Biodiversidade - porquê preocuparmo-nos com ela?

Maria Carlos Reis
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Preservar a diversidade biológica não é simplesmente um ideal romântico de almas bem intencionadas, é uma necessidade premente. Conheça algumas das razões que fazem com que o futuro da Humanidade dependa disso.

A biodiversidade é uma necessidade, não um luxo. Nos anos mais recentes, o desaparecimento de espécies e de áreas naturais, consequência da actividade humana, tem ocorrido a uma velocidade sem precedentes. Não mencionando os problemas éticos, frequente e justificadamente referidos, a extinção adicional de mais uma espécie representa uma perda irreversível de códigos genéticos únicos, que estão muitas vezes ligados ao desenvolvimento de medicamentos, à produção de alimentos e a diversas actividades económicas.

A biodiversidade não só fornece os referidos benefícios directos, como também nos garante um sistema de suporte da vida. Ela é exigida para a reciclagem dos elementos essenciais, como o carbono, o oxigénio e o azoto. É igualmente responsável por mitigar a poluição, proteger os lençóis de água e combater a erosão dos solos. Uma vez que actua como um tampão relativamente às variações do clima, a biodiversidade protege-nos de eventos catastróficos que ficam além da capacidade de controle humano.

 

A importância da biodiversidade para um ambiente saudável está a tornar-se uma noção cada vez mais clara. Nós aprendemos que o futuro bem-estar de toda a humanidade depende da forma como "administrarmos" a Terra. Quando exploramos desenfreadamente os recursos vivos, estamos a ameaçar a nossa própria sobrevivência.

 
Por ser uma questão tão debatida, têm sido realizados diversos estudos no sentido de determinar o valor económico da biodiversidade. Estes cálculos têm em consideração parcelas como a dependência da agricultura das reservas genéticas dos sistemas ecológicos naturais e as receitas que o turismo natural gera anualmente. Por exemplo, nos EUA, os benefícios económicos garantidos pelas plantas e animais selvagens ronda 4,5% do seu Produto Interno Bruto.

Todas as culturas agrícolas para alimentação, incluindo o milho, o trigo e a soja, dependem de novo material genético existente na natureza, para que as culturas se mantenham saudáveis e produtivas. Agricultores e criadores dependem da diversidade genética das culturas e do gado, para aumentarem a produção e para ser possível responder a alterações das condições ambientais. Variedades resistentes encontradas na natureza podem ser utilizadas ou cruzadas com as variedades domésticas, para garantir maior resistência e produtividade. Por exemplo, em 1960 foi encontrado na natureza um "parente" do milho, resistente a 4 das 8 maiores doenças que o afectam nos EUA. Uma vez que este cereal é a matéria prima para a produção de uma grande variedade de substâncias, incluindo rações para os animais domésticos, a utilização desta variedade de milho permite manter baixos os preços dos produtos à base do cereal, quando as pragas atacam as culturas.

Também nos oceanos o valor da biodiversidade é inquestionável, pois para além da grande produção de oxigénio e consumo de dióxido de carbono, os oceanos da Terra contêm uma grande abundância de recursos alimentares. Actualmente, a produção de alimentos a partir dos stocks selvagens de peixe é a maior fonte de proteína animal para a população humana, continuamente em expansão.

Do top de vendas dos medicamentos mais comumente prescritos, mais de 70% têm a sua origem na natureza, já que são muitas as substâncias químicas puras extraídas de seres vivos que são usadas na indústria farmacêutica em todo o mundo. Mesmo grande parte das drogas sintéticas, incluindo o ácido acetil salicílico da aspirina, foram inicialmente descobertas em plantas e animais selvagens.


 
A medicina tradicional, que depende de espécies selvagens ou cultivadas, constitui a base dos cuidados médicos primários para mais de 80% das pessoas que vivem em países em desenvolvimento. Contudo, mesmo nos países mais desenvolvidos, a medicina tradicional está a consquistar partidários, o que promove a importação de plantas com propriedades medicinais, com óbvios efeitos em termos económicos.

Mas apesar de tão alargada popularidade, apenas 2% das 250000 espécies de plantas vasculares descritas foram investigadas quanto à sua composição química. Algumas destas substâncias mostram propriedades realmente inacreditávies, como o taxol, extraído do teixo, que tem sido utilizado no tratamento de tumores ováricos. Outro exemplo impressionante está relacionado com a leucemia. Nos anos 60, esta doença na idade infantil tinha apenas uma em cinco hipóteses de cura. Actualmente, graças a drogas anti-cancerígenas desenvolvidas a partir de um composto descoberto na planta selvagem de pervinca, a taxa de sobrevivência subiu para 80%. 
 
Para além de proteger as nossas fontes de alimentos, a saúde e o ambiente, a biodiversidade providencia uma imensa quantidade de oportunidades recreativas e de valor estético. Nos EUA, em 1991, as actividades recreativas associadas à observação de aves gerou, só por si, mais de 20 milhões de dólares e 250000 postos de trabalho, e a pesca desportiva em água salgada gera 15 biliões de dólares anualmente, mantendo 200000 empregos a tempo inteiro. Os parques naturais são outra fonte de receita e de postos de trabalho. Por exemplo, em 1986, o Quénia recebeu mais de 400 milhões de dóláres com as visitas às suas áreas protegidas. Estas gigantescas receitas reflectem o elevado valor dado à recreação que envolva a biodiversidade.

A poluição da água e da atmosfera não têm fronteiras nacionais. A chuva ácida é um bom exemplo, pois enquanto as emissões industriais que a geram podem ser imputadas a um país, os seus efeitos podem fazer-se sentir em diversos países vizinhos. Talvez a maior ameaça à vida na Terra sejam as alterações globais do clima. O aumento da concentração de dióxido de carbono e de outros gases responsáveis pelo efeito de estufa, combinado com a depleção da camada de ozono, está a ter efeitos climáticos notórios. As consequências para muitas espécies selvagens e ecossistemas, assim como para as populações humanas, podem ser catastróficas. O aquecimento global pode alterar as aptidões agrícolas dos solos, a resistência das culturas e a inundação das zonas costeiras, entre outros danos. As espécies serão forçadas a migrar, para tentarem manter as suas condições óptimas, mas o ritmo das alterações será demasiado rápido para permitir a adaptação.

 

A uma escala global, a perda da biodiversidade pode mesmo ameaçar a segurança nacional. Existem diversos conflitos internacionais sobre a água, os solos e outros recursos naturais. Tais conflitos ambientais levam, muitas vezes, a migrações maciças de pessoas, criando tensões nos orçamentos nacionais, nas infraestruturas públicas e nas relações internacionais.

Desde o desaparecimento dos dinossauros que a taxa de extinção de espécies, a mais comum medida da perda da biodiversidade, não era tão elevada. Com efeito, a situação é bem mais dramática do que se pode imaginar, pois os cálculos desta taxa nunca poderão reflectir a situação real, já que apenas 13% de aproximadamente 14 milhões de espécies que habitam o planeta estão descritas pelos cientistas. Virtualmente, todas as perdas (pelo menos à nossa escala temporal) são o resultado da actividade humana, sobretudo a partir da destruição do habitat e da exploração desmedida. Com a crescente pressão do Homem sobre os recursos naturais, provavelmente a taxa de extinção não vai parar de aumentar. Apesar de se começar a definir uma consciência global sobre a importância da biodiversidade, acções concretas são necessárias e urgentes, para que o caminho que hoje se trilha não conduza a um beco sem saída.


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