Tartaruga-comum: a mascote cabo-verdiana, uma espécie ameaçada

Filipa Serra Gaspar
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Acordos de pesca

“O principal foco de ameaça a tartarugas em Cabo Verde não é a predação terrestre. Todos pensavam que sim, mas, na verdade, são os grandes palangreiros europeus que pescam nas nossas águas”, admite Tommy Melo, co-fundador da Biosfera I, uma organização não governamental com sede em Mindelo, na Ilha de S. Vicente.

“Atuns e afins” é o termo que mais controvérsia gerou em Cabo Verde no que diz respeito ao novo acordo de pescas com a União Europeia. “Penso que a opinião da maioria da população é contra o acordo de pescas. Esse acordo como está feito, não faz sentido. Não é que sejamos contra os acordos de pesca em Cabo Verde. O problema é que como está feito, só é vantajoso para a União Europeia”, confessa Patrícia Rocha, bióloga na Biosfera I.

A falta de fiscalização competente e em número proporcional às embarcações, são apontadas como os maiores problemas. “Os fiscalizadores não conseguem ver tudo” afirma Emanuel. E a questão que se coloca é: o que são afinal os afins? O método de pesca utilizado na maioria das embarcações é o longline, um método que consiste numa linha principal que pode chegar a ter 200 quilómetros, na qual a cada 25 metros está uma linha perpendicular com um anzol. “Mas como é óbvio, os outros peixes não sabem que aqueles anzóis são para o atum”, refere o ex-activista dizendo que a espécie alvo, o atum, acaba por se tornar em pesca acidental, tendo em conta o número elevado de outras espécies pescadas, como a tartaruga e o tubarão, que são trazidas pelo longline. Tommy Melo garante que quantidade de tartarugas apanhadas em alto mar é “abismal”. “Essas tartarugas se não morrem, ficam gravemente feridas e dificilmente sobrevivem”, corrobora Emanuel.

Fig. 3 - Tartaruga com um membro amputado

No entanto, são apresentadas algumas soluções: “Eles pescam a 17 metros, uma zona onde há tartaruga. Basta afundar as linhas até 40 metros. Continuam a existir atuns, mas a afluência de tartarugas é muito menor. Poderia reduzir em 90% a apanha”, afirma Tommy Melo. Já Patrícia aponta: “deviam diminuir as embarcações até termos fiscalizadores suficientes e competentes. As descargas são feitas em portos internacionais e não conseguimos saber a quantidade e as espécies que foram pescadas. São necessários dados científicos antes de nos metermos num acordo desta dimensão”, reforça. Ricardo Monteiro critica ainda: “O Estado quer que a sociedade civil participe na co-gestão mas não na co-decisão”. “Cabo Verde está a gastar milhões a tentar proteger as tartarugas, mas depois elas estão a ser mortas às centenas em alto mar”, revigora o co-fundador da Biosfera I.

Com uma perspectiva diferente, Adalberto Vieira, Secretário de Estado dos Recursos Marinhos, garante que o governo elege a protecção de tartarugas como uma prioridade. “Várias são as acções que têm vindo a ser empreendidas com o intuito de protegermos as tartarugas marinhas. É certo de que não é possível ter uma eficácia 100 por cento mas é feito um trabalho para que as infracções sejam tão diminutas quanto possível. Consideramos que os países agem de boa-fé e que não estão a depredar as nossas águas”, declara. No entanto, admite a futura renegociação e reformulação do acordo, de modo a melhorar alguns aspectos relativos à interpretação do contrato.

Emanuel Charles de Oliveira lamenta: “Por melhor ou pior que seja, esse acordo não deixa que Cabo Verde tenha muito espaço de manobra. Negociar com a Europa não e fácil. Acabam sempre por impor o seu desejo. Os nossos negociadores são pessoas formadas e bem informadas, mas não conseguem fazer melhor. Não se pode dizer que não à Europa, simplesmente isso”.

Ao olhar para trás Ricardo Monteiro, admite que o plano de conservação de tartarugas marinhas, realizado em 2008, está cheio de lacunas e de pequenos detalhes que deviam ser alterados: “Está na hora de rever o plano”, afirma.

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