Anfíbios: uma vida dupla de adoração e discriminação

Filipa Martins
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A BÍBLIA

Na religião cristã, os anfíbios são citados de forma negativa: uma das pragas do Egipto foi um exército de sapos que varreu as terras. Contudo, a praga do êxodo em massa de rãs  da água é antecipada por uma praga da poluição da água e sucedida por uma praga de insectos,  pelo que parece ser uma referência com pouco teor profético. No Novo Testamento, demónios com forma de rã saltam da boca do Dragão, da Besta e do Falso Profeta.

Segundo a Bíblia, quando o faraó recusou a saída do povo de Israel do Egipto, Moisés foi enviado com a ameaça de o rio transbordar sobre eles e, considerando as rãs seres imundos, elas iriam poluir todo o seu palácio e iriam mesmo andar sobre ele, sobre os seus cortesãos e subordinados.

Embora a maioria da tradição hebraica trate estes animais com repulsa, alguns intérpretes rabínicos durante a diáspora têm reconhecido as rãs do Egipto como defensores heróicos da fé, dispostos a abraçar o martírio de serem queimados vivos.

 

BRUXARIAS E MEZINHAS

Desde a Idade Média que bruxas e sapos estão intimamente ligados. Segundo alguns relatos, as bruxas coabitavam com anfíbios e vestiam-nos, chegando mesmo a serem citados em julgamentos como familiares das bruxas. Houve muitos relatos de rãs ou sapos que emergiam da boca de uma mulher, um evento que poderia ser entendido como prova de feitiçaria. As secreções da pele dos sapos estavam incluídas na lista de ingredientes populares de poções mágicas.

Nesta época, pensava-se que as salamandras conseguiam sobreviver ao fogo e que as árvores onde elas tocassem davam frutos envenenados. Existia também a superstição de que para um homem saber os segredos de uma mulher, ele primeiro tinha de cortar a língua a um sapo vivo. Depois de libertar o sapo, o homem tinha que escrever certos encantos na língua e colocá-lo no coração da mulher. Assim ele poderia fazer perguntas às quais a mulher responderia com a verdade.

Acreditava-se também que os sapos tinham pedras preciosas dentro da cabeça, que eram efectivamente procuradas pelos alquimistas pelas suas propriedades mágicas, especialmente para detecção ou neutralização de veneno.

Em Portugal, os anfíbios ainda são usados em bruxaria, em práticas de voduísmo com a aplicação de alfinetes e outros adereços em sapos-comuns (Bufo bufo), e em medicina alternativa, onde a barriga de sapos-corredores (Epidalea calamita) evidencia poderes curativos quando atacados a feridas, as quais saram mais depressa que qualquer outro medicamento convencional. As cinzas de salamandra eram utilizadas na cicatrização de úlceras e, hoje em dia, ainda são consideradas vermífugos e antídotos contra mordeduras de serpentes.



ANFÍBIOS E A ARTE

Na arte, os anfíbios eram retratados como símbolo do Diabo e da punição. Muitos pintores do início do Período Moderno exibiram obras com demónios forçando os condenados a comer sapos no Inferno. Hieronymus Bosch retratou uma mulher condenada a copular com um sapo na sua pintura “Os Sete Pecados Capitais”. Outros ilustravam sapos antropomórficos ou rãs a cozinhar e a devorar seres humanos.

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