Do Sobreiro na Terra ao Sobreiro na Tela

Maria Júdice Borralho
Imprimir
Texto A A A

Um olhar multifacetado sobre o quadro ‘O Sobreiro’ pintado por D. Carlos de Bragança em 1905. Quando a atenção se concentra no espaço bidimensional da tela, os olhos vivem a mais livre das aventuras: a obra abre-se a múltiplas interpretações, não alterando, porém, o carácter pela qual ela vale, consiste e comunica.

O passado é argila que o presente lavra 
                                                                                              por capricho.  Interminavelmente.
                                                                                                                  Jorge Luís Borges

1. O espectador ideal
Misteriosa como a vida, a obra de arte é sempre uma surpresa. Pintado em 1905 por um rei, D. Carlos de Bragança, o quadro de nome SOBREIRO é mais do que a cena silenciosa que agrada ao espectador. O prazer estético da primeira impressão é apenas o início de uma relação mais profunda. Quando a atenção se concentra no espaço bidimensional da tela, os olhos vivem a mais livre das aventuras: a obra abre-se a múltiplas interpretações (alguém disse que há tantos Hamlets quanto a melancolia dos seus leitores) porém, as diferentes leituras, não alteram o carácter pela qual ela vale, consiste e comunica.
José - Augusto França incluiu Sobreiro no livro intitulado 100 QUADROS DO SÉCULO XX. O texto que o apresenta contém informações sobre a já centenária obra e, recorrendo à fantasia, o douto historiador mostra ainda como uma visão poética a enriquece. As palavras que se seguem testemunham o fenómeno: olha-se para esta árvore enorme e torcida, de raízes brotando da terra ingrata, e é uma escultura de carne que se vê corpo poderoso, vermelho de pele, abaixo da cortiça que o veste pelo meio, como uma camisa que se despe pelos braços alçados. Num campo alentejano, solitário e silencioso sobreiro impressiona.  


D. Carlos de Bragança pintou prospectivo e profético caminho atravessando o conjunto pictórico. Vem do fundo da tela, passa por um bosque onde tudo pode acontecer – até um encontro com o lobo dos contos infantis - passa lesto ao lado do velho sobreiro e, só termina, quando esbarra no limite oposto do quadro. Sobreiro, caminho e bosque interagem, e é na sequência dessa interacção, que tudo ganha sentido. Nesta paisagem de lógica aberta que verdade acontece? Caminho, bosque e sobreiro oferecem-se para metáfora ou o pintor teve só preocupações realistas?
Entretanto, através dos poderes sensuais da pintura, nota-se na imagem do sobreiro, uma dualidade: a da sua realidade propriamente visível, árvore inclinada igual a tantas outras, e a da sua idealidade invisível, concepção diferenciadora que, desafiando interpretações, permite várias leituras. José - Augusto França, chamou-lhe escultura de carne e a cortiça comparou-a a camisa que se despe. De acordo com a teoria de Umberto Eco, este é um bom exemplo do espectador ideal porque, ao observar a obra e ao discorrer sobre ela, também tenta criar… toma parte na obra.

Newsletter