A árvore na paisagem romântica

César Borralho
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"Inspeccionei as minhas vistas nativas com afeição fraternal e olhei afectuosamente cada árvore como se tivessemos ambos nascido à mesma hora as colmeias, os bosques, os arbustos, o próprio musgo sob os meus pés entrava nesta afinidade geral e eu imaginava-me rodeado por uma assembleia dos meus melhores amigos e das minhas mais íntimas relações. Que outra companhia podia eu ambicionar?" (Melville, 1910, obra citada)


Não é apenas com as árvores que se verifica esta cumplicidade. Há um segundo elemento que, em certas ocasiões, assume particular relevo. Encostado a uma árvore, Beckford não se limita a contemplar, ou antes, ele realiza o que poderíamos chamar uma contemplação auditiva. A semente de todo um percurso estético detecta-se neste fragmento:


"Escutando cada nota selvagem que tremia nos ventos e enquanto me apoiava num carvalho, um tímido e longínquo murmúrio irrompeu no meu ouvido." (Melville, 1910, obra citada) 
 
Tudo leva a crer que Beckford desenvolveu uma relação particular com o som, os murmúrios, as vozes e o seu prolongamento natural, a música.


Voltando às árvores há dois tipos de referências nas cartas da juventude. Uma atenção particular ao bizarro, às formas contorcidas que fornecem à imaginação o ponto de partida para o lançar no fantástico e uma referência à elegância, à altura dos pinheiros e dos ciprestes, que surge particularmente na viagem que realizou a Itália.


Além de reencontrarmos a atenção dada à singularidade das formas, à elegância de certas árvores (no terraço do Jardim Botânico de Lisboa ele referirá "o balançar das altas acácias, expostas pela sua elevada situação a todas as brisas do Tejo" (citação de W. Beckford - A Corte de D. Maria I, Correspondência de William Beckford) reencontramos a relação entre a árvore e o vento. Compare-se esta passagem de 1778 que passo a citar: "um vento fresco agitou todas as árvores e pregueou o relvado, e num instante milhares de formas encantadoras cintilaram por entre os bosques" (Melville, 1910, obra citada), com este belo trecho das Recollections (escritas com toda a probabilidade num período tardio) que diz respeito ao amanhecer no convento do Tajal: "os raios de sol entrando pelas minhas janelas intimaram-me a desfrutar a fresca brisa natural soprando sobre a massa ininterrupta da folhagem que cobre todo o vale pertencente ao convento" (citação de W. Beckford - Recollections of an Excursion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha, edição de 1972)


Estes elementos da escrita de Beckford remetem para quadros simbólicos mais vastos, e podem ser interpretados em termos da sua posição numa dimensão fundamental do espírito humano com conotações sobrenaturais. Aqui limitamo-nos a assinalar brevemente o lugar da árvore e da Natureza no imaginário de William Beckford.

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