secreções cutâneas que a cobrem.

O “coxo”, as verrugas e a cegueira

Ao manuseio de sapos e salamandras estão associados males de pele, referidos em alguns locais por coxo, e o aparecimento de verrugas. A maioria dos anfíbios é inofensiva e as secreções cutâneas dos anfíbios destinam-se simplesmente a protegê-los contra predadores e só actuam em contacto com mucosas (boca, nariz e olhos), causando alguma irritação passageira, no entanto se ingeridas poderão provocar má disposição e alucinações. Por isso, basta lavar as mãos imediatamente a seguir ao seu manuseio, e beijar sapos está fora de questão, até porque príncipes encantados só em contos de fadas.

Outra crença popular é que a urina destes animais, normalmente projectada durante o seu manuseio, provoca cegueira, o que também não é verdade. A libertação de urina é igualmente utilizada para defesa, por ser algo inesperado e desagradável para os predadores, e não porque possua substâncias nocivas, com o fim de cegar.

Salamandras e o fogo

A salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra), presente em Portugal, exibe uma coloração invulgar (manchas amarelas e por vezes vermelhas) e por essa razão é erradamente associada às forças das trevas desde a Idade Média, sendo conotada como um animal demoníaco que nasce das chamas, que cospe fogo e consegue atravessá-lo sem se queimar – em muitos locais é chamada de salamandra de fogo.

A crença de que a salamandra nasce do fogo deve-se ao facto de, na ocorrência de incêndios, elas serem vistas a saírem do interior das zonas afectadas, o que pode ser explicado pelo simples facto de, tal como os outros animais, elas estarem a fugir pela sua sobrevivência.

Chuvas de sapos

Uma crença mais inofensiva é a das “chuvas” de sapos, que corresponde ao fim da hibernação de muitas espécies de sapos e ao início das suas migrações em busca de locais de reprodução, quando cai uma chuvada intensa, após uma seca prolongada. Como surgem repentinamente com a água, saltando e invadindo terrenos e ruas, muita gente julga terem caído do céu.
 
Anfíbios venenosos

A maioria das espécies de anfíbios não é venenosa, apenas segrega substâncias tóxicas, mas benignas, geralmente com efeitos irritantes  passageiros. As espécies venenosas só constituem perigo para os animais que as tentem ingerir.

Acredita-se que a mordedura de salamandra-de-pintas-amarelas é venenosa, o que não tem qualquer fundamento, pois as salamandras mesmo quando manipuladas não mordem.

… e mais crendices e superstições (sem fundamento)

“Um bocado de pão dentado, se for dado a um sapo, por qualquer pessoa que nos queira mal, mirra-se o sapo e mirramo-nos nós.”

“Quando um sapo nos fita é preciso dizer de repente, três vezes, cuspindo sempre fora: «Santos em mim / Quebrantos em ti.»”

“Quando se encontra um sapo e por acaso se lhe dá pancada, é necessário acabar com ele de todo, senão vai ter com a pessoa à cama.”

“Quando um sapo entra em casa, é preciso ir ver logo se ele tem os olhos cosidos, para lhos descoser, porque se não se faz isto, a pessoa a quem fizeram feitiçaria com ele, morre imediatamente.”

Algumas pessoas acreditam que as rãs foram geradas espontaneamente a partir da terra e da água e que conseguem sobreviver nas rochas durante séculos.

Os anfíbios, sendo considerados animais nocivos, são espetados em canas, servindo como espantalhos, para afugentar os outros sapos que ficam com medo e, portanto, se afastam.

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