KANDINSKY, Wassily (1866-1944) - abstracção ou biomorfismo?

João Bugalho
Imprimir
Texto A A A

Kandinsky, o primeiro pintor abstracto, começou a estudar pintura com trinta anos, mas cedo se afastou da representação. Porém, as suas formas evocam a microscopia e sugerem viagens através de fantásticos microcosmos biológicos.

Kandinsky nasceu em Moscovo, em 1866. Em criança aprendeu a tocar violoncelo e piano com os pais e, talvez por isso, a música veio e ter influência nos seus quadros, estando, nomeadamente, na origem dos títulos de algumas das suas obras (p. ex. Improvisos e Composições). Os seus pais separaram-se cedo mas, de maneira diferente, ambos parecem ter contribuído bastante para o desenvolvimento da sua sensibilidade. Wassily considerava a mãe de “uma beleza austera e grave, simplicidade e energia inesgotável”, uma fonte de perfeição e de tensões que procurou imitar nos seus quadros.

Entrou com vinte anos na Universidade de Moscovo para estudar Direito e Economia, chegando a leccionar Direito na Faculdade de Moscovo, a partir de 1892, depois de formado. O mundo jurídico despertou-lhe o sentido por relações abstractas e desenvolveu-lhe o interesse pela Economia, pela História do Direito Russo e pelo Direito dos Camponeses. Os seus trabalhos na área da investigação sociológica, etnográfica e antropológica levaram-no a colher informações duradouras sobre a cultura dos agricultores russos e fê-lo contactar com as cores garridas das suas casas e mobiliários e com as fortes policromias dos trajes, com fortes influências em algumas das suas primeiras pinturas.
 
Em 1895 deu-se um episódio curioso. Wassily viu o quadro de Claude Monet, a “Meda de feno”, e descreveu assim a sensação que este lhe transmitiu: “E de repente, vejo pela primeira vez um quadro. Segundo o catálogo tratava-se de uma meda de feno. Contudo, vergonhosamente, não consegui identificá-la. Não me pareceu que o pintor tivesse o direito de pintar de uma forma tão indecifrável. Tinha o vago sentimento de que o quadro não continha qualquer objecto. E comecei a notar com um certo espanto que o quadro não apenas me fascinava, como se gravava de forma indelével na minha memória. (...)”

Kandinsky era muito atento ao mundo exterior e atingiam-no profundamente todas as tensões e inseguranças da época. Por causa da descoberta da energia atómica em 1896 afirmou: “A desintegração do átomo constitui no meu espírito a desintegração do mundo inteiro. As paredes mais grossas desabaram de repente. Tudo se tornou inseguro, trémulo e fraco. Não me admiraria se uma pedra se derretesse e tornasse invisível à minha frente.”

Então, com trinta anos decidiu dedicar-se definitivamente à arte e, já casado com sua prima Anya, partiu para Munique para estudar desenho e anatomia, áreas que na época eram consideradas como a formação básica essencial para qualquer artista.

 
 
Curiosamente, o trabalho de Kandinsky cedo partiu num sentido bem diferente, tendo vindo a originar aquilo que veio a ser considerada a primeira pintura verdadeiramente abstracta. Cedo encontrou uma necessidade interior que o forçou a deixar para trás a representação da imagem. Para Kandinsky, “em geral, a cor é, pois, um meio para exercer influência directa sobre o espírito. A cor é a tecla. O olho o martelo. O espírito é o piano com inúmeras cordas. O artista é a mão que oportunamente faz vibrar o espírito do homem segundo o seu capricho, através desta ou daquela tecla.”

A sua pintura começou a ser exposta em diversos pontos da Europa, a partir de 1903, criando enorme controvérsia. Juntamente com Franz Marc e a Bauhaus criou a revista “Cavaleiro Azul” (Der Blaue Reiter).

Kandinsky não só pintou como escreveu teorias relativas à pintura, sendo essencial para a compreensão da obra a leitura do seu livro “Do espiritual na arte”, (Publicações D. Quixote, 1987. 4ª Edição, 1999). Aí afirma: “Existem olhos que sabem ver e cérebros capazes de síntese. Estes interrogam-se: Se a verdade de anteontem foi derrubada pela de ontem, se a de ontem pela de hoje, não o será também a de hoje pela de amanhã?”.
 
No interessantíssimo capítulo sobre a linguagem das formas e das cores afirma: “O absoluto não existe. A composição formal, baseada nesta relatividade, depende 1º da viabilidade do conjunto das formas; 2º da variabilidade de cada uma, nos seus mais ínfimos elementos. Cada forma é tão instável como uma nuvem de fumo. A mais imperceptível alteração de uma das suas partes transforma-lhe a essência. E de tal forma, que se torna mais fácil obter o mesmo som, através de formas diferentes, do que expressá-lo repetindo a mesma forma; uma repetição absolutamente igual é inconcebível. Na medida em que apenas somos sensíveis à composição no seu conjunto, este facto tem uma importância meramente teórica. A sua aplicação prática aumentará à medida em que o emprego de formas mais ou menos abstractas (ou seja, que não tenham uma interpretação do corpóreo) fortaleça e apure a nossa sensibilidade. A arte tornar-se-á cada vez mais difícil. Mas ao mesmo tempo aumentará - qualitativa e quantitativamente – a sua riqueza e formas de expressão.”

Solomon Guggenheim teve um papel importante no apoio à sua obra, bem como em divulgá-la nos Estados Unidos, onde fez numerosas exposições.
 
A partir de 1933, Kandinsky mudou-se para Neully, nos arredores de Paris, onde passou a ser regularmente visitado por alguns dos mais jovens artistas da época, entre os quais Miró.

Queremos, contudo, fazer notar neste artigo que ao longo de toda a sua obra, mas sobretudo quando esta caminha para o fim, as formas de Kandinsky depuram-se, tornam-se cada vez mais leves e mais fantásticas, mas também cada vez mais parecem ser extraídas de um mundo microscópico imaginário. É curioso que não tendo o pintor uma formação biológica, as suas abstracções evoquem, tanto mais frequentemente quanto mais próximas do final, formas da vida microscópica ou, também, do espaço extraterrestre. Amibas, protozoários, texturas citológicas ou histológicas, planetas e cometas de galáxias desconhecidas, atravessam com enorme simplicidade e beleza, o tecido dos seus fantásticos quadros, os quais se tornam tanto mais belos quanto mais os olhamos.

A partir de 1937, Kandinsky foi considerado em Berlim, como muitos outros artistas modernos, um pintor degenerado.

Durante o final da guerra e nos anos seguintes era grande a escassez de materiais pictóricos e Kandinsky pintou com guaches cartões de pequenas dimensões. A sua última obra, “Elan Temperado”, é um óleo sobre cartão com 42x58 cm, fortemente marcada pelas características biomórficas que referimos.
 
Continuou sempre a pintar até falecer em Neully, em 13 de Dezembro de 1944.

Wassily Kandinsky abria definitivamente um novo caminho para a pintura e mesmo para a arte.

Bibliografia

Düchting, H. 2000 .Kandinsky. Ed. Taschen.

Kandinsky, W. 1954. Edição portuguesa 1987. Do espiritual na arte. Publicações D. Quixote.


www.artchive.com/artchive/K/kandinsky.html

www.glyphs.com/art/kandinsky

www.lsi.usp.br/~artigas/kandinsky/oartista.html

www.oir.ucf.edu/wm/paint/auth/kandinsky

 

Comentários

Newsletter