Anfíbios: uma vida dupla de adoração e discriminação

Filipa Martins
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CULTURAS INDÍGENAS

Os anfíbios têm um papel importante no quotidiano dos povos indígenas, com diferentes utilidades consoante as tribos, mas embora elas se sirvam deles para o seu bem-estar, são valorizados e respeitados.

Para as tribos americanas nativas a rã simboliza geralmente a chuva.

Os ameríndios da Colômbia esfregam os dardos de caça pelo dorso de rãs-dardo-dourado (Phyllobates terribilis), chegando por vezes até a golpear as rãs com as setas, para envenenar o dardo e criar um projéctil mortal, que é então atirado aos macacos nas árvores.

Por seu lado, os caçadores de algumas tribos indígenas da Amazónia esfregam as secreções da pele da rã-macaco-gigante (Phyllomedusa bicolor) em queimaduras auto-infligidas. As toxinas dessas secreções provocam náuseas e alucinações nos caçadores, que afirmam melhorar a atenção e aumentar o sucesso de caça.


Os aborígenes australianos usam as Litoria platycephala como fonte de água durante períodos de seca – cavam buracos em lagoas secas até as encontrar e, em seguida, esguicham a água armazenada na bexiga para a boca. Contam a história de uma rã que certa vez engoliu toda a água da terra. Houve uma grande seca, e os animais decidiram que poderiam salvar-se apenas fazendo rir a rã. Mas a rã permaneceu imóvel às suas cómicas tentativas até que a enguia dançou, torcendo e rodando desajeitadamente. Então, a rã começou a rir à gargalhada, libertando assim os rios e os lagos.

 

LENDAS ORIENTAIS

Para os povos orientais, os anfíbios já apresentam alguma plasticidade conotativa, embora a maioria seja negativa.

Na China, os sapos foram um dos cinco animais venenosos, mencionados juntamente com o escorpião, centopeia, aranha e cobra.

Segundo reza a lenda chinesa, o eremita Liu Hai descontaminou um charco ao atrair para fora o sapo Ch'an com um punhado de moedas de ouro. Ele matou o sapo, punindo assim o pecado da avareza. No entanto, Liu Hai tem sido muitas vezes retratado com Ch'an carinhosamente sentado a seu lado como uma espécie de animal de estimação, e um sapo com uma moeda na boca é um símbolo de grande riqueza.

Um sapo com três pernas foi muitas vezes descrito na Lua, em que cada perna representava cada uma das três fases lunares. Afirmam os chineses que os eclipses ocorrem quando o “sapo na lua” tenta engolir a própria lua.

O filósofo japonês do séc. XVIII Shoeki Ando, um crítico implacável da arrogância humana, escreveu que o sapo uma vez rogou para andar erecto como uma pessoa. Essa dádiva foi lhe concedida, mas então ele descobriu que, com os seus olhos focados apenas no Céu, já não conseguia ver por onde ia. Quando lamentou o seu pedido, o Céu devolveu-o ao seu estado original. Tinha, o sapo explicou, sido como alguns sábios (Sakyamuni ou Lao-tzu), “olhando apenas para as alturas, não conseguia ver os oito órgãos dos seus próprios sentidos…”.

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